MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Migalhas de peso >
  4. Receita Federal insiste na interpretação de que é possível tributar os incentivos fiscais de ICMS

Receita Federal insiste na interpretação de que é possível tributar os incentivos fiscais de ICMS

Receita Federal volta a contrariar entendimento do Superior Tribunal de Justiça e pretende tributar por meio do IRPJ e CSLL os incentivos fiscais de ICMS.

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Atualizado às 14:02

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

No último dia 28 de junho, a Receita Federal, por meio de sua Coordenadoria Geral de Tributação - COSIT, publicou a Solução de Consulta 108/21, pela qual, em linhas gerais, concluiu de forma expressa o que havia deixado a entender na Solução de Consulta 145/20, no sentido de que os incentivos fiscais de ICMS só poderiam ser considerados subvenções para investimento e, consequentemente, excluídos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, caso concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.

A discussão acerca do enquadramento dos incentivos fiscais concedidos pelos estados e pelo Distrito Federal relativos ao ICMS como subvenções para investimento é de longa data conhecida nos tribunais administrativos e judiciais do Brasil.

A batalha elegida pelos contribuintes se deu no sentido de retirar os incentivos fiscais de ICMS do âmbito de enquadramento das subvenções para custeio, que são concedidas para fazer frente às despesas correntes da empresa e integram a receita bruta operacional, conforme prescreve o artigo 44, inciso IV, da lei 4.506/64, e, assim sendo, na perspectiva do que determina o Pronunciamento Contábil CPC 07 (R1), tais subvenções devem ser tratadas como receitas da entidade na demonstração do resultado, servindo de base, portanto, para incidência do IRPJ e CSLL.

Em sentido diverso, as subvenções recebidas de entes públicos que se destinem a investimentos da entidade subvencionada, uma vez registradas contabilmente na reserva de lucros destinadas para incentivos fiscais a que alude o artigo 195-A da Lei das S.A. (lei 6.404/76), são excluídas dos dividendos obrigatórios e, portanto, não devem ser computadas na determinação do lucro real, nos termos do artigo 30 da lei 12.973/14 (previsão esta que repete o que já havia sido prescrito no art. 38, § 2º, letra a, do Decreto-lei 1.598/77), saindo, em consequência, da base de cálculo para a incidência do IRPJ e da CSLL.

Durante muito tempo, a Receita Federal, com base no disposto no Parecer Normativo CST 112/1978, exigia, a fim de considerar legal o enquadramento de incentivos fiscais de ICMS como subvenções para investimento o exame acerca da intenção do ente subvencionador em conceder tal incentivo fiscal para fins de implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, a efetiva aplicação da entidade subvencionada do recurso angariado no fim previsto, e até a efetiva sincronia entre a ação do subvencionador em conceder tais estímulos econômicos e a ação do subvencionado em aplicá-lo na finalidade prevista em lei, tendo sido este último requisito, por muitas vezes, relativizado na jurisprudência do CARF (vide acórdãos 9101-002.329 e 9101-002.335, julgados em 04/05/2016).

Na tentativa de encerrar aas discussões acerca do enquadramento dos incentivos fiscais concedidos por estados e Distrito Federal como subvenções para investimento, a Lei Complementar 160/17 inseriu, no artigo 30 da lei 12.973/14, os parágrafos 4ª e 5º, que dispuseram, respectivamente, que os incentivos fiscais de ICMS são sim considerados subvenções para investimento, independentemente de qualquer outra exigência não prevista no citado artigo 30 - afastando-se, portanto, as exigências previstas no citado Parecer Normativo 112/1978 - , aplicando-se tal regramento, ainda, retroativamente aos processos judiciais e administrativos em curso, como medida de se diminuir a litigiosidade sobre a questão.

 Após a mencionada modificação legislativa, a Receita Federal, em um primeiro momento, pareceu seguir na esteira de pacificar as discussões sobre o tema, de modo que no âmbito da Solução de Consulta 11/2020 externou entendimento de que "a partir do advento da Lei Complementar 160/2017, consideram-se como subvenções para investimento os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiros-fiscais relativos ao ICMS concedidos por estados e pelo Distrito Federal", aduzindo que não mais se aplicariam os requisitos do Parecer Normativo  112/1978 a fim de se averiguar o enquadramento dos incentivos fiscais de ICMS como subvenções para investimento.

Ou seja, no mesmo sentido do inserido pela Lei Complementar 160/2017, a Receita Federal sedimentou entendimento de que todo incentivo fiscal relacionado ao ICMS poderia ser enquadrado como subvenção para investimento, bastando, para tanto, a observância à sua contabilização na reserva de lucros destinadas a incentivos fiscais no patrimônio líquido da entidade subvencionada.

Ocorre, todavia, que destoando do entendimento que havia sido externado por meio da Solução de Consulta 11/2020, a Receita Federal publicou a Solução de Consulta 145/2020, na qual indicou que não seria todo incentivo fiscal de ICMS contabilizado na reserva de incentivos fiscais que poderia ser enquadrado como subvenção para investimento, mas apenas aqueles concedidos pelo estado ou Distrito Federal que tivesse por fim o estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.

Por meio da Solução de Consulta 145/2020, a Receita Federal pareceu se reaproximar do entendimento encartado no já em desuso Parecer Normativo 112/1978, indicando que haveria de se averiguar a intenção do estado ou do Distrito Federal concedente do benefício fiscal de ICMS a fim de se verificar se tal foi concedido tendo por finalidade a implantação ou expansão de empreendimentos econômicos pelas entidades subvencionadas.

Tal pronunciamento da autoridade fazendária reavivou as discussões sobre a possibilidade de tributação ou não dos incentivos fiscais de ICMS mediante a incidência de IRPJ e CSLL, sobretudo considerando o aspecto contábil do enquadramento de tal benesse estatal como subvenção para investimento - e, consequentemente, de seu registro na reserva destinada a incentivos fiscais prevista pelo artigo 195-A da lei 6.404/76 - e o aspecto jurídico que se relaciona com a possibilidade de oneração, por determinado ente federativo, de benefício fiscal concedido por outrem.

No âmbito da jurisprudência judicial, importante é ressaltar que tal assunto - inclusão dos créditos presumidos de ICMS na base de cálculo do IRPJ e da CSLL - já havia sido enfrentado pelo STJ nos autos dos Embargos de Divergência em Recurso Especial, de 1.517.492/PR, cuja relatora para acórdão foi a Ministra Regina Helena Costa, e por meio do qual manifestou entendimento de que não seria possível a União tributar, por meio do IRPJ e da CSLL, os valores de créditos presumidos de ICMS que transitam pela empresa contribuinte, considerando que a uma pessoa política não é dada a intervenção em atividade tributante da outra, ferindo, assim, o princípio federativo.

Relevante notar que no citado julgado o STJ não adentrou na discussão acerca do correto enquadramento contábil dos incentivos fiscais de ICMS - se subvenções para custeio ou investimento -, considerando que a ratio decidendi adotada pelo julgamento se fundamentou em premissa jurídica anterior à citada discussão, qual seja a impossibilidade de um favor fiscal concedido por determinado ente federativo ser objeto de atividade tributante exercida por outro.

No entanto, ignorando tal entendimento, o fisco federal, por meio da Solução de Consulta 108/2021, reiterou entendimento em que expressou o compreensão que havia deixado implícita na Solução de Consulta 145/2020, isto é, de que a fim de se enquadrar um incentivo fiscal de ICMS como subvenção para investimento - e, portanto, excluí-lo da base de cálculo do IRPJ e da CSLL - deveriam ser observados "os requisitos e as condições impostos pelo art. 30 da lei 12.973/14, dentre os quais, a necessidade de que tenham sido concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos".

E ainda foi além a Receita Federal, aduzindo que os incentivos fiscais de ICMS que foram concedidos "sem nenhum ônus ou dever ao subvencionado, de forma incondicional ou sob condições não relacionadas à implantação expansão de empreendimento econômico não atendem os requisitos do art. 30, da lei 12.973/14", de modo que, em consequência, não poderiam ser enquadrados como subvenção para investimento e retirados da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Esse entendimento fazendário, contudo, encontra óbice na melhor interpretação constitucional e legal, como já manifestou o STJ, na medida que por critério puramente contábil visa permitir a oneração, por meio de tributos da União, de favor fiscal concedido por outra pessoa política, no caso os Estados e o Distrito Federal, violando, desse modo o princípio federativo (art. 1º, caput, CF); de igual modo que viola o próprio art. 30, caput, da lei 12.973/14, considerando que a redação legal do artigo na parte que diz "concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos" não estampa requisitos que devem ser cumpridos pelos incentivos fiscais de ICMS, mas se traduz em mera oração subordinada adjetiva explicativa (que se difere da restritiva justamente por estar separada da anterior pelo uso de vírgula) e que apenas exemplifica uma das formas de manifestação das subvenções governamentais para investimento, que não necessariamente visam a implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, mas podem visar outros fins, como a utilização de portos e aeroportos de determinado Estado, por exemplo1.

Tal compreensão, como indicado, também viola o parágrafo 4º do artigo 30 da lei 12.973/14, inserido pela Lei Complementar 160/2017, o qual taxativamente prescreve que os incentivos fiscais de ICMS são considerados subvenções para investimento, vedada qualquer exigência de requisito não previsto no citado artigo. Nesse cenário, analisando o único requisito estabelecido pelo artigo em questão, tem-se que tal se traduz na determinação de que a subvenção de investimento decorrente de incentivos fiscais de ICMS seja "registrada em reserva de lucros a que se refere o art. 195-A da lei 6.404/76". Ressalte-se que inobservada tal prescrição - ou seja, quando ao valor decorrente do incentivo fiscal de ICMS seja dada destinação diversa de ser registrada na reserva de incentivos fiscais -, os incentivos fiscais de ICMS serão tributados (art. 30, § 2º, da lei 12.973/14).

Tem-se, portanto, que desborda dos parâmetros constitucionais e legais a Receita Federal ao chancelar a tributação, mediante a incidência de IRPJ e CSLL, dos incentivos fiscais de ICMS nos termos propostos pela Solução de Consulta 108/2021, considerando que tal entendimento fazendário desobedece o princípio federativo por permitir a oneração, pela União, de favor fiscal concedido pelos Estados e Distrito Federal e viola o art. 30, caput e § 4º da lei 12.973/14 que determinam que os incentivos fiscais de ICMS são enquadrados como subvenções para investimentos - e, desse modo, não tributáveis pelo IRPJ e CSLL -, demandando, para tanto, apenas que sejam registrados na reserva de incentivos fiscais, de maneira que só se pode concluir pela ilegalidade do entendimento fazendário que pretende averiguar a intenção do ente subvencionador a fim de permitir tal enquadramento.

_____________

1- Vide, nesse sentido, o art. 11-C do Decreto Estadual 6.434/17 do Estado do Paraná, e que dispõe sobre o programa Paraná Competitivo, concedendo créditos presumidos de ICMS ao estabelecimento paranaense que realizar operações de saída de mercadoria importada por meio de portos e aeroportos paranaenses.

Jerônimo Dix-Neuf Rosado dos Santos

Jerônimo Dix-Neuf Rosado dos Santos

Advogado, Graduado em Direito pelo Centro Universitário do Rio Grande do Norte (UNI - RN), Mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Pós-Graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET. Também possui extensão em Tributação do Setor Comercial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV Law) e em Contabilidade Tributária pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET.

André Marinho

André Marinho

Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Mestre em Direito Constitucional, Regulação Econômica e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e também possui extensão em Contabilidade Tributária pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET. Pós-graduando (LL.M.) em Direito Tributário pelo INSPER.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca