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Mudanças climáticas e o futuro após a COP26: contribuições pelo direito antidiscriminatório

No âmbito do direito antidiscriminatório, as implicações de um clima em desequilíbrio comprometem os interesses de futuras gerações e os direitos fundamentais dos mais vulneráveis.

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Atualizado em 25 de novembro de 2021 10:48

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Após uma série de debates, se chegou ao relatório final da COP26 com os Estados-membros celebrando o Pacto Climático de Glasgow e prevendo compromissos para os próximos 30 anos.1 Muito se tem discutido sobre o saldo da COP26 e se efetivamente os seus resultados atenderão às necessidades de enfrentamento da crise climática mundial.

Os problemas estruturais, os quais podem ser vistos no avanço de impactos sociais decorrentes das mudanças climáticas, revelam a necessidade de seu diagnóstico e combate também no que se refere aos seus efeitos discriminatórios. Ou seja, ao lado das diretrizes assumidas pela comunidade internacional, a emergência climática não está desassociada das vulnerabilidades sociais e discriminações geradas por uma série de eventos complexos que inviabilizam a manutenção de meio ambiente ecologicamente equilibrado.

A constatação das consequências negativas sobre o ecossistema e a biodiversidade, a relação entre os degelos e o aumento nos níveis de oceanos, a necessidade de controle das emissões de gases de efeito estufa, da poluição e do desmatamento, não são realidades isoladas. Assim, as suas transformações devem projetar soluções e atender aos direitos humanos fundamentais daqueles que sofrem com a degradação do meio ambiente e os interesses de futuras gerações.

Nesse sentido, a transição para uma ideia de Estado de direito ambiental, em que a proteção ambiental é tida como seu objetivo fundamental, é fator relevante. Há a modificação de uma modelo meramente intervencionista para uma ótica aberta e participativa para todos os cidadãos2. Especificamente, a sua democratização é atenta à agenda solidária intergeracional, isto é, tomadas de decisões sobre o meio ambiente com um comprometimento com os interesses de futuras gerações e dos vulneráveis como uma das bases fundamentais.

Essa perspectiva cria semântica própria e com status constitucional ou, ainda, permite o diálogo com outros direitos constitucionais com o fim de dar respostas às mudanças climáticas.3 Com a conformação do chamado constitucionalismo climático, são arregimentadas normas jurídicas receptivas à tutela do meio ambiente de forma integrada a indivíduos e grupos em situação de vulnerabilidade.

No âmbito do direito antidiscriminatório, as implicações de um clima em desequilíbrio atingem indivíduos e grupos pertencentes a específicos marcadores sociais, sobre os quais se revela a face mais perversa da desestabilização social devido a um ambiente não sustentável. Isso é presenciado em estruturas nas quais a sua dinamicidade alimenta a manutenção de discriminações, em que há o seu incremento com a intersecção das identidades daqueles que estão subalternizados em um contexto social, político e econômico marginalizante. E, para o direito antidiscriminatório, disciplina jurídica atenta às exclusões e restrições a direitos fundamentais, estabelecer medidas de enfrentamento a esse quadro é imperativo.

O diagnóstico dessa situação tem sido fomentado pela Organização das Nações Unidas (ONU) ao longo dos anos. Através de relatórios científicos já anteriores à COP26, como o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (Intergovernmental Panel on Climate Change - IPCC), foram feitos estudos apurados sobre as mudanças climáticas que têm afetado o mundo em paralelo à propositura de medidas para a solução dos problemas decorrentes do aquecimento global. Como consequência, foram articuladas políticas de resposta, adaptação e mitigação, bem como ações atinentes aos impactos sobre a população e territórios ao redor do mundo.4

Considerar as vulnerabilidades de indivíduos e grupos em seus contextos específicos dá atenção ao incremento de desigualdades e de discriminação. Essa constatação reclama uma análise conectada ao conjunto normativo de direitos humanos. No campo dos direitos econômicos, culturais e sociais no sistema universal de direitos humanos, há a elaborações de normativas. Por exemplo, a Observação Geral nº 20 do Comitê de Direitos Econômicos, Culturais e Sociais das Nações Unidas avançou sobre a não discriminação prevista no art. 2.2 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. No item 12, chegou-se à conclusão de que um padrão comportamental enraizado em contextos sociais pode implicar em discriminações de determinados grupos, cujas práticas geram desvantagens estruturais e/ou sistêmicas, as quais, mesmo neutras, possuem efeitos desproporcionais sobre grupos discriminados.5

Mudanças climáticas, negativa de direitos humanos, desigualdades e discriminações estão ligadas, sendo o direito antidiscriminatório disciplina jurídica capaz de propor medidas transformativas dessa situação. O uso de categorias jurídicas antidiscriminatórias conjugadas aos institutos da governança ambiental e do constitucionalismo climático, oferta diálogo capaz de soçobrar as dificuldades de uma realidade cada vez mais geradora de desequilíbrio ambiental e exclusão social.

Nesse quadro, estão inseridos os princípios da igualdade e da não-discriminação. A percepção de populações socialmente em estado de vulnerabilidade, sem o acesso igualitário a bens e serviços, alijados de condições dignas de humanidade, demonstra o quanto a defesa ao meio ambiente precisa se dar em conjunto com as ferramentas e categorias antidiscriminatórias.

Esse entendimento demonstra que as bases da litigância também seguem um novo caminho. A chamada litigância climática, de forma estratégica, é concebida como um tipo de demanda judicial e procedimentos de natureza jurídica que põe em discussão as mudanças climáticas na busca de políticas, práticas e consolidação jurisprudencial atendendo a direitos dos vulneráveis6. A base de sua fundamentação é a violação de direitos humanos relacionados aos efeitos deletérios das mudanças climáticas, incluindo a negativa de deferência à equidade intergeracional com base nas normas constitucionais7 dos ordenamentos jurídicos de cada localidade envolvida.

Tudo isso vem refletindo nos tribunais pelo mundo através das litigâncias climáticas8 baseadas em direitos humanos. Portanto, a demonstração sobre as consequências das mudanças climáticas a atingir direitos humanos fundamentais também passa pela análise conjugada com as práticas discriminatórias sistemáticas as quais mantém as vulnerabilidades sociais experimentadas. O uso dessas ferramentas e categorias tem potencialidades discursivas no seio das demandas climáticas e isso só vem a avançar no combate das causas e efeitos das mudanças climáticas na atualidade.

Como se pode inferir, o tema é complexo entre uma diversidade de experiências, o que requer o mapeamento dos danos ambientais decorrentes das mudanças climática, imposição de medidas responsabilizadoras e uma agenda propositivo-transformativa dessa realidade. Assim, vulnerabilidades, desigualdades e institutos do direito antidiscriminatório, como a discriminação estrutural, são fatores que permitem uma ampliação nas lentes investigativas por soluções sobre as mudanças climáticas e a pavimentação de um caminho produtivo para a implementação dos compromissos assumidos na COP 26.

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1 https://brasil.un.org/pt-br/158590-cop26-e-encerrada-e-texto-final-dita-os-compromissos-dos-proximos-30-anos

2 CARVALHO, Délton Winter de. "O Direito Ambiental na Era das Mudanças Climáticas." Desastres e sua regulação jurídica. 2a ed. São Paulo: RT, 2020.

3 MAY, James R; DALY, Erin. Global Climate Constitutionalism and Justice in the Courts. In:  In: Jordi Jaria-Manzano; Susana Borràs. Research Handbook on Global Climate Constitutionalism.  Edward Elgar, 2019.

4 INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE - IPCC. Climate Change 2020. Disponível em: [ https://antigo.mctic.gov.br/mctic/export/sites/institucional/ciencia/SEPED/clima/arquivos/IPCC/SRCL.Port-WEB.pdf].

5 ONU. Observação Geral nº 20 do Comitê de Direitos Econômicos, Culturais e Sociais das Nações Unidas. Disponível em https://www.right-to-education.org/sites/right-to-education.or.g/files/resource-attachments/General%20Comment%2020_2009_ESP.pdf.

6 MAY, James R; DALY, Erin. Global Climate Constitutionalism and Justice in the Courts. In:  In: Jordi Jaria-Manzano; Susana Borràs. Research Handbook on Global Climate Constitutionalism.  Edward Elgar, 2019.

7 CARVALHO, Délton Winter de. "Litigância Climática como Governança Ambiental." Revista de Direito Ambiental. v. 96, ano 24, out-dez, 2019; CARVALHO, Délton Winter de; ROSA, Rafaela Santos Martins da. "O Legado de 'Juliana v. USA' para o futuro da litigância climática no Brasil. Revista de Direito Ambiental. v. 96, ano 24, out-dez, 2019

8 Alguns exemplos são os casos Leghari v Pakistan, Urgenda v State of Netherlands, Inuit v USA, Juliana v USA, todas ações judiciais emblemáticas e que são indicativos a essa nova era na chamada litigância climática.

Rodrigo da Silva Vernes-Pinto

Rodrigo da Silva Vernes-Pinto

Advogado, Doutorando em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS, Bolsista PROEX-CAPES, Mestre em Direitos Humanos pelo Centro Universitário Ritter dos Reis - UNIRITTER, Pós-Graduado em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Advogado do Escritório Tidra e Silva Advogados.

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