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A Insolvência Transnacional regulada pela lei 14.112/20

Trata-se do regramento a ser aplicado a devedores com ativos envolvendo atividades empresariais em território internacional, com o fito de preservar a segurança jurídica e interesse de todos os credores.

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Atualizado às 10:22

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Caracteriza-se a insolvência transnacional quando há um processo de recuperação judicial ou falimentar em empresa com ativos, estabelecimento, atividade ou credores em mais de um país. Essa ocorrência pode suscitar atuação jurídica e processual concorrente em múltiplas jurisdições. No Brasil, a Lei de Recuperação Judicial (lei 11.101/05), foi recentemente alterada incorporando previsões de insolvência transnacional, mais especificamente em seu Capítulo VI-A.

No início do corrente ano, entrou em vigor a lei 14.112/20, que acrescentou e modificou dispositivos da lei 11.101/05 e dentre os dispositivos acrescidos, regulou a insolvência transnacional, adotando as disposições da Lei Modelo da United Nations Commission on International Trade Law - UNCITRAL.

Em síntese, trata-se do regramento a ser aplicado a devedores com ativos envolvendo atividades empresariais em território internacional, com o fito de preservar a segurança jurídica e interesse de todos os credores.

Antes mesmo da reforma da legislação, é de conhecimento que todas as decisões que envolvam ativos dos devedores devem ser reguladas pelo juízo recuperacional, sob pena de haver conflito de competência e decisões que prejudiquem o soerguimento do devedor em processo de recuperação judicial.

Todavia, a lei 11.101/05 trazia tão somente, em seu artigo 3º, a disposição acerca da territorialidade, de modo que o processo brasileiro poderia regular apenas as obrigações e os direitos aqui localizados e deixando de lado o interesse coletivo dos credores, ou seja, prejudicando muitas vezes o soerguimento da empresa e ainda os credores. Um exemplo desse prejuízo é o stay period, prazo de blindagem contra ações e execuções, concedido apenas no local da sede que, na maioria das vezes, não era suficiente para preservar o patrimônio do devedor em crise.

Assim, tendo em vista a existência de muitas empresas que possuem bens e atividades no Brasil e em diversos países, bem como a existência de regramentos jurídicos internacionais distintos e, ainda, visando assegurar a atividade econômica, o investimento e o melhor interesse de todos os credores, é que foi necessária a reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falências a fim de disciplinar a crise econômico-financeira do devedor.

Logo, no presente artigo, a intenção é abordar as principais inovações trazidas pela lei no que tange à reforma do procedimento de recuperação judicial quanto à insolvência transnacional.

Nesse cenário, a lei 14.112/20, em se tratando da insolvência transnacional, trouxe como objetivo a cooperação internacional entre juízes e demais autoridades competentes do Brasil e de outros países; a segurança jurídica para o desenvolvimento econômico; a proteção do interesse coletivo dos credores; a maximização do valor dos ativos do devedor; a preservação de empregos; dentre outros.

Além disso, ponderou quanto aos tipos de procedimento de insolvência transnacional podendo ser tanto administrativo, judicial ou de natureza cautelar, desde que busque a reorganização da empresa e satisfaça toda a coletividade de credores, atingindo sua principal finalidade.

Ainda, para melhor aplicação, a lei trouxe como um dos pilares da insolvência transnacional a assistência por autoridade estrangeira no Brasil, nos casos de processo estrangeiro, ou assistência nacional em um país estrangeiro, para que sejam cumpridos os atos necessários ao soerguimento do devedor em processo de Recuperação Judicial, seja para suspensão de medidas de constrição, transferência de recursos, dentre outros. 

Há de se ressaltar, ainda, que as medidas de assistência foram implementadas na referida lei apenas como rol exemplificativo, podendo ser deferidas pelo juiz competente ou impostas diretamente pelo administrador judicial outras tantas, a depender do caso concreto, desde que haja imediata comunicação nos autos.

Ademais, caso seja necessário, a lei dispõe ainda da possibilidade de requerer medidas de tutela provisória, visando proteger os ativos do devedor ou os interesses dos credores, inclusive anterior ao reconhecimento do processo estrangeiro, a fim de salvaguardar bens que satisfaçam o interesse dos credores.

Outro ponto relevante e de grande valia ao instituto da insolvência, é que a competência na insolvência transnacional segue a regra utilizada pelo art. 3º da lei 11.101/05, ou seja, o juízo competente será o do principal estabelecimento do devedor no Brasil para reconhecimento do processo estrangeiro e ainda para a cooperação com a autoridade, havendo prevenção ao juízo de distribuição do pedido de recuperação judicial.

No mesmo sentido, havendo o reconhecimento de processo estrangeiro poderá exigir-se medidas para conservar os ativos e interesses dos envolvidos, as quais serão apreciadas pelo juízo, quer seja o processo estrangeiro principal ou acessório. E aqui, vale dizer que a única diferenciação entre processo estrangeiro principal e acessório é o quanto será necessário controlar os ativos do devedor se de maneira total ou parcial, respectivamente.

Contudo, cabe acrescentar que para se valer da insolvência transnacional são necessários cumprir três requisitos, quais sejam: o processo estrangeiro deverá ser um procedimento coletivo; o procedimento deve versar sobre a insolvência do devedor e o processo deve se submeter à supervisão de uma autoridade estrangeira, tudo isso em busca da harmonização dos atos praticados pelas autoridades, a fim de maximizar o valor dos ativos do devedor e satisfazer toda a classe de credores sem exceção ou preferência.

Diante do exposto, é possível concluir que o instituto da insolvência transnacional é totalmente necessário para estabelecer parâmetros, manter o diálogo e a cooperação entre as jurisdições.

Josivânia R. Cavalcante

Josivânia R. Cavalcante

Advogada do escritório DASA Advogados.

Valentina Nery Antunes Maciel

Valentina Nery Antunes Maciel

Colaboradora do escritório DASA Advogados.

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