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Lavagem de capitais com NFTs: uma prática possível ou apenas uma aberração digital?

É necessário que se aponte que o mercado de NFTs, por funcionar dentro da estrutura tecnológica do blockchain, encontra as mesmas dificuldades dogmáticas para tipificação do crime de lavagem de dinheiro dispostas no uso de criptoativos para os processos de branqueamento de capitais.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Atualizado às 12:30

(Imagem: Arte Migalhas)

O século XXI e a expansão acelerada das tecnologias digitais trouxe diversas inovações que, a princípio, parecem verdadeiras aberrações a olhos não acostumados, tais como a operacionalização de ativos financeiros que só existem de forma digital, sem qualquer lastro monetário e sem que se possa identificar o seu possuidor e, junto a isto - de forma um tanto quanto peculiar - a existência de reproduções digitais de obras de arte físicas que valem milhões.

Os NFTs são tokens não fungíveis (non-fungible tokens, do inglês) que podem ser a reprodução digital de um ativo (obra de arte, música, um tweet ou até um meme) que autentica e certifica a exclusividade de sua fonte.

Assim, pode-se dizer que um registro NFT é um "item" exclusivo, diferente de qualquer outro e, portanto, insubstituível - dai o termo "não fungível" - e, por isso, é muito utilizado para reproduzir de forma digital uma obra de arte, sendo tão único quanto.

Entretanto, os NFTs são unidades digitais que estão disponíveis em um blockchain e representa a propriedade de uma obra de arte.

Neste contexto, levando-se em conta o crescimento do mundo digital - inclusive com a criação de um mundo exclusivamente digital, o metaverso - alargou-se também a negociação de ativos digitais fazendo com que a negociação de NFTs em 2021 atingiu cifras milionárias, chamando a atenção de entidades públicas para a prática de crimes digitais e de lavagem de dinheiro.

Por este ângulo, os NFTs estão de fato demasiadamente expostos à ação de cripto-criminosos, tendo em vista que se utilizam da tecnologia blockchain - a mesma tecnologia utilizada em criptomoedas -, registrando todas as transações em um bloco público no qual não é possível verificar quem é o destinatário e o remetente, em razão da pseudoanonimidade característica deste tipo de ativo.

Nesta linha, práticas como o wash trading podem se tornar bem mais fáceis com os NFTs, na medida em que o agente criminoso pode possuir um NFTs em sua carteira digital (wallet) e venda-la a um preço muito superior ao de mercado para uma outra carteira de mesma titularidade, a fim de manipular o valor de mercado e lucrar com uma operação simulada.

A própria estrutura do blockchain possibilita a prática desta operação de "autocompra", pois não é necessário que o usuário se identifique, podendo ter várias carteiras digitais.

Todavia, há informações no sentido de que a maioria dos cripto-criminosos que tentaram lucrar com esta prática não obtiveram êxito. Todavia, os que conseguiram, angariaram cifras milionárias.

Noutro lado, a prática da lavagem de dinheiro é tão atrativa no mercado de NFTs pelos mesmos motivos que regem o mercado ordinário de arte de alto valor, bem como processa-se de forma muito semelhante à lavagem com criptomoedas.

É importante que se diga que o mercado de obras de arte é atrativo para a prática de lavagem em razão da dificuldade de fixação do preço, o qual depende de diversas variáveis, possibilitando uma grande margem de capital lavado na operação e, além disto, são itens que costumam ser de fácil de transporte.

Nesta perspectiva, unindo a flutuação do preço de mercado atribuído a uma obra de arte, a ausência de um bem físico que demande esforços com transporte, aliado à pseudoanonimidade das transações, é possível concluir que se tenha uma noção do motivo pelo qual os NFTs são ativos atrativos para a lavagem de capitais.

Desta forma, o processo de lavagem de capitais com NFTs procede-se de forma majoritariamente digital, através da compra do token não fungível com o uso de criptoativos e, posteriormente, com a transformação da criptomoeda em uma moeda de curso forçado como o euro, dólar ou real, podendo haver um processo de mistura (mixing) das criptomoedas oriundas de uma atividade criminosa com outras de origem idônea, a fim de confundir o capital e ocultar sua origem espúria.

Ainda é possível que se adquira um NFT por valor inferior ao usualmente negociado e o revenda por valores muito superiores aos de sua aquisição, fazendo a lavagem do montante remanescente, tal qual pode ocorrer com uma obra de arte comum.

Em conclusão, é necessário que se aponte que o mercado de NFTs, por funcionar dentro da estrutura tecnológica do blockchain, encontra as mesmas dificuldades dogmáticas para tipificação do crime de lavagem de dinheiro dispostas no uso de criptoativos para os processos de branqueamento de capitais, tendo em vista que, comumente, as operações de compra e venda de NFTs são realizadas com o uso de criptomoedas, as quais não são consideradas, no Brasil, como ativos financeiros, dificultando uma imputação de lavagem de dinheiro.

Leonardo Tajaribe Jr.

Leonardo Tajaribe Jr.

Advogado Criminalista. Especialista em Direito Penal Econômico (COIMBRA/IBCCRIM). Pós-Graduado em Direito Penal e Processual Penal (UCAM). E-mail: [email protected]

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