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EC 115/22 - A inclusão da proteção de dados pessoais como direito fundamental

A emenda constitucional cria uma sólida base de sustentação para reforçar a implementação da LGPD no Brasil, aprofundando e exigindo maior cuidado e aprimoramento das medidas públicas e administrativas.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Atualizado em 25 de fevereiro de 2022 12:19

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

"A normativa constitucional não deve ser considerada sempre e somente como mera regra hermenêutica, mas também como norma de comportamento, idônea a incidir sobre o conteúdo das relações entre situações objetivas, funcionalizando-as aos novos valores." Pietro Perlingieri1

Não é segredo atualmente que inúmeros negócios e empreendimentos necessitam de seu devido giro comercial/financeiro, e que no exercício de suas atividades-meio e fim, as empresas cada vez mais lidam com os mais diversos e distintos tipos de dados - inclusos dados pessoais. Este ciclo natural de dados, contudo, tem crescentemente recebido atenção regulatória, tanto na oferta e venda de produtos e serviços (ou em uma operação que una ambas naturezas), tanto para aqueles dados inseridos em documentos físicos / impressos, quanto no caso de contratação digital / eletrônica.

A ausência de regulação no tratamento de dados levantou questionamentos em todo globo, desde questões de simples inconvenientes até grandes problemas gerados pela gestão do big data. E com isso, atividade de tratamento de dados pessoais tem sido regulada, por meio de diversas legislações locais e/ou regionais que tratam de privacidade e tratamento de dados. Trata-se de movimento global que levanta a preocupação com a coleta e o uso de dados pessoais, em todas as suas esferas. Mas certamente não é um movimento para "acabar" com o uso de dados.

Conforme destacado por Bernard Marr, a coleta / mineração não regulamentada de dados acarreta "um conjunto totalmente diferente de problemas - problemas de privacidade e também o desequilíbrio de poder causado pela informação estar nas mãos de poucos, e não de muitos". E tais problemas de privacidade ecoam nos mais distintos níveis pessoais, dado que inúmeras vezes o titular do dado não tem a menor ideia do que autorizou, quantos e quais dados são utilizados e de que forma serão tratados seus dados (sensíveis ou não). Basta rememorar grandes escândalos mundiais de uso indevido de dados como o da Cambridge Analytica, que envolveu o Facebook, vazamentos de plataformas de games como a Sony, dentre outros casos, e a cada vez maior necessidade de preocupação com segurança cibernética/cyber security. E com isso chegamos aos atuais modelos regulatórios que estão sendo implementados ao redor do globo.

Desde 2014, o Brasil conta com uma regulamentação específica que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil, o chamado Marco Civil da Internet, instituído por meio da lei 12.965/142. Esta lei estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil e determina as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do DF e dos municípios em relação à matéria.

Em 2018 a proteção de dados no Brasil ganhou novos contornos com promulgação da LGPD - Lei Geral de Proteção de Dados, lei 13.709, de 14 de agosto3.

Agora, no corrente ano de 2022, a proteção de dados pessoais foi alçada a direito fundamental inscrito em nossa Constituição Federal, por meio da EC 115/224. Referida norma alterou a CF/88 para incluir a proteção de dados pessoais entre os direitos e garantias fundamentais, fixando a competência privativa da União para legislar sobre proteção e tratamento de dados pessoais. Destacamos que como norma constitucional que tem sua aplicabilidade imediata5.

Primeiro ponto de destaque, a EC resolveu uma questão que ainda mantinha debates acessos - a quem competiria criar normas e regras e legislar sobre proteção de dados pessoais -, debate que foi sepultado pela novidade legislativa, ao atribuir competência privativa à União (art. 22, XXX, da CF/88)6. Assim evitam-se disputas legislativas internas entre entes federativos, bem como traz confiabilidade e estabilidade às regras do tema.

Houve alteração também no art. 21 da CF, com acréscimo de inciso XXVI7, prevendo que compete à União organizar e fiscalizar a proteção e o tratamento de dados pessoais. Tal previsão justifica e gabarita a centralização das atividades na ANPD - Autoridade Nacional de Proteção de Dados, órgão da administração pública responsável por zelar, implementar e fiscalizar o cumprimento da LGPD em todo o território nacional. É órgão da administração pública federal, integrante da presidência da república, de natureza jurídica transitória e que poderá ser transformada pelo Poder Executivo em entidade da administração pública federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada à presidência da república8.

Segundo a EC 115/22, ao caput do art. 5º da CF/889 foi inserido um novo inciso LXXIX10, prevendo que "é assegurado, nos termos da lei, o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais". Com isso, a novel norma elevou a proteção dos dados pessoais (aplicados em quaisquer meios, físicos ou digitais) para o nível de cláusula pétrea constitucional, ingressando no rol de direitos fundamentais e inalienáveis, juntamente com o direito à vida, à liberdade, à segurança, à propriedade e a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, dentre tantos outros ali estabelecidos.

Segundo noticiado, o relator da proposta legislativa na Câmara dos Deputados, o deputado Orlando Silva, destacou que houve "contribuição da indústria e da sociedade civil", visando "potencializar a economia digital", e que "ao lado do marco civil da internet e da LGPD, a nova emenda constitucional conclui o que chamou de 'arquitetura normativa' da área", que certamente trás contribuição positiva e avanços futuros para a necessária autonomia plena para as atribuições legais da ANPD11. (Fonte "Agência Câmara de Notícias").

A EC 115/22 cria uma sólida base de sustentação para reforçar a implementação da LGPD no Brasil, aprofundando e exigindo maior cuidado e aprimoramento das medidas públicas e administrativas, bem como medidas de segurança, diligência, design e cultura de privacidade e compliance por parte de todos os agentes de tratamento (todos aqueles estabelecidos na própria LGPD bem como em normativas já expedidas e que venham a ser expedidas pela ANPD.

Reforçamos ser vital ter sempre em mente que a adequação legal e o planejamento são essenciais para manter a atividade regular e minimizar riscos jurídicos.

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1 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: Introdução ao direito civil constitucional. Tradução de Maria Cristina De Cicco. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar. 2002, pág. 12.

2 Lei 12.965/14. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Disponível aqui

3 Lei 13.709/18. LGPD. Disponível aqui

4 EC 115/22. Altera a Constituição Federal para incluir a proteção de dados pessoais entre os direitos e garantias fundamentais e para fixar a competência privativa da União para legislar sobre proteção e tratamento de dados pessoais. Disponível aqui.

5 EC 115/22. "Art. 4º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.". Disponível aqui.

6 EC 115/22. "Art. 3º O caput do art. 22 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte inciso XXX:  "Art. 22. (...) XXX - proteção e tratamento de dados pessoais.". Disponível aqui.

EC 115/22. "Art. 2º O caput do art. 21 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte inciso XXVI: "Art. 21. (...) XXVI - organizar e fiscalizar a proteção e o tratamento de dados pessoais, nos termos da lei.". Disponível aqui.

8 Lei 13.709/18. LGPD. "Art. 55-A. Fica criada, sem aumento de despesa, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão da administração pública federal, integrante da Presidência da República. § 1º A natureza jurídica da ANPD é transitória e poderá ser transformada pelo Poder Executivo em entidade da administração pública federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada à Presidência da República. § 2º A avaliação quanto à transformação de que dispõe o § 1º deste artigo deverá ocorrer em até 2 (dois) anos da data da entrada em vigor da estrutura regimental da ANPD". Disponível aqui.

9 CF/88 - art. 5º. Disponível aqui.

10 EC 115/22. "Art. 1º O caput do art. 5º da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte inciso LXXIX: "Art. 5º (...) LXXIX - é assegurado, nos termos da lei, o direito à proteção dos dados pessoais, inclusive nos meios digitais.". Disponível aqui.

11 Promulgada PEC que inclui a proteção de dados pessoais entre direitos fundamentais do cidadão - Emenda atribui à União as competências de legislar, organizar e fiscalizar a proteção e o tratamento de dados pessoais - Fonte: Agência Câmara de Notícias. Disponível aqui

Luís Rodolfo Cruz e Creuz

Luís Rodolfo Cruz e Creuz

Advogado. Sócio de Cruz & Creuz Advogados. Doutor em Direito Comercial pela USP (2019); Certificate Program in Advanced Topics in Business Strategy University of La Verne - Califórnia (2018); Mestre em Relações Internacionais pelo Programa Santiago Dantas UNESP/UNICAMP/PUC-SP (2010); Mestre em Direito e Integração da América Latina pelo PROLAM/USP (2010); LLM - Direito Societário, do INSPER (São Paulo) (2005); Bacharel em Direito pela PUC/SP. Autor do livro "Acordo de Quotistas - IOB-Thomson, 2007

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