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A extensa agenda para a regulamentação da BR do Mar

Com vistas a uma regulamentação clara, eficiente e inequívoca das previsões e disposições trazidas pela BR do Mar e que modificarão sobremaneira a navegação de cabotagem no país, melhor parece que as adequações normativas a serem promovidas pela Antaq sejam propostas de forma conjunta e simultânea.

segunda-feira, 14 de março de 2022

Atualizado às 16:33

(Imagem: Arte Migalhas)

Após um tumultuado período de debates protagonizado por importantes representantes do mercado, a lei 14.301/22, que cria o Programa de Estímulo ao Transporte por Cabotagem (a BR do Mar), foi sancionada no início de janeiro, contudo, com vetos de temas caros ao setor.

O desafio, agora, é possibilitar que os objetivos traçados pela BR do Mar - entre outros, ampliar a oferta e melhorar a qualidade do transporte por cabotagem, com o fomento à concorrência no modal e ampliação da frota empregada na navegação de cabotagem e incentivar a formação, a capacitação e a qualificação de profissionais marítimos brasileiros - sejam efetivamente alcançados.

Ora, ainda é necessário que diversos dispositivos chaves da lei sejam regulamentados. Fato é que uma ampla revisão normativa deverá ser promovida pela Antaq, em especial aquelas aplicáveis à navegação marítima editadas pela Agência, como as Resoluções Normativas 01/2015 - que estabelece os procedimentos e critérios para o afretamento de embarcações por empresa brasileira de navegação - e 05/2016 - que estabelece os critérios e procedimentos para a outorga de autorização para as empresas de navegação brasileiras (EBNs) operarem nas navegações de cabotagem.

A questão é que algumas dessas mudanças normativas somente poderão ser promovidas pela Antaq, após Atos do poder Executivo Federal, como, por exemplo, disposto no artigo 15 da BR do Mar, que prevê caber à Ato do poder Executivo Federal, as normas, os critérios e as competências para estabelecimento dos limites máximos de tolerância para identificação da equivalência de tonelagem de porte das embarcações. Somente após a edição de tal Ato poderá a Antaq, se assim lhe couber, rever suas disposições normativas relacionadas à esta matéria.

A agenda do governo federal é extensa. Coube ao Ministério da Infraestrutura elaborar a minuta do Decreto que regulamentará a maior parte dos dispositivos da lei, assim como elaborar a Portaria que regulamentará a forma pela qual as empresas de navegação brasileiras interessadas poderão se habilitar no programa.

A lei 14.301/22 estipulou expressamente que o disposto no seu artigo 14 fosse regulamentado pela Antaq, a quem cabe definir, por Norma, os critérios para o enquadramento da embarcação objeto de afretamento como operante, isto é, efetivamente empregada no transporte na navegação de cabotagem, e pertencente ao mesmo grupo econômico. Na dianteira das medidas relacionadas à regulamentação da BR do Mar, a Antaq colocou em consulta pública a proposta de Norma que visa estabelecer tais critérios. Curiosamente, contudo, a Agência, propôs conservar a obrigação da EBN em manter aprestada e em operação comercial as embarcações de sua propriedade ou afretadas a casco nu com suspensão de bandeira. Ora, não parece, ser o propósito contido no inciso I do artigo 14 da lei que instituiu a BR do Mar, ver regulamentado pela Antaq os critérios de enquadramento das empresas de navegação habilitadas na BR do Mar, mas sim e tão somente regulamentar o critério para o enquadramento como efetivamente operante da embarcação que é o objeto do afretamento.

A proposição de regulamentação apresentada pela Antaq não considera em sua proposta normativa a possibilidade de afretamento de embarcações estrangeiras na modalidade por tempo, prevista no artigo 5º da BR do Mar. Deve-se concluir, então, que as embarcações estrangeiras afretadas por tempo pelas EBNs habilitadas na BR do Mar não estão sujeitas a manter-se efetivamente operantes?

A regulamentação quanto aos critérios de enquadramento da embarcação afretada como pertencente a um mesmo grupo econômico foi proposta pela Antaq por meio da inclusão de novos dispositivos na Resolução 62, de 2021. Tal Resolução tem como objetivo "estabelecer as regras sobre os direitos e deveres dos usuários, dos agentes intermediários e das empresas que operam nas navegações de apoio marítimo, apoio portuário, cabotagem e longo curso, e estabelecer infrações administrativas". Em uma primeira análise, não parece ser pertinente definir os critérios de enquadramento das embarcações estrangeiras afretadas pelas EBNs habilitadas na BR do Mar como pertencentes a um mesmo econômico nessa Resolução, considerando não ser este seu propósito primordial. Esta definição deveria, sim, ser levada para a mesma Norma em que se propõe estabelecer os critérios relativos à embarcação efetivamente operante.

É fato que ambas situações de enquadramento da embarcação estrangeira afretada - seja ela efetivamente operante, seja pertencente a um grupo econômico - são pertinentes exclusivamente às empresas de navegação habilitadas na BR do Mar e, para um ambiente regulatório mais palatável ao mercado, melhor seria que fossem tratadas em Norma específica, junto com outros temas pertinentes exclusivamente às empresas de navegação habilitadas, e não por meio de inovações às Normas atuais, cujo alcance se estende bastante além da BR do Mar.  

Com vistas a uma regulamentação clara, eficiente e inequívoca das previsões e disposições trazidas pela BR do Mar e que modificarão sobremaneira a navegação de cabotagem no país, melhor parece que as adequações normativas a serem promovidas pela Antaq sejam propostas de forma conjunta e simultânea, ainda que somente após a regulamentação prevista por parte do poder Executivo Federal. Essa revisão normativa ampla é inevitável e essencial para se adequar a regulação atualmente existente às modificações introduzidas pela BR do Mar.

Alessander Lopes Pinto

Alessander Lopes Pinto

Advogado, sócio da boutique de advocacia LP Law - Lopes Pinto Advogados, com sede no Rio de Janeiro. Especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas e Direito Marítimo pela University of Southampton. Atuou como advogado contratado junto à ANTAQ - Agência Nacional de Transportes Aquaviários entre 2002 e 2005. É vice-presidente da Associação Brasileira de Direito Marítimo - ABDM. Foi vice-presidente para o Brasil do Instituto Iberoamericano de Direito Marítimo - IIDM ( 2016).

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