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Desafios para o sucesso do modelo de Sociedade Anônima do Futebol

Modificar a cultura e a mentalidade dos gestores dos clubes brasileiros é mais importante do que qualquer alteração de CNPJ.

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Atualizado às 14:54

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

A promulgação da Lei Federal 14.193, de 6 de agosto de 2021, buscou atender a uma antiga demanda dos clubes de futebol profissional do Brasil, ao criar um novo e específico tipo societário: a sociedade anônima de futebol (popularmente conhecida como "SAF").

A intenção declarada por trás do novo modelo era a de permitir aos clubes (em sua maioria constituídos na forma de associações civis) que pudessem diversificar suas fontes de receita, captando recursos no mercado de capitais e atraindo investidores externos.

Sem adentrar aos meandros (e polêmicas) da Lei 14.193/21, é certo que a transformação gera novas possibilidades para os clubes (que vão desde a emissão das "Debêntures Fut", previstas no art. 26 da Lei da SAF; até mecanismos mais "tradicionais" do mercado de capitais, como venda de participação acionária, aportes de fundos de investimentos ou a emissão outros valores mobiliários). Contudo, é evidente que resolver os problemas do futebol brasileiro vai muito além da simples adoção do modelo de sociedade por ações.

A situação de penúria da maior parte dos grandes clubes brasileiros é bastante conhecida1, com dívidas crescendo em ritmo muito superior ao das receitas, além de graves problemas de gestão. Nesse cenário, a adição de um elemento externo (no caso, os investidores), com interesses não necessariamente alinhados com os dos torcedores, pode trazer grandes riscos caso a adoção da forma de SAF não seja antecedida de uma profunda transformação na governança e na própria cultura organizacional dos clubes brasileiros, e os bem-sucedidos exemplos recentes dos clubes brasileiros envolvidos nas finais continentais de 2021 (Athletico, Red Bull Bragantino, Flamengo e Palmeiras) ilustram a importância de se começar pela mudança de mentalidade na gestão.

O recente relatório produzido pelas consultorias Big Data Sports e Sports Value, intitulado "Flamengo, Palmeiras, Paranaense y Red Bull Bragantino: gestión y finanzas de la hegemonía brasileña 2021"[2], demonstra como o atual sucesso esportivo está diretamente relacionado à boa gestão dos clubes, além de oferecer insights valiosos sobre as diferentes estratégias adotadas (decorrentes, em grande medida, das diferenças de torcida, capacidade de geração de receita e exposição midiática de cada uma das quatro equipes).

É salutar, portanto, que a Lei 14.193/21 traga uma seção com regras de governança corporativa obrigatórias para a SAF, disciplinando (ainda que de maneira tímida) temas como conflito de interesses (art. 4º), estrutura e composição dos órgãos da administração, inclusive com novas vedações para os cargos de administrador e Conselheiro Fiscal (art. 5º), transparência (arts. 6º a 8º), em uma tentativa de equacionar os complexos conflitos de agência que surgirão. Porém, como já mencionado, é imprescindível que haja uma profunda modificação na cultura organizacional em nossos clubes, com a verdadeira profissionalização de gestores. Do contrário, a pura e simples adoção de regras formais de governança corporativa apenas burocratizará a administração dos clubes de futebol, sem qualquer benefício.

Assim, a transformação dos clubes em SAF deve ser encarada como ponto de chegada, e não de partida, de um processo de profundas modificações estruturais que não se resume a uma mudança de CNPJ.

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1 O jornalista Rodrigo Capelo realiza, anualmente, uma análise bastante didática e detalhada dos balanços dos principais clubes brasileiros, que pode ser encontrada em: https://ge.globo.com/blogs/blog-do-rodrigo-capelo/;

2 Disponível em: https://bigdatasports.media/2021/11/18/reporte-exclusivo-flamengo-palmeiras-paranaense-y-red-bull-bragantino-gestion-y-finanzas-de-la-hegemonia-brasilena-2021/, acesso em 18/11/2021

Sérgio Luiz Beggiato Junior

Sérgio Luiz Beggiato Junior

Especialista em Direito Empresarial (FGV), Compliance (PUC-MG) e Filosofia do Direito (PUC-MG). Graduando em Segurança da Informação (UCB). É advogado no Gomm Advogados Associados (Curitiba/PR)

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