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Coragem: na advocacia, na academia e na vida

Na vida, encontramos momentos em que nossa coragem é testada, dados os receios de confrontar um juiz, um acadêmico ou uma pessoa querida. Compartilho aqui reflexões sobre minha experiência pessoal.

quinta-feira, 10 de março de 2022

Atualizado em 11 de março de 2022 10:25

(Imagem: Arte Migalhas)

"A advocacia não é uma profissão para covardes". Esta frase de Sobral Pinto sempre me vem à mente ao meditar sobre quais decisões devo tomar na prática da advocacia e nas agruras da vida acadêmica e pessoal.

Não raras vezes, na atividade profissional, pensamos não apenas naquilo que é correto ou justo (a partir de nossos critérios subjetivos a respeito destes temas), mas também naquilo que pode nos acontecer caso tomemos uma dada atitude e isto se espraia para todas as áreas de nossa vida.

Entendemos que, na vida profissional, sempre há necessidade de exercitarmos a coragem, contudo, ser corajoso não significa ser descortês ou ofensivo, ao mesmo tempo, também não é na absoluta passividade que a coragem se encontra.

Na vida pessoal, nosso posicionamento varia. Nada nos beneficia uma coleção de troféus de vitórias em discussões nas quais perdemos amores e amizades. Algumas vezes, ignorar pequenos problemas pode ser uma atitude muito mais sábia do que se apresentar combativo a toda e qualquer divergência.

A exposição é baseada em experiências pessoais e seguirá o roteiro: i) exemplos de casos em que a tomada de uma dada atitude pode nos levar a consequências negativas; ii) a necessidade de coragem nestes momentos; e iii) considerações finais.

I)

A seguir, exponho de modo genérico situações enfrentadas por mim ao longo da advocacia e que me geraram grande preocupação em variados contextos da vida pessoal.

O exemplo clássico na advocacia é pensar a respeito de possíveis retaliações quando, diante de uma manifesta injustiça, sem ofensas pessoais, elevamos o tom do nosso discurso perante um magistrado. Será ele a pessoa a julgar o feito, podemos confiar no distanciamento entre os entreveros e a atividade profissional?

Particularmente, creio que não é possível semelhante dissociação, nós, como advogados, carregamos desafetos ao longo de nossa carreira e temos julgamentos enviesados (e até injustos) por conta de experiências pretéritas com uma dada pessoa. Não creio que seja diferente com outros indivíduos, sejam eles quem forem.

Será que dizer que algo não está certo, que algo não está sendo levado com a devida seriedade poderá prejudicar nossos clientes? Será que devemos engolir seco porque a pessoa a tomar a decisão ao final poderá agir de modo contrário à pretensão de nossos clientes? São questões que atormentam a todos os advogados diariamente.

Passando a outro exemplo, ao denunciar um plágio, por exemplo, somos acometidos pelo pensamento das repercussões negativas que podem derivar do resultado da análise, especialmente quando somos um peixe pequeno em um grande oceano. Ao fazer uma acusação tão grave, não se pode ser leviano ou infantil, deve-se fazer uma sustentação robusta, mas sem jamais tirar o benefício da dúvida e tampouco atacar pessoalmente os autores que supostamente nos plagiaram.

Trata-se de uma situação que pode nos prejudicar profissionalmente, sempre corre à boca pequena, em conversas de coxia, que fulano fez isto ou aquilo ou ainda que teve sua denúncia rejeitada (e nem sempre os relatos são efetivamente fidedignos). Muitas vezes, também, seremos atacados pessoalmente e somente quem viveu pode dizer sobre as feridas abertas por acusações falsas sobre si. Além disto, podemos ser objeto de "carteiradas" em uma comparação sobre o "tamanho do lattes" ou cargo ocupado por qualquer um dos envolvidos.

Na vida pessoal, sempre pensamos se vale a pena encarar uma determinada discussão ou não. Muitas vezes, o mais sábio a se fazer é ignorar, seguir a vida, desistir de ter razão e ser feliz, como se diz. Na vida pessoal, as repercussões são financeiramente menores e afetivamente maiores quando comparadas a situações de nossa atividade profissional.

Ninguém morre, vai preso ou perde seu patrimônio quando evita uma discussão de relacionamento ou simplesmente sai de um grupo de WhatsApp por conta dos atritos pessoais. Pode até ser que a pessoa seja mal falada, mas isso geralmente está restrito a um círculo de amizades que, como o tempo, reatam-se.

A vida está nos relacionamentos pessoais. É lá que estão nossos verdadeiros afetos, podemos ter satisfação da atividade profissional, mas isto não preenche o vazio existencial de uma vida compartilhada em qualquer forma de família ou de amor.

Talvez por isso, embora as repercussões sejam menores em uma escala financeira ou reputacional, devamos ser menos corajosos e mais empáticos em nossa vida pessoal. Ao fim e ao cabo, a alegria de nossa vida está naquela mesa de bar com amigos, nos abraços, nos beijos, no companheirismo, no afeto e no apoio que recebemos de quem nos ama.

II)

Passemos agora a como exercitar a coragem nos contextos anteriores.

Confunde-se, infelizmente, o exercício da coragem com a postura de enfrentamento aberto, como se a vida fosse uma guerra campal e na qual a maior quantidade de vitórias de Pirro tivesse alguma importância.

Engana-se quem pensa deste modo, a coragem reside em enfrentar as adversidades sem perder o domínio da empatia e da contenção. Isto é muito mais fácil de ser escrito do que de ser praticado e, vez ou outra, eu mesmo me vejo violando estas pequenas regras de ouro.

Quando me deparo com algo que julgo uma manifesta injustiça, procuro analisar as razões da decisão, redigir uma manifestação a respeito dela apresentando minhas razões e solicitar a oportunidade de despachar a petição.

Há decisões que ficam muito mais claras em uma conversa "informal" do que em um debate escrito. Não raras vezes, o magistrado pode ter argumentos muito fortes para decidir da maneira que decidiu e, se convencidos de tais argumentos, não há motivo para insistir. Também é corajoso assumir o erro.

Por outro lado, quando não convencidos, cumpre a nós, como advogados, apresentar razões pelas quais a decisão deve ser revista. Não há espaço para ofensas ao magistrado ou a qualquer pessoa. Perde-se a objetividade da discussão e, pior, desaparece nossa principal arma, a razão.

Caso a decisão seja mantida, recorre-se ao Tribunal ou ao Colégio Recursal, solicita-se audiência com o magistrado de revisão e apresentamos, mais uma vez, os motivos pelos quais a decisão nos parece equivocada.

A coragem está em comparecer, face a face, apresentar seus argumentos, buscar a reconsideração da decisão ou sua reforma. Não está em ofender qualquer pessoa por mais seguros que estejamos de nossa posição.

Também não devemos temer apontar falhas de nossos adversários. Se alguém, por mais graduado que seja, apropriou-se de alguma maneira de nossa produção intelectual, não se pode simplesmente abaixar a cabeça.

A retaliação poderá vir de inúmeras maneiras, sabe-se que todos os ambientes carregam em si algo de compadrio e uma pessoa influente provavelmente possui teias de relacionamentos muito maiores do que as nossas.

Contudo, um verdadeiro acadêmico busca estar próximo à verdade (não que haja, efetivamente, algo semelhante à exata correspondência entre conceito e objeto) e, por isto, não pode se negar ao embate. Se um acadêmico julga que houve apropriação de seu trabalho, não está em questão apenas a sua pessoa, mas a integridade de toda a academia e do sistema de publicações.

Evidentemente, podemos nos enganar e o melhor a fazer é indicar que há um possível plágio, jamais acusando de modo frontal outra pessoa, especialmente quando sequer a conhecemos. Consequência disto é a ausência de ofensa a terceiros, se não podemos ter certeza cartesiana sobre a prática do plágio, muito menos teremos em relação ao caráter da pessoa acusada, salvo algumas notáveis exceções.

Ao recebermos a resposta dos possíveis plagiadores, temos que nos preparar para ofensas pessoais, acusações infundadas e comparação entre lattes e cargos. Particularmente, creio que estas ofensas devem ser respondidas à altura. Não é porque alguém possui mais títulos ou mais tempo na academia que devemos baixar nossa cabeça, todas as inverdades devem ser replidas sem que se perca o foco na discussão objetiva, a ocorrência ou não do plágio.

Quando isto ocorreu comigo, dividi as questões em duas partes e arquivos: i) resposta objetiva à defesa quanto ao plágio; e ii) resposta às acusações pessoais. Além disto, solicitei a retirada de sigilo do procedimento, pois é importante saber como os acadêmicos se comportam quando não estão sendo vistos, é muito simples escrever páginas e páginas defendendo direitos e se portando como uma pessoa decente, outra, bem diferente, é ver como esta pessoa se comporta na prática. A coragem também está em se apresentar ao escrutínio público.

Por fim, na vida particular, creio que há inúmeras situações nas quais devemos "deixar passar", não podemos permitir que a prática da advocacia se torne um "modo de vida". Pelo contrário, reconhecer erros, conversar, entender o outro, isto sim é coragem. A coragem também contempla se abrir, mostrar-se vulnerável e pronto a corrigir os próprios erros.

Ao lado disso, quando devemos auxiliar aqueles a quem amamos, também é necessário coragem para enfrentar longas discussões, brigas e desentendimentos. Se realmente amamos uma pessoa, não podemos deixar de nos manifestar em determinadas situações, o que muito difere de tornar cada pequena divergência em uma discussão.

III)

Ao longo destas linhas, busquei apresentar algumas formas de como lidar com coragem em situações difíceis, seja na advocacia, seja na vida acadêmica, seja na vida pessoal.

Coragem não é sinônimo de ofensa ou de ataque, coragem é dizer o que precisa ser dito da forma mais educada possível, reconhecendo, também, que muitas vezes seremos vítimas de nossos instintos e podemos terminar por dizer mais do que deveríamos.

Ao lado disto, também há coragem em reconhecer erros e se submeter às consequências destes equívocos. Apenas os covardes mantêm sua palavra quando sabem, no interior, que agiram de modo errado.

Portanto, atuemos sempre com coragem, mas não de modo açodado. São estas as experiências que compartilho com o leitor.

Bruno Yudi Soares Koga

VIP Bruno Yudi Soares Koga

Doutorando em Direito Constitucional e mestre em Direito, Justiça e Desenvolvimento pelo IDP. Autor do livro "Precificação Personalizada". Advogado em São Paulo. Site: www.bkoga.com.br

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