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Como resolver o problema da regulamentação do lobby?

A fronteiras entre licitude e ilicitude, a melhor estratégia de regulação e a possibilidade e/ou necessidade do estabelecimento de políticas públicas para regulação da atividade são questões levantadas, a fim de que se iluminem os caminhos para pensar em uma forma de regulamentação que atenda aos diversos interesses em jogo, sobretudo o interesse público.

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Atualizado às 12:15

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Introdução

1. A primeira providência que se deve tomar diante de um problema é identificá-lo com precisão. O diagnóstico da situação, com descrição das causas e consequências é um ótimo início para resolver problemas. Em relação ao lobby, percebe-se que o maior problema é justamente o estabelecimento de parâmetros para a regulamentação.

2. Importante frisar, que não se pode negar a existência do lobby, ele já acontece e não há qualquer indício de que deixará de acontecer. Até mesmo o Ministério do Trabalho já incluiu oficialmente o "profissional de relações institucionais e governamentais" (pseudônimo jurídico do lobista) no Cadastro Oficial de Ocupações (CBO). O negacionismo, como sempre, somente irá atrasar o processo.

3. Convém, portanto, estabelecer quais são as fronteiras entre licitude e ilicitude do lobby; qual a melhor estratégia de regulação; se é preciso, ou pelo menos possível, o estabelecimento de uma política pública que o regule; quais são as consequências que merecem consideração; e, por fim, se a regulamentação do lobby trará mais transparência para as negociações entre o Estado e os diversos grupos de interesse.

Quais são as fronteiras entre licitude e ilicitude do lobby?

4. Os limites entre certo e errado sempre são mencionados quando a discussão envolve Direito e Moral. Não raras vezes, existe uma zona cinzenta espessa que maximiza as divergências, talvez por isso, a discussão sobre a regulamentação do lobby se arraste por décadas no Congresso Nacional.

5. É fato, que a regulamentação do lobby precisa ser discutida, contudo, deve-se deixar claro que regulamentar não é o mesmo que regular. Enquanto a regulamentação se refere às normas para exercício da atividade lobista, a regulação, que é muito mais abrangente, se refere a "um conjunto de medidas de cunho normativo e administrativo que reconfigura conjunturalmente determinado sistema regulado, inclusive medidas regulamentares" (Aranha, 2019).

6. O lobby não deve ser simplesmente regulamentado, a regulamentação deve vir acompanhada de uma série de medidas de regulação, para a construção de um sistema integrado, não apenas para imposição de regras, mas também medidas de comando e controle por meio de órgãos de fiscalização e monitoramento contínuo.

7. Portanto, não se trata apenas de definir regras, mas sim de harmonizar o lobby com os princípios balizadores do sistema político proposto pela Constituição Federal, de modo que o lobby atenda aos postulados da boa-fé, transparência, honestidade, ética e até mesmo aos valores sociais. Além do que é lícito ou ilícito, o lobby também transita pelo que é moral e ético, o que demanda que a sua regulamentação esteja conectada com a essência do sistema.

Qual a melhor estratégia de regulação do lobby?

8. É perceptível que a autorregularão do lobby não traz resultados positivos para país, até por isso, a expressão "lobista" é tão estigmatizada e alvo de campanhas difamatórias na mídia. Em verdade, o histórico é que as motivações quase sempre desconsideram o interesse público em atendimento a desideratos inescrupulosos.

9. Se a estratégia regulatória da autorregulação não funcionou, como consentir que senadores e deputados estabeleçam uma proposta regulatória válida, principalmente diante do déficit de legitimidade do parlamento? Ora, trata-se de políticos regulamentando a atividade de políticos. Isso não é tão diferente da ideia de autorregulação.

10. É necessário trazer a população para o processo de construção da regulamentação do lobby. Não apenas com as tradicionais e às vezes ilustrativas  audiência públicas, mas, quem sabe, o caminho mais efetivo para legitimar o lobby seja um plebiscito ou referendo, por exemplo.

11. Lembrando que a participação popular pode contribuir tanto para a criação da regulamentação como para um controle e monitoramento mais efetivos. Sem controle da atividade política, a regulamentação do lobby será inócua e as práticas indesejadas continuarão a acontecer nas sombras.

12. É importante que a regulamentação do lobby não seja apenas uma regra destinada a legitimar a atuação de quem influencia o Ente Político, mas sim um sistema de inclusão para que mais pessoas possam participar ativamente da vida política e da ampla defesa dos mais diversos interesses.

É preciso e/ou possível uma política pública que regule o lobby?

13. Há que defenda a existência de uma regulamentação indireta já existente, com suporte legal e constitucional baseado na ideia de liberdade de expressão, cidadania, livre iniciativa e pluralismo político (Fernandes, 2020).

14. Se está indiretamente regulamentado, está mal regulamentado. Esse tipo de atividade precisa de clareza nas regras e transparência na execução. Sendo transformado em política pública, o lobby tende a contribuir para a diminuição da chamada "atuação nas sombras" e isso, por si só, já representará um avanço significativo.

15. Cumpre ressaltar, todavia, que as políticas públicas devem ser baseadas em evidências e a escolha da modalidade regulatória a ser aplicada ao lobby deve considerar as diversas variáveis, de modo que seja possível avaliar a sua execução com indicadores de efetividade e com a devida mensuração dos ganhos para a coletividade.  

Quais são as consequências que merecem consideração?

16. Sem sombra de dúvidas o lobby pode ser utilizado para o bem ou para o mal. Quando contribui para o mal, geralmente está relacionado com algum caso de tráfico de influência ou corrupção de agentes públicos. No ano de 2020, o então Procurador Geral da República Augusto Aras, defendeu a regulamentação do lobby, justamente no dia Mundial de Combate à corrupção (Melo, 2020).

17. Portanto, a regulamentação do lobby deve ser um instrumento para conter a corrupção e não para viabilizá-la pelos trilhos da legalidade, essa é justamente a consequência que o país não deseja. Seria uma espécie de tiro que saiu pela culatra.

18. Por essa razão é que se defende que o lobby tem que ser democrático e não pode estar acessível apenas aos grandes grupos econômicos. Democratizar o lobby é garantir que a regulamentação não será apenas mais uma lei destinada a ampliação de privilégios dos historicamente privilegiados.

A regulamentação do lobby traria mais transparência?

19. O Brasil tem avançado em transparência, a Lei de Acesso à Informação (lei 12.527/11) é um exemplo disso, o lobby precisa ter esse viés. A regulamentação do lobby pode tornar as tratativas entre autoridades e profissionais de relações institucionais e governamentais (lobistas) oficiais, documentadas e auditáveis pelos órgãos de controle e pela sociedade.

20. Atualmente, nos deparamos com o controverso orçamento secreto, que sacudiu a relação já conturbada entre os três Poderes. A ocorrência deixa claro que a transparência não é um dogma defendido por todos, por isso a desejada regulamentação do lobby pode trazer consigo um belíssimo Cavalo de Troia que ao invés de alumiar, recrudesça o obscurantismo das negociatas do poder.

21. Transparência e controle, processo célere e punição exemplar para conter os excessos na atuação dos lobistas, parlamentares e autoridade é a receita certa para que o problema da regulamentação do lobby seja resolvido. Vale advertir que sem transparência a receita desandará e não matará fome de justiça alguma.

Conclusão

22. Por tudo isso, não se pode negar que o lobby existe e sempre existirá. Portanto, regulá-lo não é uma opção, mas sim uma necessidade. Quanto mais o parlamento demorar para normatizar a atividade, maior será o trabalho para regulá-la e pior serão as consequências da ausência de regulamentação.

23. O processo de regulamentação do lobby deve ser acompanhado do conjunto de medidas de comando e controle, incentivos, políticas públicas e fiscalização caracterizadores de uma verdadeira estrutura regulatória que possibilite o acompanhamento de indicadores a fim de que seja possível avaliar se a regulamentação foi positiva para o sistema político.

24. Seja qual for a estratégia regulatória utilizada, a participação social é imprescindível, tanto na fase de elaboração como na fiscalização dos agentes envolvidos, de modo que o lobby seja de fato um instrumento de fortalecimento da democracia e não uma mera operação de legitimação da corrupção.

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ARANHA, M. I. As formas de autorregulação. JOTA, 2019. Disponível aqui. Acesso em: 11 dez. 2021.

FERNANDES, José Pedro Vaz. O PL n°. 1.202/2007 e a regulação do lobby no Brasil: a consolidação de um contexto normativo já vigente. Disponível aqui. Acesso em: 11 dez. 2021.

JOBIM, Nelson; SOUZA, Luciano Inácio de. Lobby precisa ser regulamentado e tirado das sombras defendem autores. Folha de São Paulo. Disponível aqui. Acesso em: 11 dez. 2021.

MELO, Karine. Aras defende regulamentação do lobby em lei específica. 2020. Agência Brasil. Disponível aqui. Acesso em: 11 dez. 2021.

SANTOS, Luiz Alberto dos. Regulação do lobby no Brasil: o Projeto de Lei nº 1.202, de 2007: constitucionalidade e adequação aos fins pretendidos. Interesse Público - IP, Belo Horizonte, ano 14, n. 72, mar./abr. 2012. Disponível aqui. Acesso em: 11 dez. 2021.

Alisson Santos de Almeida

Alisson Santos de Almeida

Bacharel em direito, Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho e Mestrando em Direito, Regulação e Políticas Públicas pela Universidade Brasília - UnB. Ex-advogado do Município de Camaçari.

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