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Da abusividade na tentativa de repactuação por instituições financeiras de contratos de previdência do tipo FGB indexados ao IGPM

Bruno da Luz Darcy de Oliveira e Hannah Krüger Rodor Fontana

O presente artigo se propõe trazer à luz um tema recente e muito importante para diversos consumidores/investidores, que há décadas, optaram por confiar em Instituições Financeiras tidas como idôneas para contratar seus planos de aposentadoria, no caso, o Fundo Gerador de Benefício.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

Atualizado às 12:31

(Imagem: Arte Migalhas)

Introdução

Por muitos anos a previdência privada foi vista como um investimento seguro e certo, em que muitos optavam por depositar suas economias, mesmo contando menores retornos (típico de aplicações conservadoras), mas com a "quase" garantia de que após o período de acumulação, transcorrido o prazo contratual, o Investidor poderia usufruir de uma renda (ou resgate) compatível com o que foi por ele contratado.

Contudo, recentemente, certas Instituições Financeiras que no passado comercializaram produtos do tipo FGB (Fundo Gerador de Benefício), viram seus excessivos lucros prejudicados pelo aumento do IGP-M no último ano, índice ao qual os contratos em questão são indexados.

O FGB foi um produto muito popular no início da década de 1990, que prometia rentabilidades muito além do que o cenário atual pode oferecer, sem grandes riscos, e benefício pré-determinado. No entanto, as entidades financeiras perderam o interesse de comercializar tal produto basicamente por duas razões: (i) a obrigatoriedade de dar garantia mínima de 6% ao ano sobre os aportes realizados pelo participante; e (ii) os fatores atuariais para conversão em renda se basearem em uma tábua de sobrevivência desfavorável à entidade.1

Conforme relatado em seu próprio site, a partir do final de 2019, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) começou a receber relatos de consumidores acerca de contatos que informam sobre a necessidade de repactuação dos contratos do tipo FGB da Evidence Previdência, empresa do Grupo Santander.

Na oportunidade, a Susep acertadamente ressaltou que eventual alteração contratual, fora do previsto nos regulamentos dos planos, depende de acordo entre as partes, não sendo objeto de aprovação ou desaprovação por parte da Autarquia. Assim, cabem apenas aos participantes (consumidores), a livre avaliação, sobre seu interesse em aderir às novas condições propostas pela companhia.2

Como última medida desesperada, a citada Instituição Financeira tem ajuizado centenas de ações judiciais por todo o Brasil, buscando a repactuação, ou mesmo a rescisão dos contratos do tipo FGB firmados na década de 1990, e/ou datas anteriores.

Para tanto, dentre outros argumentos genéricos, aduzem que o retorno prometido pelo plano, qual seja IGP-M + 6% ao ano se mostrou excessivamente oneroso, sobretudo em razão da alta de mais de 32% (trinta e dois por cento) do IGP-M nos 12 (doze) meses até abril de 2021, bem como que "o produto FGB possui tábua de expectativa de vida desatualizada e juros fixos completamente incompatíveis com a realidade".

Um terceiro argumento é a necessidade de se fazer um aporte adicional para cumprir o que dita o regulamento.3

Contudo, com todas as venias aos argumentos trazidos pelas Instituições Financeiras que buscam repactuar e rescindir os contratos do tipo FGB por considerarem inexequíveis os termos prometidos, algumas questões devem ser postas.

Primeiro que a própria natureza de um plano de previdência prevê uma contratação a longo prazo, ou seja, é de se esperar que a empresa que comercializa tais produtos preveja todos os riscos e variáveis envolvidos, tais como mudanças no cenário macroeconômico. Como esperar que uma seguradora não poderia prever que a expectativa de vida da população iria aumentar?

Evidentemente que as Instituições Financeiras se utilizam da tese da onerosidade excessiva para se aproveitar das diversas decisões judiciais proferidas em hipóteses totalmente distintas, (principalmente em contratos de curto e médio prazo, em sua maioria paritários, em que um reajuste excessivo em um curto período de tempo acarretou grande desequilíbrio contratual), o que certamente não se trata da hipótese dos contratos do tipo FGB, que se prolonga por décadas, e que, como dito, considera, desde sua concepção, todos os riscos envolvidos.

Ora, em se tratando de um contrato com notória longevidade, não se admite à Contratada (Instituição Financeira) escorar-se em imprevistos e alegações de que "alteração na política econômica do Governo, que, aliada à imprevisíveis alterações do cenário macroeconômico mundial e brasileiro" seriam suficientes para endossar sua pretensão de alteração contratual.

Alterações de índices econômicos e demais ativos financeiros são absolutamente previsíveis, não podendo a instituição se beneficiar da teoria da imprevisão apontando tão somente alteração na política econômica.

Importante observar também que a maior parte dos contratos ora objurgados pelas Instituições Financeiras foram firmados nos anos 90, e desse então não há qualquer relato sequer de possibilidade de alteração das condições contratadas pelos Consumidores, sobretudo em momentos menos lucrativos, ou de prejuízo (para eles), exatamente por tratar-se de um contrato de adesão.

Desta feita, não poderia o consumidor optar por reajuste em IGP-M, IPCA, ou qualquer outro índice, tampouco foi informado sobre as nuances de tais índices, sendo o atual definido pela Contratada, a seu critério e ciente da forma que tal índice é calculado e como impacta o produto.

Nesse sentido, resta claro que a manutenção das cláusulas que foram acertadas entre as partes, sobretudo a condição de reajuste pelo IGP-M deve ser mantida, eis que não há qualquer justificativa plausível para sua alteração e a repactuação proposta pela Contratada é abaixo do oferecido pelo mercado, sendo evidente o único intuito de prejudicar o Consumidor, em detrimento de permitir-se que a Instituição Financeira que ofertou tal contratação lucre de forma unilateral e abusiva ad eternum.

Outrossim, deve-se observar que o caso narrado rege-se sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor, que em seu art. 47, dispõe o seguinte:

CDC. Art. 47: As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

Mais, as mudanças no cenário econômico não podem ser utilizadas como base para os pedidos autorais.

Destaca-se que nessas 03 (três) décadas, desde a criação do fundo nos anos 90 até 2021, muita coisa mudou na questão econômica, sendo que nesse interregno ocorreram diversas crises que impactaram severamente os consumidores, e em contrapartida, muitas delas foram totalmente rentáveis para o setor bancário, que contaram com elevadas taxas de juros para concessão de empréstimos, além do enorme spread bancário (diferença entre o valor arrecadado para captação de dinheiro e o cobrado para emprestá-lo às pessoas físicas e jurídicas), sendo o do Brasil conhecido como um dos maiores do mundo.

Também não há que se falar em aumento da longevidade da população, pois se trata de um critério básico para um plano de previdência, não se tratando de um fator novo.

Assim, restou claro que a verdadeira intenção de tais Instituições Financeiras que buscam a repactuação, ou mesmo rescisão dos contratos do tipo FGB firmados, é diminuir seus passivos para aumentar seus lucros já exorbitantes, às custas de seus clientes.

Conclusão

Diante do que foi exposto, não podemos concluir de forma diversa do reconhecimento quanto a ilegalidade da repactuação e/ou rescisão contratual buscada pela Instituição Financeira que outrora comercializou o produto FGB.

Não se pode ignorar, que mesmo após certamente analisar eventuais e previsíveis alterações na política econômica, a Contratada comercializou o plano de previdência sob a modalidade FGB, tendo livremente entabulado a previsão de remuneração de 6% + variação de IGPM ao ano, não podendo agora, ao seu livre arbítrio, simplesmente pretender alterar a forma de cálculo, impondo ao consumidor a "migração" para plano com natureza distinta do contratado, taxas de remuneração diversas, ou ainda, impondo-lhe o resgate dos valores daquilo que poupou durante mais de 20 (vinte) anos para fazer jus a renda mensal vitalícia.

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1 Disponível em: https://www.editoraroncarati.com.br/v2/Artigos-e-Noticias/Artigos-e-Noticias/Quando-a-distracao-se-torna-uma-ameaca-real.html Acesso em: 21/11/2021.

2 Disponível em: http://novosite.susep.gov.br/noticias/susep-alerta-consumidores-acerca-de-comunicados-de-repactuacao-de-planos-por-parte-da-empresa-evidence-previdencia/ Acesso em: 21/11/2021.

3 Disponível em: https://valorinveste.globo.com/produtos/previdencia-privada/noticia/2021/06/08/planos-antigos-de-previdencia-privada-levam-seguradoras-e-segurados-a-justica.ghtml Acesso em: 21/11/2021.

Bruno da Luz Darcy de Oliveira

Bruno da Luz Darcy de Oliveira

Advogado, sócio do escritório Da Luz, Rizk & Nemer Advogados Associados. Pós-graduado em Direito do Consumidor.

Hannah Krüger Rodor Fontana

Hannah Krüger Rodor Fontana

Advogada do escritório Da Luz, Rizk & Nemer Advogados Associados. Pós-graduada em Direito Tributário pela PUC-Minas. Certificada pelo Insper em Compliance e em Lei Geral de Proteção de Dados.

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