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A limitação da liberdade de expressão não é fake news

A "Lei das fake news" também se constitui como um verdadeiro remédio para tratar da pandemia de desinformação na área da saúde.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Atualizado às 08:59

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Introdução

Propor uma reflexão sobre a adequação das medidas para a resolver o problema das fake news é uma tarefa extremamente difícil, sobretudo, pelos seguintes questionamentos: A liberdade de expressão pode ser regulada? Quais são os limites da liberdade de expressão? O PL 2630/20, da forma como está, favorece ideais políticos e ideológicos ou protege o cidadão contra a desinformação?

De todas sorte, vamos aproveitar para dizer o que tem que ser dito, enquanto a liberdade de manifestação do pensamento não é regulada, pois não se sabe o que realmente o porvir nos entregará.

Necessidade de regulação

Aparentemente, um ponto alto do "PL das fake news" é a grande participação popular, tendo em vista o grande número de audiências públicas realizadas (16). Até mesmo na consulta pública proposta no site do Senado Federal, houve grande participação popular, com manifestações de 778.023 pessoas. Curiosamente, 353.204 (45%) votaram "sim" para a proposta e 424.819 (55%) votaram "não". Portanto, mesmo com tantas audiências públicas, aparentemente o texto não agradou tanto assim.

É importante frisar que em 2022 teremos eleição em todo o país, para os mais diversos cargos, inclusive para Presidência da República e, como sabemos, a maior parte das campanhas acontece mesmo no meio virtual, sendo imprescindível a confecção de uma legislação para frear a disseminação de notícias falsas sobre os candidatos que participam da disputa.

A "Lei das fake news" também se constitui como um verdadeiro remédio para tratar da pandemia de desinformação na área da saúde. Corona Vírus e fake news foi a verdadeira parceria do caos. Consciência e informação já seriam meio caminho andado para conter o contágio e a vacina faria o resto. Entretanto, com tantas informações falsas sobre a doença e sua prevenção, nem mesmo a vacina deu conta de impedir o genocídio mundial potencializado pelas fake news.

Portanto, o PL é de fato necessário e tem grande utilidade pública. A questão que tem incomodado a muitos é a sua abrangência quanto à possiblidade de violar o direito fundamental de liberdade de expressão enunciado no artigo 5º, inciso IX, da Constituição Federal de 1988 (CF/88).

Limites da liberdade de expressão

A liberdade é constitucionalmente inviolável sendo "livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença." Convém salientar, que esse direito não é absoluto e encontra limites, cuja violação é passível de responsabilização na esfera cível e criminal.

O excesso no exercício desnatura o próprio direito. O conteúdo jurídico da liberdade de manifestação do pensamento não abrange, por exemplo, o anonimato, sendo assim, verifica-se que a própria CF/88 impôs limitações e isso deixa claro que o direito não é absoluto. 

A técnica da ponderação desenvolvida por Robert Alexy prova que a sobreposição eventual de determinado princípio fundamental por outro não o invalida (Alexy, 2012). Essa alternatividade faz parte da harmonia do sistema de direitos e garantias de qualquer sociedade plural e democrática.

Por tudo isso, pode-se afirmar que o fato do direito de liberdade de expressão ser fundamental e constitucional não impossibilita a criação de mecanismos de regulação para fomentação do seu bom exercício. A problemática gira em torno da qualidade desta regulação, principalmente por a CF/88 declarar que o referido direito é de livre exercício, independentemente de censura ou licença.

A qualidade do PL 2630/20

A regulação de qualquer atividade precisa considerar premissas técnicas. Quando tratamos de atividades econômicas como telecomunicações e aviação civil isso fica mais fácil, mas quando abordamos a liberdade de expressão a questão se torna mais polêmica, principalmente por conta do viés ideológico que a regulamentação pode ter.

O projeto é bem abrangente, pois tutelará as atividades desenvolvidas em redes sociais como Facebook, Instagram, ferramentas de busca como Google e Yahoo e até serviços de mensageria como WhatsApp e Telegram, mas peca quando deixa de fora o conteúdo jornalístico, ainda mais, porque a atividade jornalística não depende de qualquer formação. Isso pode possibilitar que "falsos jornalistas" se aproveitem da desregulamentação da atividade para passar incólumes pelas garras da futura "Lei das fake news".

Construído pelas mão de diversos parlamentares, o projeto tem mais de 70 apensos e com certeza não está perfeito, mas é a proposta possível na tentativa de conter a tempestade de desinformação neste período de pandemia e principalmente durante as eleições que se avizinham.

Ademais, a prática parlamentar brasileira deixa claro que nenhuma lei é imutável, de modo que a pretensa  "Lei das fake news" certamente poderá ser aprimorada com o passar do tempo. Estejamos certos de que se o Congresso nacional não fizer isso, o Supremo Tribunal Federal o fará.

Conclusão

Em verdade, o tema é bastante complexo e o que temos a oferecer é uma mera reflexão sobre a necessidade de regulação de informações na internet, os limites da liberdade de expressão e das questões que giram em torno da qualidade do  Projeto de Lei 2630/2020.

  1. O projeto é necessário para conter a desinformação e o desserviço que as fake news têm representado para o processo eleitoral, questões de saúde pública e para o exercício regular da liberdade de manifestação do pensamento.
  2. Por mais importante e fundamental que seja o direito de liberdade de expressão, inclusive para garantir a dignidade da pessoa humana, que somente se perfaz com o pleno exercício dos direitos básicos, deve-se ter em mente que o excesso no exercício desnatura o direito.
  3. A despeito das críticas quanto ao eventual viés ideológico ou político do PL 2630/20, deve-se considerar que este é o projeto possível. Minimamente, o PL passou por audiências públicas e preenche pressupostos básicos de legitimidade. Ademais, mesmo já aprovado pelo Senado Federal, não dá para ter certeza da redação final, pois na Câmara de Deputados ainda poderá haver mudanças substanciais para aprimorar o texto.

Em suma, o "PL das fake news" é um mal necessário que inevitavelmente irá cercear o direito de liberdade de expressão em alguma medida e isso não é inconstitucional, pois os direitos fundamentais podem sobrepor ou ser sobrepostos por outros direitos fundamentais, na medida mínima necessária para manter a harmonia do sistema.

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ALEXY, Robert. Ponderação, revisão constitucional e representação. Interesse Público - IP, Belo Horizonte, ano 14, n. 71, jan./fev. 2012. Disponível aqui. Acesso em: 14 dez 2021.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998. Disponível aqui. Acesso em: 15 dez 2021.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Relator do "PL das fake news" apresenta relatório final ampliando alcance do texto do Senado. Agência Câmara de Notícias. Disponível aqui. Acesso em: 15 dez 2021.

SENADO FEDERAL. Projeto de Lei n° 2630, de 2020 (Lei das fake news). 2020 Disponível aqui. Acesso em: 15 dez 2021.

Alisson Santos de Almeida

Alisson Santos de Almeida

Bacharel em direito, Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho e Mestrando em Direito, Regulação e Políticas Públicas pela Universidade Brasília - UnB. Ex-advogado do Município de Camaçari.

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