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Difal - Descompasso ante o primado da anterioridade ano-calendário e nonagesimal

O Difal representa uma verdadeira instituição do ICMS, supostamente concebido por convênio, o que é vedado pela Lex Legum, o qual foi efetivamente criado e cobrado no mesmo ano-calendário, configurando, assim, decididamente inconstitucional em virtude de passar ao largo dos primados temporais da anterioridade ano-calendário.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Atualizado às 08:01

(Imagem: Arte Migalhas)

A sigla Difal significa o diferencial de alíquota do ICMS representada pela diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual do Estado remetente, a qual se circunscreve às operações interestaduais em prol de consumidor não contribuinte do imposto. Assim, a vexata quaestio consiste na instituição do imposto em relação àqueles até então não categorizados como contribuintes do ICMS, configurando, portanto, flagrante desrespeito ao postulado da anterioridade ano-calendário em conjunto com a noventena, tudo nos termos do artigo 150, III, letras b e c, da Constituição Federal, devidamente reproduzido nos desdobres deste artigo.

Sobremais, se respeitado o marco temporal da anterioridade, o ICMS relativo a operações interestaduais para não contribuintes será cobrado integralmente pelos Estados remetentes.

O Difal sub examen foi previsto originalmente na Emenda 87/2015 e implementado pelo Convênio 93/15 e, ao depois, restabelecido pelo Convênio ICMS 236/21, segundo o qual entraria em vigor no dia 1º de janeiro de 2022.

Com efeito, o aludido Difal foi disciplinado pela lei complementar 190, de 4 de janeiro de 2022, ou seja, em data extemporânea em relação àquela prevista no Convênio ora suscitado, no caso o 236/21.

Obviamente, o assunto deu margem a inúmeros questionamentos e manifestações por parte de expressivo número de tributaristas, os quais se insurgiram contra o referido Difal, sobre fundamento de afronta ao postulado da anterioridade ano-calendário conjugado com à anterioridade nonagesimal.

Nesse compasso, merecem citadas duas decisões recentes prolatadas à época da elaboração do presente Estudo:

Processo Digital: 1000415-35.2022.8.26.0053

8ª VARA DE FAZENDA PÚBLICA

Classe - Assunto Mandado de Segurança Cível - Suspensão da Exigibilidade

Diante do recente julgamento proferido nos autos do RE 1287019, analisado em sede de Repercussão Geral, Tema 1093, o C. Supremo Tribunal Federal julgou a inconstitucionalidade da instituição e cobrança do Diferencial de Alíquota do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços introduzida pela EC 87/2015, entendo pela necessidade de edição de lei complementar para a fixação de normas gerais, sendo certo que a existência de Convênios (93/15), bem como a lei complementar 87/96 não suprem a ausência.

...

DEFIRO, pois, a medida liminar.

Processo Digital: 1000409-28.2022.8.26.0053

10ª VARA DE FAZENDA PÚBLICA

Classe - Assunto Mandado de Segurança Cível - Suspensão da Exigibilidade.

....

Contudo, a cobrança de DIFAL, Diferencial de Alíquota de ICMS, não se trata de criação de imposto novo ou majoração de imposto existente, já que a lei complementar 190, de 4 de janeiro de 2022, ao alterar a lei complementar 87, de 13 de dezembro (lei Kandir), apenas disciplinou a distribuição dos recursos apurados no ICMS quando há movimentação de mercadorias entre dois Estados da Federação distintos, que cobram alíquotas distintas de ICMS.

Portanto, não se trata de violação do princípio da anterioridade anual ou nonagesimal, justamente por não se referir à criação de imposto novo ou majoração de um imposto existente.

Diante do exposto, INDEFIRO A LIMINAR

Para tanto, invocam que a criação do imposto por meio do Difal se dera por intermédio da lei complementar retrocitada, enquanto, por outro lado, o entendimento oficial sustenta que não haveria desrespeito à anterioridade, porquanto a lei in casu apenas implementou algo já existente e criado pelos Convênios 93/15 e 236/21.

Entrementes, a postura governamental se depara inexata por todas as luzes, conforme será demostrado de modo sucinto nos tópicos subsequentes, tudo ao lume de pressupostos da Ciência do Direito e de postulados ancilares de hermenêutica.

Deveras, cumpre dizer em alto e bom som que o Difal não resiste a um contraste de validade, por qualquer óptica seja, pois, caso se admita a sua criação por meio de Convênio, estar-se-ia em flagrante descompasso com o primado da estrita legalidade, enquanto, por outro lado, se reconhecida a sua instituição por intermédio da lei complementar retrocitada, haveria induvidosa ofensa ao primado da anterioridade ano-calendário e nonagesimal, simpliciter et de plano.

A propósito, convém lembrar que segundo orientação pretoriana a matéria é privativa de lei complementar, pondo por terra o falacioso argumento de sua suposta criação por Convênio como pretexto de contornar a questão da anterioridade. Fê-lo, por meio do Recurso Extraordinário a seguir transcrito, senão vejamos:

24/02/2021 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.287.019/DF

RELATOR :MIN. MARCO AURÉLIO

REDATOR DO ACÓRDÃO :MIN. DIAS TOFFOLI

RECTE.(S :MADEIRAMADEIRA COMERCIO ELETRONICO S/A E OUTRO(A/S)

ADV.(A/S) :JULIO CESAR GOULART LANES

EMENTA

Recurso extraordinário. Repercussão geral. Direito tributário.

EC 87/2015. ICMS. Operações e prestações em que haja a destinação de bens e serviços a consumidor final não contribuinte do ICMS localizado em estado distinto daquele do remetente. Inovação constitucional. Matéria reservada a lei complementar (art. 146, I e III, a e b; e art. 155, § 2º, XII, a, b, c, d e i, da CF/88). Cláusulas primeira, segunda, terceira e sexta do Convênio ICMS 93/15. Inconstitucionalidade. Tratamento tributário diferenciado e favorecido destinado a microempresas e empresas de pequeno porte.

Simples Nacional. Matéria reservada a lei complementar (art. 146, III, d, e parágrafo único, da CF/88). Cláusula nona do Convênio ICMS 93/15. Inconstitucionalidade.

1. A EC 87/15 criou nova relação jurídico-tributária entre o remetente do bem ou serviço (contribuinte) e o estado de destino nas operações com bens e serviços destinados a consumidor final não contribuinte do ICMS. O imposto incidente nessas operações e prestações, que antes era devido totalmente ao estado de origem, passou a ser dividido entre dois sujeitos ativos, cabendo ao estado de origem o ICMS

calculado com base na alíquota interestadual e ao estado de destino, o diferencial entre a alíquota interestadual e sua alíquota interna.

2. Convênio interestadual não pode suprir a ausência de lei complementar dispondo sobre obrigação tributária, contribuintes, bases de cálculo/alíquotas e créditos de ICMS nas operações ou prestações interestaduais com consumidor final não contribuinte do imposto, como fizeram as cláusulas primeira, segunda, terceira e sexta do Convênio ICMS 93/15.

3. A cláusula nona do Convênio ICMS 93/15, ao determinar a extensão da sistemática da EC 87/2015 aos optantes do Simples Nacional, adentra no campo material de incidência da LC 123/06, que estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e às empresas de pequeno

porte, à luz do art. 146, inciso III, d, e parágrafo único, da Constituição Federal.

4. Tese fixada para o Tema 1.093: "A cobrança do diferencial de alíquota alusivo ao ICMS, conforme introduzido pela EC 87/2015, pressupõe edição de lei complementar veiculando normas gerais".

5. Recurso extraordinário provido, assentando-se a invalidade da cobrança do diferencial de alíquota do ICMS, na forma do Convênio 93/1, em operação interestadual envolvendo mercadoria destinada a consumidor final não contribuinte.

6. Modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade das cláusulas primeira, segunda, terceira, sexta e nona do convênio questionado, de modo que a decisão produza efeitos, quanto à cláusula nona, desde a data da concessão da medida cautelar nos autos da ADI 5.464/DF e, quanto às cláusulas primeira, segunda, terceira e sexta, a partir do exercício financeiro seguinte à conclusão deste julgamento (2022), aplicando-se a mesma solução em relação às respectivas leis dos estados e do Distrito Federal, para as quais a decisão deverá produzir efeitos a partir do exercício financeiro seguinte à conclusão deste julgamento (2022), exceto no que diz respeito às normas legais que versarem sobre a cláusula nona do Convênio ICMS 93/15, cujos efeitos deverão retroagir à data da concessão da medida cautelar nos autos da ADI 5.464/DF. Ficam ressalvadas da modulação as ações judiciais em curso.

Quanto aos Convênios, per se, torna-se de mister veementizar tratar-se de ato administrativo e, como tal, jamais poderia modificar a legislação do ICMS, como sói acontecer, não somente no problema tematizado, mas numa incredível e costumeira prática adotada em nosso Direito.

Ora, mercê de sua natureza de ato administrativo, os Convênios somente poderiam produzir efeitos após a sua conversão em Decreto-legislativo da lavra do Parlamento de cada unidade federativa, o qual desfruta da feição de diploma legal, consoante o disposto no artigo 59, inciso VI, da Constituição da República.

Destarte, merece afastada a premissa equivocada segundo a qual o Difal já existiria antes da lei complementar editada nos albores deste ano de 2022, restando evidente que a sua instituição se dera efetivamente neste início de ano e, portanto, em clara inobservância aos princípios da anterioridade ano-calendário e nonagesimal. Por oportuno, transcrevemos os comandos que versam sobre a estrita legalidade tributária e acerca da anterioridade, a saber:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

III - cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;

b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;         

c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea "b";       

Por conseguinte, ressalta à evidência que o Difal representa uma verdadeira instituição do ICMS, supostamente concebido por Convênio, o que é vedado pela Lex Legum, o qual foi efetivamente criado e cobrado no mesmo ano calendário, configurando, assim, decididamente inconstitucional em virtude de passar ao largo dos primados temporais da anterioridade ano-calendário, conjugado com a anterioridade nonagesimal.

Por derradeiro, força é depreender que o consumidor até então não qualificado como contribuinte do ICMS somente poderá ser cobrado do referido imposto no ano-calendário de 2023.

Eduardo Marcial Ferreira Jardim

Eduardo Marcial Ferreira Jardim

Mestre e Doutor em Direito pela PUC-SP. Professor emérito na Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professor no IBET. Professor no Curso de Especialização em Direito Tributário na Academia Brasileira de Direito Constitucional em Curitiba/PR e Professor no Curso de Especialização Damásio, sob a coordenação da Professora Regina Helena Costa e pelo Professor Rodrigo Frota. Membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas, Cadeira 62. Membro Fundador do IBEDAFT. Autor de Obras jurídicas pelas Editoras Mackenzie, Noeses e Saraiva. Sócio de Eduardo Jardim e Advogados Associados.

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