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Da abusividade praticada por seguradoras ao negarem o pagamento de indenização securitária sob a alegação de exclusão de risco por pandemia

Uma breve análise sobre as negativas de pagamento das indenizações securitárias realizadas por Seguradoras sob o fundamento de "exclusão de risco por Pandemia", de que modo tal negativa pode ser considerada abusiva, bem como da forma que a jurisprudência pátria tem se posicionado sobre essa questão tão sensível.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Atualizado às 09:51

 (Imagem: Divulgação/Migalhas)

Da abusividade praticada por seguradoras ao negarem o pagamento de indenização securitária sob a alegação de exclusão de risco por pandemia.(Imagem: Divulgação/Migalhas)

Resumo

O presente artigo se propõe a discutir um tema que se mostrou demasiadamente pertinente e recorrente no contexto da pandemia ocasionada pela Covid-19, que são as reiteradas negativas realizadas por seguradoras, que se pautam em exclusões de risco genéricas, tais como pandemia, (na maioria das vezes contidas apenas nas Condições Gerais do Seguro), para fundamentar o indeferimento do pagamento de indenizações securitárias, o que se reveste de flagrante abusividade, não só por colocar o consumidor/contratante em posição de extrema desvantagem, mas também por, na maioria das vezes, esvaziar por completo o objeto contratual.

Introdução

É notório que a pandemia ocasionada pela Covid-19 impactou de diversas formas a vida de absolutamente toda a população, sendo um dos efeitos mais nocivos a morte de milhões de cidadãos no Brasil e no mundo, sem falar no aumento da pobreza, desemprego e fechamento de milhares de empresas.

Além de tudo o que foi narrado, viu-se com intensidade um forte impacto nas relações contratuais, que muitas vezes se tornaram desequilibradas por fatores imprevisíveis, tal como uma pandemia, que acabaram por gerar onerosidade excessiva para uma das partes.

Contudo, em meio a situações realmente legítimas, que demandaram uma flexibilização contratual e repactuação de suas cláusulas, criou-se um terreno "fértil" para diversas abusividades perpetradas por empresas, principalmente em relações consumeristas, em que o contratante naturalmente se encontra em posição de hipossuficiência.

Desde o início da pandemia, diversos foram os relatos de seguradoras negando o pagamento do capital segurado sob a alegação de que pandemia é fundamento constante na exclusão de risco, muitas vezes existente apenas nas condições gerais do seguro.

Recentemente nos deparamos com duas hipóteses de negativas, perpetradas por seguradoras diversas, sendo uma referente ao pagamento de seguro de renda, e outra referente a seguro por invalidez definitiva, sendo que em ambas as situações o segurado contraiu covid-19, embora não tenha sido o fator determinante de sua invalidez.

De todo modo, as negativas se deram pelo mesmo fundamento: "o motivo da ocorrência do sinistro, qual seja pandemia, está enquadrado nos Riscos Excluídos constantes nas Condições Especiais da Apólice".

Evidentemente que a irresignação diante de uma situação flagrantemente abusiva como a narrada não poderia ser maior, o que motivou a judicialização das questões, mas aqui cabe maior aprofundamento, de que modo tal negativa pode ser considerada abusiva? E de que forma a jurisprudência tem se posicionado sobre essa questão tão sensível?

Pois bem, primeiro que a maior parte das negativas perpetradas por Seguradoras no contexto narrado, se fundam em "exclusão de risco constante em Condições Especiais ou Condições Gerais, que muitas vezes o Segurado, ao realizar a contratação do seguro, sequer possui ciência inequívoca, ou mesmo acesso a tal documento.

Já nesse ponto tem-se clara afronta ao dever de informação limitativa do contrato, sendo um dos pontos centrais do contrato de seguro.

Não se pode desconsiderar ainda, a enorme desvantagem criada por tais empresas, que negam o pagamento de indenizações, sem sequer delimitar a extensão (termos quantitativos ou temporais da exclusão), eventos abrangidos, ou riscos especificamente excluídos.

Ora, em se tratando de um contrato de seguro, é essencial que todas as exclusões de riscos, ex: doenças especificas que eventualmente possam ocasionar a negativa da cobertura, devem estar claras e destacadas na apólice fornecida e assinada pelo consumidor, para o contratante ter a opção de contratar ou não.

Até porque, ao contratar um seguro de vida, de incapacidade definitiva, ou mesmo para pagamento de renda por incapacidade temporária, e adimplir elevados valores mensais para tanto, o consumidor legitimamente espera poder contar com tal suporte em momento de necessidade.

Assim, a utilização genérica de toda e qualquer cláusula constante nas Condições Gerais do Contrato (que servem para todo e qualquer tipo de seguro fornecido pela seguradora), de modo a negar, no caso em concreto, o pagamento de contratada, acaba por esvaziar o objeto do contrato.

Ao nosso ver, se a seguradora, sem colocar ao crivo do consumidor à época da contratação, se utilizar de cláusula genérica constante apenas nas condições gerais, como se fosse uma renúncia antecipada ao próprio objeto do contrato, pratica clara hipótese de nulidade, como bem predispõe o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor, In verbis:

Código Civil/02. Art. 424: Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio. (grifos nossos)

 CDC. Art. 51: São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(...)

§1º: resume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

(...)

 II:  restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;

Ora, o agravamento do risco decorrente do descontrole e da dimensão global da doença não pode ser imputado ao segurado, evidentemente, e a pandemia tampouco é a causa da morte, mas apenas sua ocasião.1

A multiplicação dos sinistros causados pela covid-19, que levará as seguradoras à obrigação de indenizar em grande número de contratos, será compensada pela sua não ocorrência em outros contratos, o que é estimado por cálculos que permitem que a atividade securitária seja viável economicamente. De fato, o aumento no número de óbitos vem sendo compensado por uma notável redução nos riscos relativos a roubos, colisão de veículos e acidentes pessoais, que diminuíram consideravelmente em virtude da política de distanciamento social.2

Quanto à posição dos Tribunais Pátrios, em precedente muito recente o Tribunal de Justiça do Paraná reconheceu a abusividade de negativa de indenização por parte de seguradora, que se fundou em cláusula limitadora do risco em caso de pandemia.

Trata-se de um precedente extremamente importante, que privilegiou os princípios da boa-fé contratual (art. 422 e 765 do CC) e as disposições do Código de Defesa do Consumidor (arts. 6º, III, 30, 47, 51, I, §, 1º, 54, § 4).

Conclusão

Diante de tudo o que foi exposto, não resta dúvida de que tais negativas, abusivas ao nosso ver, serão amplamente discutidas pelo Poder Judiciário, que poderá determinar o pagamento do capital segurado ao contratante/consumidor, uma vez reconhecida a abusividade da negativa realizada pela seguradora, no mesmo sentido da acertada decisão do TJ/PR, que gerou o importante precedente mencionado.

Não se pode desconsiderar, contudo, que o prazo prescricional em pretensões do segurado em face de seguradora é de um ano, (art. 206, § 1.º, II, "b" do CC).

____________

1 Disponível aqui. Acesso em: 24/11/2021.

2 Disponível em:  Brenda Trajano. COVID-19 e seus reflexos no mercado segurador. Acesso em: 24/11/2021.

Hannah Kruger

Hannah Kruger

Advogada do escritório Da Luz, Rizk & Nemer Advogados Associados. Pós-graduanda em Direito Tributário. Com certificação em Lei Geral de Proteção de Dados pela FGV, Data Privacy Brasil e Insper, e em Compliance pelo Insper.

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