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A inconstitucionalidade da base de cálculo da taxa TLF com base no número de funcionários

A inconstitucionalidade da taxa TLF com base no número de funcionários trouxe alguns reflexos para as empresas, um deles foi o aumento expressivo que as empresas agora terão que pagar.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Atualizado em 9 de novembro de 2023 13:41

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

É dever do Estado exercer o poder de polícia administrativa e prestar determinados serviços à população. Contudo, não seria justo que toda a sociedade fosse obrigada a custear atividades pelas quais não foi beneficiada. Nessa perspectiva, conforme o custo individual do serviço que foi prestado ou da fiscalização realizada, as taxas, tributos com natureza contraprestacional, isto é, de índole retributiva, incidem somente para as pessoas que receberam de fato a prestação de um serviço realizado pela administração. Nesse sentido, à luz da Constituição Federal, tal tributo pode ser instituído por todos os entes federativos, tendo como fato gerador, segundo o Código Tributário Nacional, o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.

Cabe mencionar, que a previsão dada pelo art. 145 da CF/88, trata-se da cobrança de taxas pelos entes federados somente no âmbito de suas respectivas atribuições. É vedado, portanto, a cobrança de taxas pela prestação de serviços que são deveres do Estado e direito de todos, como saúde, segurança e educação. Súmula Vinculante 12: "a cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no art. 206, IV, da Constituição Federal". Aliás, quando nos referimos a pontos importantes no que concerne às taxas, é oportuno mencionar também às imunidades tributárias outorgadas pela previsão do art. 5°, inciso XXXIV, da CF/88, que prevê que é direito de todos, independentemente do pagamento de taxas, o direito de petição aos Poderes Públicos e a obtenção de certidões em repartições públicas.

Pois bem, a Taxa de Licença para Funcionamento (TLF) é uma taxa cobrada anualmente pela municipalidade, no intuito de que o ente público verifique se o estabelecimento está funcionando de forma regular. Assim, o fato gerador da Taxa de Licença para Funcionamento é o exercício do poder de polícia administrativa, ou seja, a fiscalização exercida pelo município sobre estabelecimentos comerciais, industriais e prestadores de serviços, assim como seu funcionamento em observância à legislação, mediante a realização de diligências, exames, vistorias ou outros atos administrativos, vinculados às atividades econômicas.

O cálculo da TLF é feito de acordo com a Lei Municipal de cada município que dispõe sobre os tributos cobrados em sua competência, não podendo, em regra, ser uma base de cálculo similar com a de impostos como, por exemplo, com base no valor venal do estabelecimento, área do piso do estabelecimento ou valor locativo do imóvel. Contudo, a Súmula Vinculante 29, do STF, salienta uma exceção à regra, de forma que, "é constitucional a adoção, no cálculo do valor de taxa, de um ou mais elementos da base de cálculo própria de determinado imposto, desde que não haja integral identidade entre uma base e outra."

Por sua vez, a base de cálculo da TLF deve ser de forma que reflita o custo real que a administração teve ao prestar o serviço ao contribuinte, em outras palavras, deve haver uma "equivalência razoável entre o custo real dos serviços e o montante a que pode ser compelido o contribuinte a pagar (RE 416.601/DF, Tribunal Pleno, DJ de 30/9/05)." Não obstante, "ainda que não se revele possível apurar com precisão matemática a parte que caiba a cada um dos contribuintes, exige-se que o valor da taxa guarde correlação razoável com a prestação que lhe é subjacente, sob pena de, excedendo consideravelmente tal parâmetro e assumindo função arrecadatória própria dos impostos, ensejar o enriquecimento ilícito do Estado e ofender o princípio do não confisco (art. 150, IV, do CR)" (TJMG - Apelação Cível 1.0461.15.007103-7/001, Relator(a): Des.(a) Bitencourt Marcondes, 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 19/06/2018, publicação da súmula em 29/06/2018).

Nessa esteira, em 2017, no RE 554.951/SP de relatoria do ministro Dias Toffoli, o STF entendeu que a TFE - Taxa de Fiscalização de Estabelecimentos do Município de São Paulo, instituída pela lei 13.477/02, não podia ter como base de cálculo o número de empregados ou o ramo de atividade exercida pelo contribuinte. O mesmo posicionamento já havia sido adotado em 2013, no RE 727.579 AgR/SP de relatoria da Ministra Rosa Weber, inclusive tal posicionamento não é recente e já vem sendo tomado pelo STF desde o RE 88.327/SP, de 1979, cujo relator foi o ministro Décio Miranda. No RE 100.201/SP, de 1985, segundo o ministro Carlos Madeira: "a taxa de licença não pode, assim ter como base de cálculo o valor do patrimônio, a renda, o volume da produção ou o número de empregados, que dizem respeito a condições econômicas do contribuinte e não ao custo do exercício do poder de polícia."

Portanto, é de se presumir que alguns municípios brasileiros já vêm tomando medidas para estabelecer uma nova base de cálculo da taxa TLF, no intuito de entrarem em conformidade com o posicionamento adotado pelo STF. Em regra, a decisão estaria totalmente correta, tendo em vista que seria inadmissível que um ente público use como base de cálculo para um tributo uma base que é considerada inconstitucional. Todavia, com a alteração trazida pelo entendimento jurisprudencial, o que as empresas vêm enfrentando é uma explícita discrepância entre os valores que estas antes pagavam e agora terão que pagar, valores esses que em alguns casos chegam a um aumento de mais de 1.000%.

A título de exemplo, no julgamento da ação anulatória, autos 0013603-92.2018.8.13.0319, a 5° câmara cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, declarou a constitucionalidade da lei 3.240/17 da taxa TLF, do Município de Itabirito. A nova Lei passou a adotar como parâmetro de cálculo a área edificada do estabelecimento industrial, acarretando, assim, em um aumento de 1.026% no valor cobrado. A empresa que sempre pagou o tributo no valor de R$ 3.340,48, ao passo que, no ano de 2018, por ter área edificada superior a 17.000 m², lhe foi exigido o pagamento da taxa no importe de R$ 34.306,56.

Por outro lado, em 2019, no julgamento da ADI 6211/AP, com relatoria do ministro Marco Aurélio, o STF reconheceu a inconstitucionalidade da Taxa TFRH - Taxa de Controle, Acompanhamento e Fiscalização das Atividades de Exploração e Aproveitamento de Recursos Hídricos, do Estado do Amapá. De acordo com o Tribunal, a natureza da taxa não era contraprestacional, de índole retributiva, mas, sim, confiscatória, violando o que dispõe o art. 150, inciso IV, da Constituição Federal.

No ano seguinte, em 2020, no julgamento da ADI 5374/PA, de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, o Tribunal implementou, em sede individual, medida cautelar para suspender a eficácia da Lei Municipal de nº 8.091/2017, do Estado do Pará, que tratava da instituição de taxa de fiscalização sobre exploração e aproveitamento de recursos hídricos. "É legítima a inserção do volume hídrico como elemento de quantificação da obrigação tributária. Razoável concluir que quanto maior o volume hídrico utilizado, maior pode ser o impacto social e ambiental do empreendimento; maior, portanto, também deve ser o grau de controle e fiscalização do Poder Público. No entanto, os valores de grandeza fixados pela lei estadual em conjunto com o critério do volume hídrico utilizado (1 m³ ou 1000 m³) fazem com que o tributo exceda desproporcionalmente o custo da atividade estatal de fiscalização, violando o princípio da capacidade contributiva, na dimensão do custo/benefício - princípio da equivalência -, que deve ser aplicado às taxas (...)"

Posto isso, compete agora aos nossos Tribunais, como já vêm fazendo, identificar se esses aumentos expressivos realmente fazem jus a prestação do serviço realizado pelo ente público. Aparentemente, em alguns casos, se a majoração for de fato muito elevada, o caráter intrínseco da natureza da taxa como tributo já não está sendo mais respeitado, ferindo, assim, princípios constitucionais como da proporcionalidade e vedação ao confisco.

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PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário Completo. 11° edição. Saraiva Educação: São Paulo, 2020.

Constituição Federal da República, 1988. Disponível aqui. Acesso em: 10/12/2021.

Lei 5.172/66, Código Tributário Nacional. Disponível aqui. Acesso em: 10/12/2021.

Taxas. Prefeitura de Belo Horizonte, atualizado em 15/09/2021. Disponível aqui. Acesso em: 10/12/2021.

ORIENTAÇÃO FISCAL - TAXAS MUNICIPAIS. Prefeitura de São Carlos. Disponível (aqui. Acesso em: 10/12/2021.

SOUZA, Leonardo. A TAXA DE LOCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO NA VISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Revista de Direito Internacional Econômico e Tributário RDIET. Brasília, 2014. Disponível aqui. Acesso em: 10/12/2021.

CAMPANER, Cecília T. Algumas empresas estão sofrendo com o aumento da Taxa de Licenciamento de Funcionamento (TLF) neste ano de 2019. Publicado em 06/09/2019. Disponível aqui. Acesso em: 10/12/2021.

Jéssica Pereira

Jéssica Pereira

Acadêmica de Direito no Centro Universitário de Belo Horizonte - UNIBH.

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