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Reflexões sobre a nova lei de proteção para entregadores de plataformas

A lei 14.297 constitui importante marco para empresas de aplicativo e entregadores, haja vista que inaugura benefícios para o entregador, ao passo que confere maior segurança às empresas de aplicativo na condução de sua operação.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Atualizado às 07:48

(Imagem: Arte Migalhas)

Foi editada, no início deste mês, a lei 14.297, a qual regulamenta e estabelece medidas de proteção asseguradas ao entregador que presta serviço por intermédio de empresa de aplicativo de entrega. A lei, contudo, restringiu as medidas de proteção para o período de vigência da emergência em saúde pública decorrente do coronavírus.

Dentre diversas providências trazidas pela referida lei, uma das que mais se destaca é o dever das empresas de aplicativo de contratar seguro contra acidentes, ocorridos durante o período de retirada e entrega de produtos e serviços, sem franquia e em benefício do entregador.

No caso de acidente de entregador que preste serviços para mais de uma empresa de aplicativo, a lei estabelece que a indenização será paga pelo seguro contratado pela empresa para a qual o entregador prestava o serviço no momento do acidente.

Outro destaque da lei é a previsão de que, uma vez acometido pelo vírus da Covid-19, recebido o diagnóstico, o entregador deverá receber uma assistência financeira da empresa de aplicativo durante o período de 15 (quinze) dias, o qual poderá ser prorrogado mais duas vezes, mediante apresentação de exame RT-PCR ou laudo médico que ateste a persistência da doença no entregador.

Por sua vez, no âmbito da prevenção, o destaque trazido pela lei é a previsão do dever de fornecimento, pelas empresas de entrega por plataforma, de máscaras, álcool em gel ou outro material higienizante para a proteção pessoal do entregador, durante a prestação do serviço. Além dessas medidas, a lei estabeleceu o dever das empresas de aplicativo fornecerem o acesso do trabalhador a água potável e a utilização de instalações sanitárias do estabelecimento empresarial.

Uma polêmica trazida pela lei foi a expressa previsão de que, deverão constar, no contrato ou termo celebrado entre empresa de aplicativo e entregador, as hipóteses expressas de bloqueio, de suspensão ou de exclusão do trabalhador da plataforma.

Em caso de descumprimento das medidas de proteção pela empresa de aplicativo, a lei faz previsão expressa de punições a serem aplicadas, a depender do caso, desde advertência até o pagamento de multa administrativa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por infração, e em caso de reincidência.

Contudo, frisa-se que o Presidente da República vetou uma medida de proteção considerada essencial: o fornecimento de alimentação ao entregador, por intermédio dos programas de alimentação do trabalhador, previstos na lei 6.321/76, o que havia sido aprovado, previamente, pelo Congresso Nacional.

Sem qualquer dúvida, a edição da lei foi oportuna e deve ser louvada pela sociedade, por ter inaugurado medidas imprescindíveis para uma parcela trabalhadora excluída da tutela protetiva trabalhista. Entretanto, a lei está longe de oferecer, em caráter amplo, as soluções para a relação e a prestação do trabalho operado pelos entregadores de aplicativo.

Em primeiro lugar, destaca-se que a lei possui "prazo de validade": como disposto em seu primeiro artigo, a lei estabelece medidas de proteção apenas durante o período de vigência da emergência em saúde pública decorrente do coronavírus. Pormenorizando, com o encerramento da emergência da saúde pública nacional, findar-se-ão as medidas de proteção aos entregadores.

Em segundo lugar, a lei não solucionou a natureza jurídica da relação entre a empresa de plataforma e o entregador. Muito em sentido contrário: a lei destaca, de forma expressa, que os benefícios e as conceituações previstos não servirão de base para caracterização da natureza jurídica da relação entre os entregadores e as empresas de aplicativo de entrega.

A discussão da natureza jurídica entre aplicativo e trabalhador é a grande tônica dos debates ventilados na Justiça do Trabalho, eis que muitos consideram a relação como empregatícia, por estarem presentes os requisitos do liame empregatício do art. 3º da CLT (prestação de serviços por pessoa física, pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação). Por outro lado, muitos defendem que a relação é autônoma; alguns defendem que a relação é meramente contratual e, por conseguinte, cível. Por fim, alguns defendem que há um vácuo legislativo, em razão da omissão legal a respeito dessa relação.

A verdade é que a solução não é simples quanto aparenta ser. A Economia Compartilhada, também conhecida como "Uberização", "Gig Economy" e "Economia de Compartilhamento", inaugurou essa inédita forma de prestação de serviços, embasada em uma relação tríplice entre empresa de aplicativo, prestador de serviços e consumidor. Esse novo modelo de negócios é reflexo direto do emprego de novas tecnologias, oriundas da chamada Quarta Revolução Industrial (ou Indústria 4.0).

A consolidação da Economia de Compartilhamento e, em especial, de novas formas de trabalho por meio de aplicativos, já é observada em diversas nações. No Brasil, por exemplo, durante a pandemia instalada em virtude da disseminação do coronavírus (Covid-19), na primeira semana da quarentena nacional, foi editado, pelo Poder Executivo Federal, o Decreto 10.282, em 20 de março de 2020, o qual considerou o transporte por aplicativo como atividade essencial, dando ênfase ao seu caráter de atividade imprescindível para atender as denominadas "necessidades inadiáveis".

Por sua vez, vários outros decretos estaduais foram editados, revelando essa mesma similitude de elencar o transporte por aplicativo como atividade essencial. Em Pernambuco, por exemplo, foi editado o Decreto no 49.017, em 11 de maio de 2020, o qual sobrelevou o transporte por aplicativos como atividade essencial, tendo regulamentado a prestação desse serviço no período da pandemia no estado.

Deixando de lado qualquer discurso sobre a natureza jurídica dessa relação, a verdade é que os entregadores precisam de medidas básicas de segurança, de higiene e de saúde, haja vista que, a despeito de prestarem serviços e, portanto, estarem inseridos em uma relação de trabalho, eles não possuem qualquer amparo da legislação constitucional.

Convém destacar, por oportuno, que a Constituição Federal consagra, em seu art. 7º, direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, sem, contudo, excluir outros que visem à melhoria de sua condição social.

Note-se, nesse sentido, que o próprio texto constitucional assegura, no inciso XXVII do referido artigo, a proteção em face da automação, na forma da lei.

Por essa razão, é urgente que sejam asseguradas, pelo Poder Legislativo e pelo Poder Executivo, as medidas de proteção previstas na lei 14.297, independente do estado de emergência pública, além de que sejam endereçadas outras medidas protetivas, com o escopo de garantir que a prestação do trabalho seja sempre feita de forma segura e cautelosa, tanto para a empresa de aplicativo, quanto para o entregador.

A edição da lei em apreço, em verdade, está longe de representar prejuízo para as empresas de aplicativo: muito de forma oposta, ela traz benefícios que salvaguardam a postura preventiva empresarial contra ações administrativas e judiciais, especialmente no que tange aos acidentes eventualmente ocorridos.

Por derradeiro, conclui-se que a lei 14.297 constitui importante marco para empresas de aplicativo e entregadores, haja vista que inaugura benefícios para o entregador, ao passo que confere maior segurança às empresas de aplicativo na condução de sua operação.

Aline Pires Gomes

Aline Pires Gomes

Advogada da área trabalhista de Renato Melquíades Advocacia.

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