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Cobrança das tarifas de limpeza urbana/taxa de lixo na fatura de água

Em virtude dos impactos da matéria em diversos campos do Direito, particularmente Tributário e Consumerista (CDC), muitos questionamentos jurídicos vieram a tona.

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Atualizado às 12:44

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Na senda das inovações trazidas pelo novo marco legal do saneamento básico (lei 14.026/20), o novel diploma legal permite que as tarifas de limpeza urbana sejam cobradas na conta de água e esgoto, quando o serviço for objeto de delegação.

Em virtude dos impactos da matéria em diversos campos do Direito, particularmente Tributário e Consumerista (CDC), muitos questionamentos jurídicos vieram a tona. Para ilustrar, três ações de inconstitucionalidade foram apresentadas no STF contra a nova regra e, s.m.j, serão julgadas em novembro/2021.

Além disso, em sede judicial declarou-se ilegal a cobrança da taxa de lixo, incidente na mesma fatura destinada ao consumo de água/esgoto, pelo município de Terrenos, sob o argumento de ser vedado o condicionamento do fornecimento de água ao pagamento da taxa de coleta de lixo e vice-versa.

Como se nota, há forte tendência de que permaneçam os imbróglios até que haja efetiva regulamentação da matéria, em coerência com o princípio basilar da segurança jurídica, ou enfrentamento definitivo pelo STF.

Ainda que se defenda a possibilidade pelo pagamento conjunto de ambos os serviços, é necessário, em respeito aos princípios e normas consagrados no CDC, que o consumidor autorize a cobrança expressamente. Mesmo assim, é preciso estabelecimento de meios legítimos que permitam questionamentos do tipo: falhas no fornecimento de água ou erros em relação a quaisquer dos serviços cobrados.

Rememorando as bases do Estatuto das Concessões e Permissões dos Serviços Públicos - lei 8.987/95 - para longe de inédita, reforçou-se expressamente, no rol dos direitos e obrigações dos usuários, a observância aos postulados do CDC, como a "clássica" vedação de condutas abusivas, por exemplo. É de estranhar, portanto, desdobramentos atuais em torno de interpretações contra legem ...

Ao que se vê, contamos "sim" com permissivo legal que autoriza a cobrança de serviços distintos na mesma fatura. Contudo, o dispositivo é silente em relação à materialização do procedimento de cobrança (um ou mais códigos de barras), assim como outras questões permaneceram de fora. Nem por isso, perde sua identidade e autoridade legal.

Ao revés, recorda o dever do agente público de pautar seu atuar no princípio da juridicidade, ou seja, ancorado dos princípios esculpidos na Magna Carta (CRFB/1988), fomentando, ainda, a importância da materialização do poder normativo responsivo pelas agências reguladoras federais, estaduais, municipais e intermunicipais, além da coordenação regulatória entre níveis de governo - é o que se extrai do dever de "padronização dos instrumentos negociais de prestação de serviços públicos de saneamento básico", a cargo da ANA".

Vale lembrar, em sintonia com as lições de Eros Grau, o sistema jurídico brasileiro convive com duas espécies de leis: i) exaustivas, que, em virtude da extensa normatização, reservam espaço apenas para edição de regulamentos meramente executivos; ii) leis-quadro, que fixam as diretrizes da regulação, permitindo que a Administração exerça a competência normativa através de regulamentos autorizados, superando-se assim a terminologia "regulamentos delegados." É, portanto, a extensão do grau de atribuição da função normativa que permitirá a identificação da natureza do exercício regulamentar.

Não há espaço inovador aos regulamentos executivos, ao passo que os autorizados viabilizam, com certo grau de limitação, inovações jurídicas, já que desenvolvem, nos limites da lei, os programas legais permitidos, não se tratando, pois, de mera execução material da lei.

Restando comprovada a possibilidade jurídica de os regulamentos apresentarem conteúdo inovador, sobreleva notar que a natureza da função normativa conferida às agências é de caráter regulamentar, na medida em que a vinculação subsume à observância dos parâmetros existentes da lei que autorizou o exercício dessa atividade. Para Aragão, a competência normativa destas entidades especiais é assim calcada em standards, ou seja, palavras de baixa densidade normativa, eis que lhes permitem a realização das finalidades públicas, especialmente o tempestivo acompanhamento dos setores suscetíveis às constantes mutações econômicas e tecnológicas.

Cumpre sublinhar que as leis que instituíram as agências autorizaram a normatização de alguns vetores de natureza técnica, não havendo, pois, alteração significativa na ordem jurídica, dada à vinculação aos termos da própria Constituição Federal. Trata-se, portanto, de autêntica capacidade normativa do regulador, pautada nos limites do ordenamento jurídico em vigor. Consoante a velocidade em que se processam as mudanças sociais, políticas e econômicas, as leis não mais atendem com a celeridade exigida todos os anseios sociais, sendo necessárias normas de ordem técnica, razão pela qual, ratificando lições de Carvalho Filho, afigura-se indispensável que as agências apresentem certo grau de independência em relação aos Poderes do Estado.

O legislador não detém conhecimento suficiente para alcançar todas as situações postas, mantendo-se, por conseguinte, no plano da generalidade. É inimaginável que adentre em detalhes, especialmente porque as normas que disciplinam o mercado são primacialmente técnicas e mudam constantemente com a própria dinâmica social. Sob esse pressuposto, se a lei cuidasse de tais especificidades, haveria necessidade constante de atualização para atender as exigências sociais, fundamentando-se assim a capacidade normativa do regulador.

Não se pode esquecer que o exercício da função normativa conferido às agências é umbilicalmente associado à Administração Pública gerencial, vocacionada à consecução dos resultados. Dessa forma, os atos normativos não devem se dissociar dos parâmetros legitimatórios (processualística regulatória), sob pena de romper os fins para os quais foram instituídas, legitimando-se o manejo da processualidade administrativa consensual e participativa, como efetivo instrumento de controle e aferição dessa compatibilidade.

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ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Agências reguladoras e poder normativo. in: ARAGÃO, Alexandre Santos de. O poder normativo das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

GRAU, Eros Roberto.O direito posto e o direito pressuposto. 7a. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p.252. 

MENDES, Flavine Meghy Metne. Processo Normativo das agências reguladoras: atributos específicos à governança regulatória. São Paulo: Giz Editorial.

SOUTO, Marcus Juruena Villela. Direito administrativo regulatório. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005.

SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo para céticos. São Paulo: Malheiros, 2012.

Flavine Meghy Metne Mendes

Flavine Meghy Metne Mendes

Advogada, escritora, palestrante, mestre em Direito Público, doutoranda em Políticas Públicas pela UFRJ e autora de artigos científicos.

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