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A inconstitucional base de cálculo dupla para apuração do Difal

A inconstitucionalidade da cobrança do Difal vai além da violação ao princípio da anterioridade anual.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Atualizado às 07:50

(Imagem: Arte Migalhas)

Há poucos dias escrevi sobre a necessidade de observância da anterioridade anual para a entrada em vigor da lei complementar 190/22. Os contribuintes só podem ser instados ao pagamento do Diferencial de Alíquota de ICMS, apelidado de "DIFAL", nas operações com bens e serviços destinados a consumidor final, localizado em outra unidade da federação, não contribuinte do imposto, no ano subsequente ao da publicação da norma, ou seja, em 2023.

Entretanto, neste artigo tratarei do DIFAL exigido do adquirente quando da entrada de mercadorias para seu uso e consumo, ou para seu ativo fixo, na qualidade de contribuinte consumidor final, cujas regras também foram descritas na LC 190/22, também conhecido por "DIFAL-Contribuintes" ou "DIFAL na Compras".

Oportuno lembrá-los que a EC 87/2015, ao dar nova redação aos incisos VII e VIII, do §2º, do art. 155, da CF/88, instituiu duas materialidades distintas para a cobrança do DIFAL, visando à participação de duas unidades federadas envolvidas (origem e destino) na arrecadação tributária decorrente das operações interestaduais. 

Cada uma das hipóteses de incidência com aspectos material, pessoal, temporal, espacial e quantitativos próprios. Há um DIFAL incidente sobre a saída do bem a consumidor final não contribuinte, cujo responsável tributário é o remetente da mercadoria - apelidado de "DIFAL-Não Contribuintes" ou "DIFAL nas Vendas". E outro, sobre a entrada do bem quando a operação for a consumidor final contribuinte, neste caso o destinatário fica responsável pelo recolhimento do imposto, o mencionado "DIFAL-Contribuintes" ou "DIFAL nas Compras".

Em que pese o STF, ao julgar a ADIn 5469/DF e o RE 1.287.019/DF (Tema 1093 em Repercussão Geral), ter tratado apenas do DIFAL-Não Contribuintes, as razões de decidir para o reconhecimento da inconstitucionalidade da exação, a saber: ausência de lei complementar para a cobrança do DIFAL, também se aplicam ao DIFAL-Contribuintes.

Isso porque as regras gerais concernentes ao ICMS, dentre as quais as relativas à exigência de DIFAL-Contribuintes, são submetidas à reserva de lei complementar, a teor dos arts. 155, §2º, XII e 146, III, "a", da CF/88. Entretanto, quando se examina a redação da lei Kandir (LC 87/96), antes da publicação das alterações advindas com a LC 190/22, verifica-se que o legislador não havia autorizado os Estados a exigir tal tributo.

Apesar de agora termos uma lei complementar autorizativa para a cobrança do DIFAL para operações interestaduais a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, remanesce a inconstitucionalidade relativa à base de cálculo para apuração do DIFAL-Contribuinte.

A LC 190/22, ao incluir o §6º ao art. 13 da lei Kandir (LC 87/96) estabeleceu duas bases de cálculo distintas para a apuração de remessas interestaduais destinadas a consumidores finais contribuintes do imposto. Para o cálculo do ICMS DIFAL-Contribuintes, deve-se fixar a base de cálculo do ICMS devido ao estado de origem, utilizando a alíquota interestadual e depois, fixar uma segunda base de cálculo do ICMS devido ao estado de destino, utilizando a alíquota interna deste estado.  

Vários Estados da Federação já vinham exigindo esta mesma base de cálculo majorada, apenas com base nas legislações ordinárias e respectivos regulamentos estaduais. Para calcular o ICMS por dentro, ou seja, ao compor sua própria base, no caso DIFAL-Contribuintes e no DIFAL Não-Contribuintes, algumas legislações estaduais determinavam a utilização da alíquota interestadual no lugar do DIFAL.           

Todavia, dispõe o art. 155, §2º, VII, que o DIFAL ICMS (sem distinção nas operações a consumidor final contribuinte ou não) deve corresponder apenas à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual, como previu o § 7º, do art. 13, da LC 87/96. Veja que que a base de cálculo dupla foi instituída apenas para apuração do DIFAL-Contribuintes. Para o DIFAL-Não Contribuintes, a legislação estabeleceu base única.

A base dupla implica na majoração da carga tributária, pois o DIFAL apurado por meio da base dupla supera o valor do DIFAL apurado em base única, já que eleva a base de cálculo do imposto, não refletindo o real valor da operação, que é o signo presuntivo de riqueza previsto no texto constitucional para materialidade do ICMS.

Portanto, não resta dúvida a legislação complementar instituiu duas bases de cálculo diferentes para o DIFAL-Contribuintes, uma para a operação de origem e outra para o destino, com a finalidade de apurar a diferença do imposto devido. Contudo, não se trata de duas operações distintas, com preços diferentes, e sim, de uma única circulação de mercadoria, com apenas um valor de operação. Somente a arrecadação tributária é partilhada entre duas unidades federativas.

Atribuir como base de cálculo quantia diversa e superior ao valor da operação viola o princípio da capacidade contributiva, insculpido no art. 145, §1º, da CF/88, e contraria o art. 152, CF, que proíbe que se estabeleça diferença tributária entre bens e serviços em razão da sua procedência ou destino. Evidente que haverá tratamento tributário discriminatório e mais oneroso nas operações interestaduais para consumidor final contribuinte, se comparado às operações internas.

Destaca-se e reitera-se que a norma constitucional prevista no inciso VII, do § 2º, do art. 155 da CF/88 é cristalina no sentido de as operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual. Não se extrai do texto constitucional qualquer autorização para base de cálculo dupla para a apuração do DIFAL-Contribuintes e DIFAL-Não Contribuintes.

Destarte, a inconstitucionalidade da cobrança do DIFAL vai além da violação ao princípio da anterioridade anual. A indevida majoração da base de cálculo em razão da instituição de base dupla para apuração do DIFAL-Contribuintes ou DIFAL-Não Contribuintes, seja por meio da LC 190/22, ou de quaisquer legislações estaduais, é outro fundamento que fortalece a inconstitucionalidade da exação.

Jussandra Hickmann Andraschko

Jussandra Hickmann Andraschko

Advogada tributarista no escritório Hickmann Advogados Associados. Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB/RS. Especialista em Tributação dos Negócios e da Empresa. Conselheira da Fundação Escola Superior de Direito Tributário - FESDT e membro efetivo do Instituto de Estudos Tributários - IET.

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