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Qual é o prazo para o cumprimento de uma sentença arbitral?

Gabriel Infante Magalhães Martins e Daniela Carvalho Meira

Reflexões sobre o Tema Repetitivo nº 893 do STJ à luz do art. 26, III, da Lei nº 9.307/96

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Atualizado às 09:20

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Hoje em dia, são inegáveis os benefícios trazidos pela utilização dos "métodos adequados de solução de conflitos" se comparados à tradicional jurisdição estatal. Está mais que demonstrada a falência do sistema judicial para a resolução de determinados litígios, sobretudo aqueles que tratam de direitos individuais disponíveis, que, no geral, têm viés eminentemente patrimonialista, para os quais se mostra mais pertinente a arbitragem.

A título de exemplo, de acordo com a edição de 2021, referente ao ano de 2020, do levantamento anual feito pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), denominado "Justiça em Números", o tempo médio de duração dos processos na Justiça Estadual é de 5 anos e 4 meses (2 anos e 7 meses somente para a prolação da sentença),1 sendo certo que a arbitragem, nesse sentido, é muito mais interessante às partes em termos de celeridade. Há, ainda, inúmeros outros benefícios, como, por exemplo, a forma de tratamento da lide, a escolha de árbitros especializados, a flexibilidade procedimental, a possibilidade de confidencialidade etc.2

Fala-se, hoje em dia, em direito de acesso a uma ordem jurídica justa - e não apenas em acesso ao Poder Judiciário -, consagrando-se a ideia de "justiça multiportas". O art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, engloba a arbitragem como mais um instrumento que possibilita o direito de acesso à justiça, entendimento que está em consonância com a doutrina de Mauro Cappelletti e Bryant Garth sobre as ondas renovatórios do acesso à justiça (a arbitragem está contida na terceira onda, referente aos novos enfoques de acesso à justiça) e que já foi chancelado pelo STF (SE 5.206 AgR - Agravo Regimental na Sentença Estrangeira nº 5.206-7, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 12-12-2001, DJ de 30-4-2004).

No entanto, mesmo que seja escolhida a arbitragem para processamento e julgamento de um litígio, há hipóteses em que o socorro ao Poder Judiciário não pode ser afastado, como no caso do cumprimento de sentenças, já que o monopólio do uso legítimo da força pertence ao Estado, salvo raríssimas exceções admitidas em nosso ordenamento jurídico-constitucional. Como já sedimentou o STJ em vários julgados, o árbitro não possui poder coercitivo direto, sendo-lhe vedada a prática de atos executivos, cabendo ao Poder Judiciário a execução forçada do direito reconhecido na sentença arbitral.3

Assim, proferida uma sentença arbitral, se não ocorrer o adimplemento da obrigação pela parte sucumbente no prazo estipulado pelo árbitro, como manda o art. 26, III, da Lei de Arbitragem (lei 9.307/96), é imprescindível realizar o cumprimento de sentença, tendo em vista a natureza de título executivo judicial da sentença arbitral (art. 515, VII, CPC, e art. 31 da lei 9.307/96).

O §1º do art. 515 do CPC estipula que, no caso de cumprimento de sentença arbitral (entre outros), o devedor será citado no juízo cível para, no prazo de 15 (quinze) dias, promover o cumprimento da sentença ou, caso necessária, a anterior fase de liquidação. Extraem-se duas conclusões importantes deste artigo: a primeira relativa ao necessário ajuizamento de uma ação de cumprimento de sentença e a segunda referente ao procedimento.

Quanto à primeira, não é possível falar em "fase de cumprimento de sentença" neste caso, já que não houve a antecedente "fase de conhecimento". Portanto, o executado deverá ser citado (ato inicial de comunicação processual) - e não intimado (ato de comunicação processual praticado durante o processo, uma vez já citada a parte) - para o cumprimento de sentença. Como salienta Marcus Vinícius Rios Gonçalves, nesta situação específica, o procedimento será o dos arts. 523 e ss., com a única peculiaridade de que, em vez de intimação do executado na pessoa do advogado para efetuar o pagamento, haverá a citação.4

Em relação à segunda, afirma-se que, não cumprida a obrigação pecuniária pelo sucumbente no procedimento arbitral no prazo estipulado pelo árbitro, ele terá 15 dias úteis (vide art. 219 do CPC) para promover a liquidação do título executivo judicial, se necessária (disposição que se aplica plenamente ao cumprimento de sentença arbitral), ou partir diretamente para o cumprimento do título, se já exigível, por meio do procedimento delineado no art. 523 e seguintes do CPC.

Nesse sentido, em relação à sentença arbitral, o STJ firmou o seguinte entendimento no julgamento do Tema Repetitivo 893 (REsp 1.102.460, Rel. Min. Marcos Buzzi, com trânsito em julgado em 09/10/2015):

No âmbito do cumprimento de sentença arbitral condenatória de prestação pecuniária, a multa de 10% (dez por cento) do artigo 475-J do CPC [referência ao CPC de 1973, equivalente ao art. 523, §1º, CPC de 2015] deverá incidir se o executado não proceder ao pagamento espontâneo no prazo de 15 (quinze) dias contados da juntada do mandado de citação devidamente cumprido dos autos (em caso de título executivo contendo quantia líquida) ou da intimação do devedor, na pessoa de seu advogado, mediante publicação na imprensa oficial (em havendo prévia liquidação da obrigação certificada pelo juízo arbitral).

Por meio da leitura do inteiro teor do julgado que deu ensejo à referida tese repetitiva, percebe-se que o cerne da questão debatida foi a possibilidade ou não de aplicação da multa do art. 475-J do CPC de 1973, referente ao art. 523, §1º, do CPC de 2015. Fica claro, então, que o STJ não enfrentou especificamente a questão que este texto vem suscitar, que é aquela relativa ao prazo para cumprimento voluntário da obrigação pecuniária no bojo da ação de cumprimento de sentença arbitral, pressupondo, de antemão, que se aplicaria o prazo de 15 (quinze) dias úteis.

Logo, na tese repetitiva, a conclusão do STJ é basicamente a seguinte: uma vez citado o sucumbente no procedimento arbitral que não quis adimplir a obrigação pecuniária no prazo estabelecido pelo árbitro, ou intimado no caso de ter havido prévia liquidação judicial do título, ele terá 15 dias úteis para cumprimento voluntário da prestação pecuniária, sob pena de, ultrapassado tal prazo, incidência do percentual de 10% a título de multa e de também 10% a título de honorários advocatícios (art. 523, §1º, CPC).  

Entretanto, com a devida vênia, cabe realçar que a conclusão adotada pelo tribunal na redação da tese, no que toca ao prazo para cumprimento voluntário, parece contrastar com a autonomia da vontade, a boa-fé e a lealdade inerentes à estipulação do procedimento arbitral entre as partes.

Isso porque o ordenamento jurídico-constitucional concede às partes liberdade para pactuarem o procedimento arbitral. Portanto, deve-se incluir nesta autonomia a liberdade para que o árbitro, de acordo com a vontade das partes contratantes, estipule os dois prazos para cumprimento voluntário da obrigação constante no título formado pelo procedimento arbitral: (I) aquele antes de eventual ação de cumprimento de sentença e (II) aquele no bojo da própria ação, que, se descumprido, faz incidir a punição do art. 523, §1º, e o prazo de 15 (quinze) dias úteis para impugnação constante no caput do art. 525, ambos do CPC.

Em outras palavras, o já mencionado art. 26, III, da lei 9.307/96 impõe aos árbitros, como requisito obrigatório da sentença arbitral, o dever de resolver as questões que lhes forem submetidas, inclusive estabelecendo o prazo para o cumprimento da decisão, se for o caso. Ou seja, se as partes do litígio estipularem, no termo de arbitragem, o prazo em que desejam o cumprimento voluntário da sentença arbitral, tal estipulação deve ser respeitada pelo juízo competente para a ação de cumprimento de sentença, pois o art. 26 da lei 9.307/96 é especial em relação ao caput do art. 523 do CPC, que prevê 15 (quinze) dias úteis para o cumprimento voluntário da obrigação.

É neste sentido a doutrina de Arenhart, Mitidiero e Marinoni: o prazo para cumprimento voluntário da decisão arbitral que condena ao pagamento de quantia certa deve ser fixado na própria decisão (art. 26, III, lei 9.307/96). Não havendo, incide o prazo constante do art. 523, CPC.5

Cumpre ressaltar que tal conclusão se coaduna com o espírito de flexibilização procedimental adotado pelo CPC de 2015, com ênfase no consenso entre as partes. Cite-se, por exemplo, a calendarização processual, prevista no art. 191 do CPC, e a possibilidade de celebração de negócios jurídicos processuais sobre o procedimento, convencionando-se acerca de ônus, poderes, faculdades e deveres processuais (art. 190 do CPC). Além disso, não se pode esquecer do que prevê o art. 5º da LINDB, segundo o qual na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige.

Em relação às convenções processuais, importante realçar diversos tribunais brasileiros determinam que o negócio jurídico processual (...) configura fonte de norma jurídica processual, vinculando, assim, o órgão julgador, que, em um Estado de Direito, deve observar e fazer cumprir as normas jurídicas válidas, inclusive as convencionais,6 independentemente de homologação pelo juízo, conclusão que se aplica às convenções de arbitragem e independe de homologação pelo juízo.7

Além disso, o Ministro Marcos Buzzi, relator do Recurso Especial afetado pelo Tema Repetitivo nº 893, em seu voto, fez constar uma interessante passagem (página nº 8), a seguir transcrita:

Consequentemente, o afastamento da incidência da referida sanção no âmbito do cumprimento de sentença arbitral de prestação pecuniária representaria um desprestígio ao procedimento da arbitragem (tornando-a um minus em relação à prestação jurisdicional estatal), olvidando-se de um de seus principais atrativos, qual seja, a expectativa de célere desfecho na solução dos conflitos.

Assim, a afirmação de que afastar a incidência da multa do atual art. 523, §1º, do CPC na ação de cumprimento de sentença arbitral seria um desprestígio ao procedimento da arbitragem, tendo em vista a celeridade que lhe é inerente, é igualmente aplicável para justificar a tese sustentada neste texto.

Além do mais, vale realçar que o próprio ordenamento jurídico prevê prazos distintos para cumprimento de obrigações, deveres, ônus e faculdades, a depender do conteúdo e/ou da natureza do ato ou da parte processual. Como exemplo, menciona-se que o executado tem 3 (três) dias para pagar o débito relativo à obrigação de prestar alimentos (art. 528 do CPC), ao passo que a Fazenda Pública tem 30 (trinta) dias para impugnar o cumprimento de sentença movido contra si (art. 535 do CPC).                                                                   

Contudo, deve-se adotar parâmetros de controle, a fim de evitar abusos. Como já exposto no sétimo parágrafo deste texto, nos casos semelhantes ao aqui imaginado, será necessário o ajuizamento de ação de cumprimento de sentença arbitral, de acordo com a redação do supracitado art. 515, §1º, do CPC. Logo, por óbvio, deverão ser observadas as formalidades da citação, de acordo com o art. 246 do CPC, muito recentemente alterado pela lei 14.195/21. Assim, os prazos da citação eletrônica (dois dias úteis para citação, contados a partir da decisão que a determinou, e até três dias úteis para a confirmação da citação eletrônica, calculados desde o recebimento), que se tornou a regra geral no processo civil brasileiro, devem ser seguidos.

Ademais, importante mencionar que a ideia de proporcionalidade permeia todo nosso ordenamento jurídico-constitucional e, assim, para que não sejam estipulados prazos desproporcionalmente ínfimos, é possível falar que o árbitro, ao estipular o lapso temporal para cumprimento da obrigação no bojo de uma ação de cumprimento de sentença arbitral, deve respeitar um parâmetro mínimo. Para tanto, pode-se usar o art. 218, §3º, do CPC, segundo o qual, inexistindo preceito legal ou prazo determinado pelo juiz, será de 5 (cinco) dias o prazo para a prática de ato processual a cargo da parte, ou ainda o caput do art. 829 do CPC, que estabelece o prazo de três dias úteis, após a citação, para o pagamento da dívida em uma execução por quantia certa.

Além disso, deve-se ter em mente o controle de situações específicas, como no caso de litígios envolvendo relações consumeristas, nas quais é imprescindível o controle de situações de abusividade (art. 6º, IV, CDC). Imagine-se, por exemplo, um contrato consumo que eleja a arbitragem como forma de solução dos conflitos, devidamente negociada pelas partes (pois, para o STJ, a legislação consumerista impede a adoção prévia e compulsória da arbitragem no momento da celebração do contrato, mas não proíbe que, posteriormente, em face de eventual litígio, havendo consenso entre as partes, seja instaurado o procedimento arbitral),8 e imponha ao fornecedor um prazo muito amplo para cumprimento da obrigação (dois anos, por exemplo). É certo que situações assim são abusivas e, desse modo, cabe ao árbitro e ao juízo competente para a ação de cumprimento de sentença arbitral declarar a abusividade e estabelecer um novo prazo.

Em suma, afirma-se que há um conflito aparente entre o art. 26, III, da lei 9.307/96 e o caput do art. 523 do CPC no que toca ao prazo para cumprimento voluntário da obrigação pecuniária constante em uma sentença arbitral no bojo de uma ação de cumprimento de sentença arbitral, o qual deverá ser solucionado pelo critério da especialidade, com preponderância do dispositivo previsto na Lei de Arbitragem, diversamente do que deu a entender o STJ no julgamento do Tema Repetitivo 893. Contudo, como dito, é necessário observar parâmetros de controle do prazo, seja em relação ao mínimo (conforme o art. 218, §3º, ou o art. 829, caput, ambos do CPC), seja em relação ao máximo (como no exemplo da relação consumerista acima delineado).

Dessa maneira, seria interessante que o STJ pudesse enfrentar novamente a questão, agora com foco no tema do prazo para cumprimento voluntário da obrigação pecuniária em uma ação de cumprimento de sentença arbitral. Isso porque o tribunal, ao abordar o tema da incidência da multa de 10%, cristalizou um entendimento sobre tal prazo sem que tivesse sido provocado para tanto - orientação que deve ser observada por todos os juízes e tribunais (art. 927, III, CPC) por se tratar de um precedente vinculante (ou precedente normativo), de forma a manter a jurisprudência íntegra, estável e coerente (art. 926 do CPC), a qual, contudo, não é condizente com o microssistema processual da arbitragem.

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1- Justiça em Números 2021/Conselho Nacional de Justiça - Brasília: CNJ, 2021. Página 203 e seguintes. Disponível aqui.

2- FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Lei de Arbitragem Comentada Artigo por Artigo / Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira, Matheus Lins Rocha, Débora Cristina Fernandes Ananias Alves Ferreira - 2. ed. rev. ampl. e atual. - São Paulo: Juspodivm, 2021. 

3- Jurisprudência em Teses do STJ, Edição nº 122, Tese nº 7. Ver REsp 1733685/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 06/11/2018, DJe 12/11/2018.

4- GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 11. ed. - São Paulo: Saraiva Educação, 2020. Página 1288.

5- MARINONI, Luiz Guilherme. Código de Processo Civil comentado / Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero. - 6 ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. Página 664.

6- Ver Agravo de Instrumento nº 1,0000,19,026277-4/001, Rel. Des. João Cancio, 18ª Câmara Cível, julgado e publicado em 30/07/2019, TJMG.

7- Ver REsp 1810444/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 23/02/2021, DJe 28/04/2021; Ver Apelação Cível nº 1002144-83.2016.8.26.0481, Rel. Des. Ênio Zuliani, 4ª Câmara de Direito Privado, julgado e publicado em 02/09/2020, TJSP

8- Jurisprudência em Teses do STJ, Edição nº 122, Tese nº 12. Ver REsp 1733370/GO, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. p/ Acórdão Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 26/06/2018, DJe 31/08/2018.

Gabriel Infante Magalhães Martins

Gabriel Infante Magalhães Martins

Advogado. Graduado pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Pós-graduando em Direitos Difusos e Coletivos pelo Curso CEI.

Daniela Carvalho Meira

Daniela Carvalho Meira

Advogada. Graduada pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Pós-graduanda em Arbitragem pela EBRADI. Mestranda em Direito Alemão para Estrangeiros na Universität Passau (Alemanha). Estagiária no escritório WilmerHale, em Frankfurt (Alemanha).

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