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A problemática do ICMS/DIFAL e os princípios constitucionais

Com certeza, o contencioso tributário continuará aquecido no tocante ao tema ICMS durante o ano de 2022.

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Atualizado às 08:54

(Imagem: Arte Migalhas)

A tecnologia vem modificando, ao longo do tempo, a capacidade de arrecadação dos entes federados, de modo que a atualização das normas tributárias se faz imprescindível para manutenção de uma repartição de receita mais justa. Por esse motivo, desde o advento das vendas on line, os Estados mais afastados dos grandes centros comerciais/industriais passaram a questionar a forma de tributação do ICMS, uma vez que eram destinatários das operações envolvendo as mercadorias/serviços, ao passo que não recebiam parcela do tributo.   

Assim, face ao crescimento do E-commerce, a EC 87/15, em síntese, buscou atualizar as previsões constitucionais relacionadas ao ICMS. Nesse sentido, a mencionada EC previu que a diferença entre a alíquota interna, do estado de destino, e a alíquota interestadual seria devida ao estado de destino da mercadoria/serviço.

Na sequência à publicação da EC 87/15, o CONFAZ, por meio do Convênio ICMS 93/15, regulamentou a base de cálculo do ICMS incidente em tais operações. Entretanto, em 24/2/21 o STF, ao julgar a ADIn 5.469/DF e o RE 1.287.019/DF, declarou inconstitucional diversas cláusulas do mencionado Convênio, reconhecendo a necessidade de lei complementar para regulamentar o quanto previsto na EC 87/15.

Nesse sentido, após a decisão do STF, o Congresso Nacional passou a discutir o tema e no final do ano aprovou lei complementar sobre o tema e enviou para sanção presidencial, por sua vez o CONFAZ, dentro de sua competência, publicou o Convênio ICMS 236/21 com a previsão de que suas cláusulas somente começariam a produzir efeitos em 1/1/22, na expectativa de que até essa data já teria sido publicada a aguardada norma complementar.

Eis que, somente em 5/1/22, foi publicada a famigerada LC 190/22.

Com a publicação da lei, diversos questionamentos surgiram quanto (i) à possibilidade de os Estados iniciarem a cobrança do DIFAL já no corrente ano, bem como (ii) à legalidade/constitucionalidade (a) do Convênio ICMS 236/21 e (b) das normas estaduais publicadas anteriormente à LC 190/22 que tratam sobre o tema.

Quanto ao primeiro questionamento mencionado anteriormente, no nosso entender, a própria lei complementar já dá o norte, ou seja, devem ser respeitados os princípios da anterioridade nonagesimal e anual. Isso porque, o art. 3º da mencionada lei dispõe que a produção dos efeitos deverá observar o quanto disposto no art. 150, inciso III, alínea "c" da CF/88.

Tal dispositivo constitucional, reconhecido pelo STF como cláusula pétrea (ver Medida Cautelar na ADIn 4.661/DF), estabelece que, observado o disposto na alínea "b", é vedado cobrar ou aumentar tributos antes de 90 dias da publicação da lei que aumentou ou instituiu a cobrança. A menção à alínea "b" é por demais importante, já que a referida previsão estabelece a mesmíssima vedação, porém para cobrança de tributo instituído ou majorado no mesmo ano em que a lei houver sido publicada.

Exemplificando, a LC 190/22 somente poderia produzir efeitos em 1/1/22 se publicada até 3/10/21. Diferentemente, como a publicação da lei se deu apenas no dia 5/1/22, a cobrança do ICMS/DIFAL somente é possível após 1/1/23. Atendidos, assim, os princípios previstos nas alíneas "b" e "c", do inciso III, do art. 150 da CF/88, noventena e anualidade.

Com relação aos dois outros questionamentos, estes merecem reflexões mais profundas, em decorrência, inclusive, do quanto já decidido pela Suprema Corte, a atitude de alguns Estados de legislarem sobre o tema antes da LC e o impacto nos cofres públicos.

Inicialmente, no tocante ao impacto sobre os cofres dos Estados, em ofício direcionado ao STF quando do julgamento da ADIn 5.469/DF e o RE 1.287.019/DF, a COMSEFAZ apontou que o ICMS/DIFAL responde por R$ 9.838 bilhões de reais anuais, impactando, também, na parcela que é destinada aos Municípios. Embora o referido ofício buscasse o convencimento dos magistrados para fins de modulação dos efeitos, o que efetivamente ocorreu, é possível extrair o tamanho do buraco nas contas públicas que a ausência desta parcela representaria.  

Por sua vez, antes da análise da questão acerca da validade de lei ou ato normativo que versem sobre tributo, publicados antes de lei complementar que institui ou regulamenta tributo, é importante mencionar que o Estado de São Paulo, em dezembro último, publicou a lei 17.470/21, alterando a lei 6.374/89, para expressamente prever a obrigatoriedade de recolhimento do DIFAL, tal atitude foi seguida pelo Estado do Paraná, que aprovou em 27/12/21 o PL 782/21, para alterar a lei 11.580/96, Minas Gerais (Decreto 48.343/21), Bahia (lei 14.415/21), Pernambuco (lei 17.625/21) e outros. Ou seja, os Estados entenderam por bem legislar sobre o tema ao final do ano, antes da publicação da lei complementar que autoriza a cobrança.

A análise dessa situação passa necessariamente pelo entendimento do judiciário. Valendo citar que recentemente o STF teve a oportunidade de se debruçar sobre esse tema, definindo que "leis ordinárias que previram o tributo após a Emenda 33/2001 e antes da entrada em vigor da LC 114/02 são válidas, mas produzem efeitos apenas a contar da vigência da referida lei complementar" (ver RE 1.221.330/SP).

Assim, em uma primeira análise e em linhas com a ratio decidendi utilizada no julgamento do RE 1.221.330/SP, seria possível concluir que as normas estaduais mencionadas acima são constitucionais e, desde que o Estado obedeça ao princípio constitucional da noventena, é possível a cobrança do tributo ainda esse ano. O mesmo racional pode ser aplicado ao Convênio ICMS 231/21, uma vez que o mesmo apenas estabelece procedimentos uniformes que devem ser observados pelos Estados no tocante à obrigação principal e acessória do ICMS/DIFAL.

Entretanto, a LC 114/02, analisada no julgamento do RE 1.221.330/SP não trouxe disposição expressa acerca da data da produção de efeitos. Contrariamente à lei complementar 190/22, na qual o artigo terceiro faz referência expressa ao princípio da anterioridade. Reforçando este ponto, a Secretaria-Geral da Mesa do Senado Federal reconhece que a lei complementar 190/22 implica em majoração do ICMS e por isso só produz efeitos em 1/1/231, em respeito ao princípio da anualidade.

Assim, como visto nesses breves comentários, a atitude do poder executivo federal de apenas sancionar a lei complementar 190/22 nos dias iniciais implicou na impossibilidade de exigência do DIFAL no presente ano. Contudo, este não é o entendimento dos Estados, uma vez que apontam que não há instituição de um novo tributo ou majoração, apenas a regulamentação por parte da lei complementar nova. Assim, diversos questionamentos estão sendo feitos, os quais, certamente desaguarão no judiciário.

Por outro lado, os Estados que legislaram sobre o tema, antes mesmo da publicação da lei complementar, certamente utilizarão a jurisprudência do STF para atestar a validade de suas normas, ao passo que os Estados que aguardaram a publicação se preparam para o impacto em suas contas ou promulgarão leis visando a cobrança do tributo ainda esse ano.

Por sua vez, o judiciário já vem concedendo decisões suspendendo a cobrança do DIFAL, de modo que seja observado o prazo de 90 (noventa) dias da data da publicação da lei complementar 190/22. É o que se observa da decisão liminar proferida pela Juízo da 8ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo Capital, ao determinar que "Outrossim, observando-se a modulação dos efeitos a partir de 2022, inclusive pela edição da lei complementar 190/22, com incidência do princípio da nonagésima, defiro a medida liminar para determinar a suspensão da exigibilidade do DIFAL/ICMS exigido pelo Estado de São Paulo (...)"2.

Nessa linha, aos contribuintes é recomendável o questionamento judicial em caso de cobrança do DIFAL, principalmente para os Estados sem previsão legal. Valendo ressaltar, não obstante a mencionada decisão judicial, que no nosso entender, a cobrança do DIFAL deve observar também o princípio da anualidade, conforme já apontado nas linhas acima, ainda que o Estado possua lei regulamentando o tema publicada anteriormente à LC 190/22. Com certeza, o contencioso tributário continuará aquecido no tocante ao tema ICMS durante o ano de 2022.

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1 https://legis.senado.leg.br/norma/35410454 - Acessado em 11.01.2022

2 Processo n. 1000415-35.2022.8.26.0053

Bruno de Jesus Santos

Bruno de Jesus Santos

Advogado Sênior na área tributária do escritório Pinhão e Koiffman Advogados.

Ricardo Hiroshi Akamine

Ricardo Hiroshi Akamine

Sócio responsável pela área tributária do escritório Pinhão e Koiffman Advogados.

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