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Tutela provisória de evidência e a necessária inversão do ônus do tempo no processo

O poder geral de tutela provisória (de urgência e evidência) também é garantido no âmbito dos recursos aos Tribunais Superiores (art. 932, II e 1.029, §5º, I, do CPC/15), na fase de cumprimento de sentença e em sede de embargos à execução de título executivo extrajudicial.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Atualizado às 14:14

(Imagem: Arte Migalhas)

Um dos temas mais importantes do CPC/15 diz respeito à disciplina das tutelas provisórias (arts. 294 a 311) e sua utilização como instrumento de efetivação da prestação jurisdicional.

A tutela de urgência vem merecendo tratamento mais aprofundado pela doutrina e jurisprudência nacionais. Contudo, ainda existem muitos desafios para a correta compreensão da tutela de evidência, especialmente no que respeita aos momentos para a sua concessão e a respectiva impugnação recursal.

Antes de mais nada, é mister ressaltar que, a rigor, a tutela de evidência já existia no CPC/73, como nos casos do art. 273, II, e também nas ações de depósito1.

Logo, o que fez o CPC/15 foi apenas ampliar as situações jurídicas em que a tutela provisória é concedida em decorrência do elevado grau de probabilidade e sem a necessidade de comprovação de urgência2-3, como nos casos dos incisos II (vinculação de precedente obrigatório - tese firmada em julgamento de casos repetitivos  ou em súmula vinculante), III ou IV, do art. 311 (prova documental suficiente sem contraprova documental suficiente). A tutela de evidência, portanto, é importante instrumento para o efetivo alcance da duração razoável do processo (art. 4º, do CPC/15 c/c art. 5º, LXXVIII, da CF/88), com a inversão dos males decorrentes do tempo de sua tramitação4.

Uma coisa é certa: a maioria das causas repetitivas permite a concessão da tutela de evidência (art. 311, II, do CPC/15), com a entrega do efeito fático independente da presença do requisito urgência e, com isso, esvaziando o efeito suspensivo ope legis ou ope judicis do eventual recurso e invertendo o ônus decorrente do tempo do processo5-6. Não se deve esquecer que nas hipóteses dos incisos II e III, o pronunciamento judicial pode ser de forma liminar (art. 311, §único, do CPC/15).

Uma questão deve ser enfrentada: qual o momento para a concessão da tutela de evidência?

Assim como a tutela de urgência, a de evidência também pode ser apreciada no curso do processo - inclusive de forma liminar - art. 311, II, III e §único, do CPC/15, desafiando o recurso de agravo de instrumento (art. 1015, I, do CPC/15), com o pedido de efeito suspensivo ou mesmo ativo no próprio recurso e com a garantia de sustentação oral (art. 937, VIII, do CPC/15) e em outras etapas procedimentais.

Aliás, uma hipótese que deve ser observada com muita cautela diz respeito à sua concessão na própria sentença, o que, como consequência, afasta o efeito suspensivo automático da apelação (art. 1012, §1º, V, c/c art. 1013, §5º, do CPC/15).

Destarte, como consequência do sistema de estabilização dos precedentes (art. 926-928, do CPC/15), deve o magistrado observar a necessidade de concessão de tutela de evidência no curso do processo ou mesmo na sentença, com a efetivação da ordem judicial independentemente da interposição da apelação7.

Aliás, nada impede que o apelante tente obter o efeito suspensivo judicial em relação ao capítulo da sentença que foi objeto de tutela de evidência, por meio do incidente previsto no art. 1012, §§3º e 4º, do CPC/15. Este incidente deve ser formulado diretamente no órgão ad quem, que posteriormente irá apreciar a admissibilidade e os efeitos da apelação (art. 1010, §3º, do CPC/15), inclusive com a prevenção do Relator (art. 1012, §3º, I, do CPC/15) ou, se a apelação já estiver no tribunal, deve ser dirigido ao Relator do recurso (art. 1012, §3º, II, do CPC/158).

  • Clique aqui para conferir a íntegra do artigo.
___________

1 Ao comentar o art. 311 do CPC, Daniel Mitidiero aduz que: "A hipótese do inc. III consiste em permitir tutela antecipada com base no contrato de depósito - trata-se de hipótese que veio tomar o lugar do procedimento especial de depósito previsto no direito anterior. Estando devidamente provado o depósito (arts. 646 e 648, CC), tem o juiz de determinar a entrega da coisa". In Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (coords). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 797.

2 A rigor, a urgência está ligada à própria demora na prestação jurisdicional e não como requisito obrigatório para a tutela provisória de evidência. Sobre o tema (urgência para a evidência) ver FUX, Luiz. Tutela de segurança e tutela de evidência. São Paulo : Saraiva, 1996, p. 306.

3 "Trata-se de uma tutela provisória, mas não de urgência, porquanto fundada exclusivamente na evidência do direito, não se cogitando de periculum in mora". WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil - artigo por artigo. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2015, p. 524.

4 No CPC/15, existem outros institutos, além das tutelas provisórias, que procuram contribuir para o alcance da efetiva duração razoável do processo. No tema, ver: CABRAL, Antônio do Passo. A duração razoável do processo e a gestão do tempo no projeto de novo Código de Processo Civil. In Novas tendências do processo civil - estudos sobre o projeto do novo Código de Processo Civil. FREIRE, Alexandre; DANTAS, Bruno; NUNES, Dierle; DIDIER JR, Fredie; MEDINA, José Miguel Garcia; FUX, Luiz; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe; OLIVEIRA, Pedro Miranda de (organizadores). Salvador : Juspodivm, 2013, pp. 75-99.

5 Fredie Didier Jr, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira escrevem que: "a parte que postula com base em fatos provados por documento e que sejam semelhantes àqueles que ensejaram a criação de tese jurídica vinculante em tribunal superior - tese esta invocada como fundamento normativo de sua postulação -, encontra-se em estado de evidência. Demonstra não só a improbabilidade de sucesso do adversário que se limite a insistir em argumentos já rejeitados no processo de formação do precedente, o que configuraria, inclusive, litigância de má-fé (por defesa infundada ou resistência injustificada, cf. art. 80, CPC). Não é razoável, assim, impor-lhe o ônus de suportar o tempo do processo sem usufruir do bem pretendido enquanto a parte adversa é beneficiada com a manutenção do status quo ante". Tutela provisória de evidência. In Tutela provisória. COSTA, Eduardo José da Fonseca; PEREIRA, Mateus Costa e GOUVEIA FILHO, Roberto P. Campos (coords) . Salvador: Juspodivm, 2015, p. 427.

6 Lucas Buril de Macedo entende que "a tutela de evidência, nesse contexto, pode ser conceituada como técnica processual para a distribuição do ônus do tempo no processo, adequada para os casos em que há grande probabilidade de que a parte vitoriosa ao fim, ocasionando uma cognição bastante próxima da convicção de verdade, o que acaba por tornar injusto que a parte provável vencedora aguente o tempo do processo sem usufruir o bem da vida, enquanto o sujeito que provavelmente não tem razão desfruta dele". Tutela antecipada de evidência fundada nos precedentes judiciais obrigatórios. In Tutela provisória. COSTA, Eduardo José da Fonseca; PEREIRA, Mateus Costa e GOUVEIA FILHO, Roberto P. Campos (coords) . Salvador: Juspodivm, 2015, p. 482.

7 "De fato, trata-se de pronunciamento que teria sido normalmente concedido liminarmente, mas, por alguma razão, não foi. Agora, no momento da sentença, a cognição já é exauriente - ainda assim, o juiz pode conceder uma "liminar" tardia, que não será mais uma liminar, mas um capítulo da sentença, em que se tutela a evidência (tardiamente percebida), ou a urgência (de que o juiz se deu conta em momento adiantado do processo - melhor agora, do que nunca; ou, então, porque a urgência configurou-se depois do início do processo e antes da sentença). Então, o fato é que, ainda que soe estranho, o juiz pode, sim, conceder tutela provisória na sentença". WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil - artigo por artigo. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2015, p. 1445.

8 Ricardo Licastro Torres de Melo, ao comentar o art. 1012, do CPC/15 (item 4), assevera que: "Os §§3º e 4º do art. 1012 do CPC/2015 cuidam do pedido de atribuição de efeito suspensivo á apelação recebível apenas no efeito devolutivo (incs. I a VI do §1º do art. 1012 sob análise). A competência para a apreciação deste pedido será do relator do recurso, observando-se o estágio em que se encontre o processo: (i) se o pedido de atribuição de efeito suspensivo à apelação ocorrer entre a interposição da apelação e sua distribuição, deverá ser dirigido ao Tribunal em petição autônoma contendo o arrazoado necessário (petição de atribuição de efeito suspensivo à apelação), que será apreciada tão logo designado o relator (a rigor, dar-se-á a distribuição deste pleito de efeito suspensivo, tornando prevento para o julgamento da apelação o relator que for designado para sua apreciação); (ii) se o pedido de atribuição de efeito suspensivo à apelação ocorrer quando já distribuída a apelação, deverá ser dirigido ao relator desta". In Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (coords). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, pp. 2242-2243.

José Henrique Mouta

VIP José Henrique Mouta

Mestre e Doutor (UFPA), com estágio em pós-doutoramento pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professor do IDP (DF) e Cesupa (PA). Procurador do Estado do Pará e advogado.

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