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"Alunx", "elu", "amigues". Não! O Advogado deve usar a norma culta

Era impressionante, sempre que voltávamos ao Brasil verificávamos algum modismo novo, recém descoberto.

sexta-feira, 26 de novembro de 2021

Atualizado às 08:39

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Tudo é opressão neste Brasil pós-pós-moderno. Poderíamos dizer que é um fenômeno mundial, mas os brasileiros exageram. Qualquer coisa ofende, magoa, machuca.

Lembramos que entre os anos de 2016 e 2018 fizemos os créditos do Mestrado e Doutorado, em jornadas de quarenta dias em Portugal. Naquela época ficávamos uma média de 25 a 40 dias, por semestre, internados na universidade fazendo nossas pesquisas.

Era impressionante, sempre que voltávamos ao Brasil verificávamos algum modismo novo, recém descoberto. Apropriação cultural (essa saiu de moda, por enquanto), Juízes mandando suspender o whatsapp em território nacional, e outras tantos que sequer lembramos.

O Brasil não é para os fracos do coração!

Pois bem, qual a bobagem da vez?

Sim, vocês estão vendo isso na mídia. Trata-se da histeria dos pronomes neutros!

Parece que um dos vilões, um dos causadores do machismo-institucional-estrutural (seja lá o que isso signifique) seriam os pronomes da língua portuguesa, principalmente aqueles terminados em o, que seriam, necessariamente, masculinos...

(Nelson Rodrigues, sabiamente, dizia que a inteligência tinha limites; já a burrice não, a estupidez é uma espécie de força da natureza.)

Será que é necessário que expliquemos que o "gênero" de uma dada palavra nos é definido pelo artigo que a precede. Assim, "O Telefonema", apesar de terminar com a letra a, é masculino; com o telegrama também acontece o mesmo (não obstante ninguém mais envie telegramas). O grama, como unidade de peso, é masculino e termina com a. A grama, como vegetação rasteira, é feminino e termina com a.

Os carros em geral são masculinos. Dizemos que compramos "o Corolla", "o Diplomata", "o Passat". Todavia, acontece que carros que nos despertam fortes emoções, normalmente são tratados no feminino. Dizemos "uma Mercedes-Benz", "uma BMW", "uma Ferrari", uma "Lambo" (que termina com o e é o carinhoso apelido dado às Lamborghinis).

Na verdade essas tentativas de se obrigar alguém a usar uma determinada linguagem, além de irritante é inócua. Idiomas são alterados não por imposição, mas por uma espécie de Seleção Natural Darwiniana. Aliás, a Seleção Natural, muito mais que uma teoria aplicada apenas à biologia é, na realidade, um padrão matemático.

Richard Dawkins1 apontava que as ideias, os memes, seguem uma espécie de Seleção Natural. Por isso que "Memes" particularmente engraçados, como o do gatinho em frente ao prato de salada, são várias vezes compartilhados e perpetuam-se na Internet. Ainda que o conceito de "eterno" na internet seja "alguns meses".

Ah, já que estamos falando de vernáculo, perpetuar-se eternamente (como quase escrevi) é um pleonasmo, ok; da mesma forma que o é dizer "há dez anos atrás". Sim, amigos, Raul Seixas também cometia seus pleonasmos.

Voltamos ao ponto. Idiomas não são alterados por Decreto. Idiomas adaptam-se em razão de uma série de fatores, dentre os quais podemos destacar a influência de nações mais ricas próximas (e é inegável que o espanhol falado na Argentina adapta-se ao português falado no Brasil, da mesma forma que o português falado em Portugal emula, por vezes, o espanhol falado na Espanha).

Aliás, se você viajar de Lisboa à Paris, com escalas em Madri e Barcelona poderá perceber que a cada saída do trem, a palavra saída irá alterar-se um pouquinho (tal como as espécies animais). Então, você sairá por uma "saída" em Lisboa. Já em Madri, você terá que procurar a "salida". Chegando em Barcelona, apesar de estar na Espanha, que fala catalão, recomendo que procure a sortida para, ao aportar na França daí sim você deverá procurar a placa "sortie".

Olha só a ordem: "saída-salida-sortida-sortie". Parece uma poesia concreta, correto?! Obviamente que isso não aconteceu por ordem de algum burocrata, mas sim por um processo natural de evolução da palavra ao longo dos territórios.

Aliás, uma das últimas tentativas de criação artificial de um idioma resultou num enorme fracasso chamado "esperanto". A ideia era que as pessoas de qualquer lugar do planeta pudessem se comunicar com esse idioma neutro. Bem, o Esperanto nunca vingou; enquanto isso cada vez mais pessoas no planeta tornam-se fluentes em inglês.

Seleção natural,  amigos. Simples assim. Se nem a lei consegue impor (ou extinguir, e Franco tentou fazer isso com o catalão) um idioma, não será um bando de desocupados em redes sociais que o fará.

O problema, ao nosso ver, não são os desocupados, tampouco os ignorantes que nos querem impor esse tipo de mudança. Na verdade eles até são engraçados.

O problema existe quando vemos membros da Comunidade Jurídica propondo tal disparate. Cada vez mais vemos cientistas do Direito usando os tais termos neutros como alunx, como meio de romper com algum tipo de preconceito.

Meu D'us!

Será que essas pessoas não sabem que o português, melhor dizendo, o vernáculo é a ferramenta de trabalho do Advogado, do operador do Direito.

Sim, vernáculo é um termo que designa a forma culta, castiça, pura do idioma. E, aqui, há que se falar que sutilmente a Comissão de Juristas responsável pelo Código de Processo Civil de 2015  fez essa microdesconstrução na norma. O artigo 156 do CPC/73 (obra de Buzaid, discípulo de Liebmann) falava que a comunicação processual deveria ser feita em vernáculo, termo este substituído por "língua portuguesa" no CPC/15.

(Não, não é impressão sua, isso é gramscismo acadêmico do mais rasteiro.)

Ficamos com o vernáculo, em detrimento da língua portuguesa. É o uso do vernáculo (e ainda que a norma esteja revogada, ela é aceita e seguida pela - oxalá continue assim - Comunidade Jurídica) que nos impede de escrever numa petição: "Aé Juiz, a parada é a seguinte". Ao invés disso escrevemos: "Breve Síntese dos Fatos". Ao invés de você colocar, "vou te dar a letra" para explicar por que seu cliente pede o que pede, você usa: "Do Direito". Isso é uso da norma culta.

E, com efeito, não há outra forma de aplicar-se o Direito que não seja através da norma culta. Nossa ferramenta de trabalho é a palavra. A partir do momento que o produto do nosso "saber científico" pode determinar o rumo da vida das pessoas (perda de patrimônio, perda da liberdade, falência de empresas, dentre outras), necessário se faz que a ferramenta a ser empregada seja a mais acurada possível.

Gírias, Justiça Social, "elx", ou quaisquer truanices análogas, que sejam guardadas para o ambiente adequado que são as mesas de boteco, ou reuniões de sindicatos. No ambiente "jurídico-científico", tanto dentro dos Tribunais, quanto na Academia, devemos primar; mais que isso, lutar - sempre - pelo uso da Norma Culta.

Enfim, usemos o vernáculo!

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1- In, O Gene Egoísta.

Paulo Antonio Papini

VIP Paulo Antonio Papini

Advogado em São Paulo. Mestre e Doutorando pela Universidade Autónoma de Lisboa. Pós-graduado em Processo Civil. Especialista em Direito Imobiliário. Professor na ESA/UNIARARAS e ESD-Campinas.

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