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Sobre a PEC 35/15 e o avanço constitucional a uma nova metodologia de provimento e permanência de ministros do STF

No decorrer de nossas histórias monárquica e republicana, o Brasil conheceu algumas poucas variações na metodologia de escolha dos ministros do STF.

terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Atualizado em 12 de janeiro de 2022 14:17

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Tramita perante o Senado Federal a PEC 35/2015, de autoria do Senador Lasier Martins (RS), que objetiva alterar a redação do artigo 101 da Constituição Federal de 1988, para modificar a forma de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal, assim como para instituir mandato fixo e improrrogável de dez anos de exercício do cargo aos novos ministros, aqueles escolhidos a partir da vigência da Emenda Constitucional.

De antemão, e pelas razões que doravante exporei, antecipo minha compreensão segundo a qual a PEC em apreço é de valiosa importância constitucional-republicana, pois visa corrigir distorções ligadas ao provimento e ao exercício temporal do cargo, distorções essas, a meu ver, histórica e indevidamente consagradas em nosso ordenamento jurídico brasileiro.

Vale destacar que a PEC 35/2015 se encontra, no momento da elaboração do presente texto, em tramite perante a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, tendo recebido relatório do senador Antonio Anastasia com voto por sua aprovação com alterações pontuais, via aprovação da emenda nº 5 e em atenção a um substitutivo de PEC apresentado. Reservar-me-ei à análise do texto apresentado pelo Senador Lasier, sem adentrar no texto da emenda substitutiva apresentada, pois, na essência, ambas delineiam nova (e melhor) forma republicana de investidura dos ministros do STF, com poucas alterações visualizadas.

É certo que, no decorrer de nossas histórias monárquica e republicana, o Brasil conheceu algumas poucas variações na metodologia de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Vale destacar que à época do Brasil-Império tais ministros ("juízes letrados") compunham o então conhecido Supremo Tribunal de Justiça, composto por juízes egressos das Relações por suas antiguidades (Constituição do Império de 1824, art. 163), e eram, digamos, vitalícios ("perpétuos"), sujeitos, não obstante, ao poder moderador-disciplinar exercido por nosso Imperador (artigo 101, VII, da Constituição do Império de 1824).

Devo mencionar, por dever de veracidade das informações aqui veiculadas, que a vitaliciedade dos magistrados, prevista neste exato limite semântico, fez-se e se faz presente nas constituições brasileiras republicanas: a de 1891 (artigo 6º, "i"); a de 1934 (artigo 64, "a"); a de 1937 (artigo 91, "a"); a de 1946 (artigo 95, I); a de 1967 (artigo 98); a de 1969 (artigo 113, I); e a de 1988 (artigo 95, I), sendo essa vitaliciedade estendida ao membros de tribunais superiores e aos do Supremos Tribunal Federal.

Importa frisar que o presente texto não confere espaços à abordagem sobre o predicamento da vitaliciedade dos magistrados em geral, à exceção (aqui) dos Ministros do STF, além da abordagem aos requisitos constitucionais propostos pela PEC 35/2015 para a investidura de ministros à Corte Suprema brasileira, com critérios propostos, em minha visão, mais democráticos e republicanos do que os adotadas hoje em dia.

Antes de adentrar à análise e emitir minha opinião a respeito do conteúdo da indigitada PEC 35/2015, apresento, abaixo, breves informações normativo-constitucionais sobre as metodologias históricas de indicação de juízes/ministros à Corte Suprema do Brasil, até a Constituição Federal de 1988, a saber:

Constituição Política do Império do Brazil de 1824: 

Art. 163. Na Capital do Imperio, além da Relação, que deve existir, assim como nas demais Provincias, haverá tambem um Tribunal com a denominação de - Supremo Tribunal de Justiça - composto de Juizes Letrados, tirados das Relações por suas antiguidades; e serão condecorados com o Titulo do Conselho. Na primeira organisação poderão ser empregados neste Tribunal os Ministros daquelles, que se houverem de abolir. 

Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891: 

Art. 48 - Compete privativamente ao Presidente da República: (...) 12º) nomear os membros do Supremo Tribunal Federal e os Ministros diplomáticos, sujeitando a nomeação à aprovação do Senado.  Na ausência do Congresso, designá-los-á em comissão até que o Senado se pronuncie; 

Art. 56 - O Supremo Tribunal Federal compor-se-á de quinze Juízes, nomeados na forma do art. 48, nº 12, dentre os cidadãos de notável saber e reputação, elegíveis para o Senado. 

Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934:

Art. 74 - Os Ministros da Corte Suprema serão nomeados pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, dentre brasileiros natos de notável saber jurídico e reputação ilibada alistados eleitores, não devendo ter, salvo os magistrados, menos de 35, nem mais de 65 anos de idade.  

Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937:

Art. 98 - Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, com aprovação do Conselho Federal, dentre brasileiros natos de notável saber jurídico e reputação ilibada, não devendo ter menos de trinta e cinco, nem mais de cinqüenta e oito anos de idade. 

Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946:

Art. 99 - Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, dentre brasileiros (art. 129, nº s I e II), maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada. 

Constituição da República Federativa do Brasil de 1967: 

Art. 113 - O Supremo Tribunal Federal, com sede na Capital da União e jurisdição em todo o território nacional, compõe-se de 11 (onze) Ministros. § 1º - Os Ministros serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, dentre brasileiros natos, maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada. (Redação dada pelo Ato Institucional nº 06/1969). 

Redação primitiva do artigo 113, §1º: Art. 113 - O Supremo Tribunal Federal, com sede, na Capital da União e jurisdição em todo o território nacional, compõe-se de dezesseis Ministros. § 1º - Os Ministros serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, dentre brasileiros, natos, maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada. 

Constituição da República Federativa do Brasil de 1969:

- Adotou a mesma redação do artigo 113, §1º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, que fora dada pelo Ato Institucional nº 06/1969. 

Constituição da República Federativa de 1988: 

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...) XIV - nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, os Governadores de Territórios, o Procurador-Geral da República, o presidente e os diretores do banco central e outros servidores, quando determinado em lei;

Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada. Parágrafo único. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.

Não há dúvidas sobre as vidas política e social serem evolutivas e, portanto, demandarem aperfeiçoamentos e adaptações normativas pertinentes. Episódios recentes reforçam a necessidade de nova modulação jurídica para o caso ora em análise. É que a atual estrutura adotada pelo Supremo Tribunal Federal, especialmente a partir da metodologia de indicação dos ministros constante da Constituição Federal de 1988, enseja a possibilidade de atuação política em escala excessiva, e demanda um natural aprofundamento sobre a imperiosidade de mudanças nos critérios de indicação dos candidatos ao cargo de ministro do STF, eis que se trata de tribunal de cúpula, com evidentes pressupostos políticos para a escolha de seus membros.

Assim sendo, compreendo que se o procedimento inicial é político, eis que participam dessa escolha e aprovação apenas o presidente da República e os membros do Senado Federal, todos esses escolhidos e investidos a partir dos direitos de cidadania popular (pelo voto popular, no caso), qual seria o motivo de não se conferir um tratamento condizente à investidura dos ministros da Corte Suprema do Brasil, com a imposição, por exemplo, de prazos determinados ao exercício do cargo e de maior procedimento democrático no processo de indicação dos profissionais potenciais a ocuparem uma cadeira de ministro?

No mínimo, em se tratando de órgãos de cúpula dos Poderes da União, o alinhamento temporal para exercício de todos os cargos seria uma medida de prudência e de prestígio ao princípio democrático. O STF não é, sabidamente, um tribunal eminentemente técnico, pois seu processo de indicação envolve aspectos políticos e, como tal, merece ter tratamento condizente. Defendo, portanto, um misto técnico e político para a indicação dos juízes supremos, com limitação de tempo de exercício das funções, com critérios de indicação mais complexos (com participação de órgãos de cúpula nesse processo, especialmente os de cunho jurídico) e plurais. E a PEC 35/2015, me parece, se aproxima grandiosamente de minha visão.

Nesse sentido, a PEC 35/2015 necessita ser enfrentada viabilizada, não se tratando, importa frisar, em PEC que ofenda direitos e garantias fundamentais, a forma republicana, e tampouco alguma limitação formal/material de vedação a alterações constitucionais, ou mesmo de limitação indevida ao princípio da separação dos poderes. É processo relevante ao estabelecimento de limites válidos à atuação, por vezes, excessiva de membro ou mesmo do próprio tribunal supremo, seja via excessivo ativismo, seja via ações políticas não comportadas pelo texto da Constituição.

O texto apresentado pelo ilustre senador Lasier Martins, nos pontos que aqui importam ser abordados, possui o seguinte conteúdo:

Texto proposto pelo Senador Lasier Martins (RS), via Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 35/2015: 

Art. 1º O art. 101 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: 

"Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada, que comprovem pelos menos quinze anos de atividade jurídica. 

§ 1º A escolha dos Ministros do Supremo Tribunal Federal será feita pelo Presidente da República, dentre os integrantes de lista tríplice elaborada, no prazo de até um mês a contar do surgimento da vaga, por m colegiado composto pelos seguintes membros: 

I - O Presidente do Supremo Tribunal Federal; 

II - O Presidente do Superior Tribunal de Justiça; 

III - O Presidente do Superior do Trabalho; 

IV - O Presidente do Superior Tribunal Militar; 

V - O Presidente do Tribunal de Contas da União; 

VI - O Procurador-Geral da República; 

VII - O Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. 

§ 2º O Presidente da República comunicará a escolha ao Presidente do Senador Federal, até um mês após receber a lista tríplice. 

§ 3º Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, para mandato de dez anos, vedada a recondução. 

§ 4º Os Ministros do Supremo Tribunal Federal são inelegíveis para qualquer cargo eletivo, até cinco anos após o término do mandato". 

Art. 2º Aos Ministros do Supremo Tribunal Federal em exercício na data da publicação desta Emenda é aplicável o regime jurídico vigente no momento da nomeação. [...]  

Vejamos o seguinte: [i] restarão preservados os requisitos de notável saber jurídico e reputação ilibada; [ii] restarão preservados os requisitos mínimo e máximo de idade; [iii] o presidente da República manterá sua prerrogativa de escolha, entretanto, dentro de lista tríplice e dentro de prazo máximo fixado; [iv] institui-se lista tríplice prévia, para escolha de uma candidato pelo Presidente da República, que será elaborada por órgãos de cúpula do sistema jurisdicional brasileiro, incluso o TCU1; [v] institui-se a imposição de quinze anos mínimos de atividade jurídica;  [vi] institui-se a limitação temporal de exercício do cargo, por dez anos; e [vii] fixa-se uma quarentena para que membros com mandato encerrado não disputem cargos eletivos.

Fica evidenciado que a PEC apresentada pelo Senador Lasier é extremamente republicana e salutar, além de, ao fim do exercício do cargo, aliviar a carga financeira do Estado, que acabará economizando e poderá melhor empreender altas verbas previdenciárias que seriam destinadas para aposentadorias etc. E, para ser mais preciso, digo eu:

  • Além dos requisitos que restarão preservados, a lista tríplice é medida que fortifica a segurança do processo de escolha, em põe nos trilhos da discussão os principais tribunais superiores, a Procuradoria-Geral da República, a Ordem dos Advogados do Brasil e o Tribunal de Contas da União (tenho ressalvas quando à participação do TCU, assim como entendo que deveriam participar a AGU e a DPU, mas esses são temas para outro momento). Lembro que tais estruturas são instituições ligadas ao melhor exercício da jurisdição e distribuição de justiça;
  • O requisito técnico, de quinze anos mínimos de atuação profissional, se alinha às demais exigências técnicas para o provimento dos cargos de ministros/juízes dos demais órgãos de cúpula do Poder Judiciário, a exemplo do STJ e TST. Logo, soma ao critério político da escolha um equilíbrio de experiências pessoal e profissional vivenciadas pelo candidato ao cargo, o que assegurará a existência de extenso e sólido currículo, passível de melhor controle social;
  • A limitação temporal para o exercício do cargo é das medidas mais aplaudidas; nesse sentido, possibilitará uma reoxigenação da jurisprudência que, ao revés de violar a segurança jurídica, poderá melhor acompanhar o desenvolvimento da sociedade. Ademais, a instituição de mandato se alinha aos aspectos políticos da indicação e, mais especialmente, ao modelo de investidura dos demais membros dos Poderes Executivo e Legislativo Federal, que são eleitos pelo povo e, portanto, essa limitação temporal da indicação e da aprovação não podem se traduzir em vitaliciedade aos magistrados de cúpula do Poder Judiciário (STF). Lembro que a vitaliciedade, a meu ver e embora não tenha sido tratada em terras brasileiras assim, pressupõe uma maior tecnicidade envolvida no provimento do cargo, o que ocorre em menor escala nas indicações de ministro do STF; e
  • A quarentena, portanto, é medida mais do que racional, pois evita que o ministro de saída se beneficie indevidamente do exercício do cargo que exerceu para colher votos e lograr cargo eletivo. Preservam-se, portanto, os princípios da moralidade e da impessoalidade, aplicáveis também na esfera do Poder Judiciário.

Ante o acima exposto, nada mais salutar do que enfrentarmos de vez essa questão. Defendo uma maior complexidade para o processo de indicação de ministros do STF, assim como a limitação temporal do exercício dos respectivos cargos. Trata-se, assim, de medida democrática e republicana, e que possibilitará uma maior reoxigenação na cúpula de nosso Poder Judiciário, que há de ser o poder republicano mais discreto e com menos aparições no seio da opinião pública. A ver as cenas dos próximos episódios legislativos!

__________

1 Eu incluiria, por lógica técnica, o advogado-Geral da União e o defensor público-Geral Federal.

Alessandro Ajouz

Alessandro Ajouz

É Advogado de Compliance. Exerceu as funções de Advogado da Apex-Brasil e do SESCOOP-Nacional (entidades do Sistema "S") entre os anos de 2012 e 2019.

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