MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Qual o limite subjetivo do recurso adesivo numa visão constitucionalizada?

Qual o limite subjetivo do recurso adesivo numa visão constitucionalizada?

O ordenamento jurídico permite a interposição de recurso adesivo? Será que é possível haver uma ampliação subjetiva dos legitimados passivos? São essas problemáticas enfrentaremos no presente artigo.

terça-feira, 22 de março de 2022

Atualizado às 13:37

 (Imagem: Artes Migalhas)

(Imagem: Artes Migalhas)

Antes de entramos ao mérito da questão, importante definirmos o conceito de recurso adesivo e alguns de seus requisitos de admissibilidade.

O próprio Código de Processo Civil indica que, sendo vencidos autor e réu, ao recurso interposto por qualquer deles poderá aderir o outro. Inicialmente, temos que não se trata de uma modalidade de recurso autônomo, mas um recurso já existente no rol do art. 994 do CPC, com uma interposição diferenciada.

Desde já vale a informação de que, aquele que recorre autonomamente (recurso-tipo) não pode se valer do recurso adesivo, ainda que a outra parte venha a recorrer (preclusão consumativa)1.

O primeiro requisito que se observa, portanto, é a necessidade de sucumbência recíproca. Imaginemos, por exemplo, que o autor pleiteie em juízo a quantia de R$ 10.000,00 a título de danos materiais e obtenha, por sentença, a quantia de R$ 5.000,00. Resta claro, no exemplo dado, que ambas as partes sucumbiram.

Diante deste cenário, é possível a uma das partes aderir ao recurso da outra. Caso o autor apele visando majorar os danos morais, pode o réu, no prazo para contrarrazoar o recurso, interpor recurso adesivo visando afastar qualquer condenação. A recíproca é verdadeira.

Bom destacar que esse tipo de recurso é subordinado ao recurso independente (dito principal (para fins didáticos, mesmo com as ressalvas da doutrina e da jurisprudência quanto à nomenclatura)).

O art. 997 do CPC2 é bastante claro e aponta os demais requisitos dessa modalidade recursal.

Superado esse ponto introdutório, algumas questões interessantes e polêmicas surgem e precisam ser enfrentadas pela doutrina e jurisprudência.

A primeira diz respeito a necessidade, ou não, da matéria devolvida no recurso adesivamente interposto guardar relação com a matéria discutida no recurso principal.

O STJ já enfrentou o tema no REsp 1.675.996/SP 3, com a relatoria do ministro Paulo de Tarso Sanseverino e foi categórico ao afastar a necessidade de relação entre as matérias.

Para a corte, não há limitação alguma quanto à matéria a ser veiculada no recurso de apelação adesivo. Dito de outro modo, o recurso adesivo (que para parcela da doutrina deveria receber o nome de subordinado (por todos Araken de Assis))4, pode tratar de toda e qualquer matéria, como o recurso de apelação principal (recurso-tipo).

A decisão da corte superior parece acertada, vez que o art. 997 do CPC não estabelece nenhuma limitação neste sentido. E mais, em se tratando de recurso-tipo (apelação) com uma interposição diferenciada (adesiva) não parece correto a doutrina e a jurisprudência criarem exigências não previstas em lei.

No entanto, a leitura do julgado pode nos dar a falsa impressão da discussão ter aí se encerrado.

A pergunta que fica é a seguinte: seria possível, havendo litisconsórcio passivo e um deles recorrendo da sentença, o autor interpor um recurso de apelação adesivo visando atingir o outro réu que não recorreu.

Exemplificando: "A" move uma ação indenizatória contra "B" e "C". O juiz de primeiro grau condena "B" ao pagamento do valor total pleiteado, mas extingue o processo sem resolução de mérito quanto a "C". Poderia "A" se valer do recurso interposto por "B" para recorrer adesivamente com o intuito de mudar o decisum quanto a "C"?

O REsp 1.675.996/SP se aplicaria ao caso descrito ou aqui estamos diante de uma distinção (distinguishing)?

Antes de respondermos à questão, temos que ter em vista as exigências do art. 997, caput, do CPC de 15: "sendo vencido autor e réu, ao recurso interposto por qualquer deles poderá aderir o outro".

Ou seja, o primeiro requisito legal é a exigência de sucumbência recíproca. Note que no exemplo dado, pelo menos a priori, "B" não sucumbiu.

É verdade que analisar a questão da sucumbência atualmente se tornou tarefas das mais árduas.

Com a preferência expressa do CPC pelo julgamento de mérito, inclusive com a possibilidade de superar vícios formais desde que em benefício daquele que o aproveitaria, é possível imaginarmos sucumbência no caso em testilha (vide art. 488 do CPC)5. É que pode ser mais vantajoso ao réu uma decisão meritória.

E mais, imaginemos uma decisão de mérito em desfavor de um litigante habitual, em que o juiz julgue improcedente os pleitos do autor por ausência de dano. Pode ser que no caso concreto seja mais interessante para esse réu uma improcedência por ilegitimidade, para desestimular novas demandas em seu desfavor.

Deixando essa polêmica de fora6, uma vez que precisaríamos nos afastar do viés endoprocessual e clássico dos efeitos da sucumbência, duas situações passam a ser possíveis:

Hipótese 1: os 2 (dois) réus são condenados a pagar a quantia de R$ 5.000,00, sendo que o autor, em sua peça inicial, pleiteou os valores de R$ 10.000,00 e somente um dos réus recorre da decisão.

Hipótese 2: um réu é condenado ao pagamento de R$ 5.000,00, sendo que o autor, em sua peça inicial, pleiteia os valores de R$ 10.000,00. O outro é considerado parte ilegítima pela sentença. O réu condenado, e somente ele, recorre da decisão.

De antemão, uma discussão que parece não merecer maiores debates é quanto a impossibilidade de recurso adesivo entre integrantes do mesmo polo da demanda. Na hipótese de um corréu aderir à apelação de outro réu, sem que a parte autora tenha recorrido, o recurso não deve ser conhecido.7

Mas voltemos à questão posta. E se o autor aderir ao recurso de apelação do réu "A", pretendo modificar a esfera de direito do réu "B", seria possível?

Se tomarmos como premissa que o recurso adesivo é idêntico à apelação principal (recurso-tipo) a resposta imediata tende a ser afirmativa.  

No entanto, nessa hipótese teríamos que criticar a decisão do TJ/SP vista há pouco.Ora, se o recurso de apelação adesivo é um recurso sem nenhum requisito diverso do principal (recurso-tipo), há que se admitir que a parte adira ao recurso de quem esteja no mesmo polo da ação.

Ocorre que o art. 997, § 1º, do CPC possui algumas peculiaridades. A primeira delas, que acena inclusive para um acertamento da decisão do tribunal bandeirante é a expressão "poderá aderir o outro".

Analisando a redação completa do artigo, não parece restarem dúvidas de que o legislador permitiu a parte aderir o recurso da outra parte, no sentido de polo da relação jurídica. Portanto, de fato, incabível aderir recurso de quem se encontra no mesmo polo da demanda.

O segundo ponto que se faz necessário enfrentarmos é o real alcance da expressão sucumbência recíproca prevista no § 1º do art. 997.

Veja que o recurso adesivo tem no seu nascedouro uma conformação da parte com a decisão. Trocando em miúdos e em uma interpretação ontológica, "o autor não tinha interesse no prosseguimento do processo em sua fase recursal, mas considerando que seu adversário recorreu (e que, portanto, o processo necessariamente prosseguirá à fase recursal), ele também recorre, mas de forma adesiva, subordinado ao principal".9

Essa análise isolada poderia nos levar a responder afirmativamente à questão de forma indistinta (para às duas hipóteses sugeridas).

A pergunta, contudo, encontra-se parcialmente respondida, precisamos aprofundar o debate e, numa visão sistêmica constitucional, encontrar os requisitos exigidos para o cabimento do recurso na modalidade adesiva. Vejamos:

Quanto a sucumbência recíproca, parcela significativa da doutrina e o próprio STJ, a entendem que sua análise deve considerar toda decisão e não os capítulos de forma isolada.10

Por isso é cabível veicular capítulo diverso do devolvido ao tribunal pelo recurso principal, como inclusive já vimos. Mas será que o CPC não estabeleceu nenhuma limitação ao adesivo? Seria possível, além de veicular capítulo diverso (matéria), trazer legitimado passivo recursal que não se valeu do recurso autônomo (principal)?

Fredie Didier Jr e Leonardo Carneiro da Cunha, em sua obra, embora não trate diretamente da questão, dizem que somente se admite a interposição de recurso adesivo, se a parte pudesse ter interposto o recurso principal, ou seja, apenas se pode aderir recurso que se poderia interpor.

Mais à frente, diz que se o impetrado de mandado de segurança originário em tribunal de justiça, tem concedida uma parte da segurança, e denegada a outra, não cabe, a despeito da sucumbência recíproca, recurso adesivo. É que, segundo o autor, ao impetrante se franqueia a interposição do recurso ordinário, enquanto o impetrado deve interpor recurso especial ou extraordinário.11 12

Portanto, se na segunda hipótese apresentada "B"" não possui interesse recursal por não ter sucumbido, teríamos dois óbices para que eventual recurso adesivo de "A" seja contra ele direcionado: ausência de sucumbência recíproca e a impossibilidade de "B" interpor o recurso de apelação. 

Partindo das bem lançadas premissas do consagrado autor, passemos a enfrentar diretamente às duas hipóteses.

De antemão, a resposta mais adequada para primeira parece ser afirmativa.

É que todos os requisitos estabelecidos para a interposição do recurso adesivo encontram-se preenchidos.

Autor e réus sucumbiram na demanda. Há, portanto, sucumbência recíproca.

Neste cenário, tanto o autor quanto réu podem interpor o recurso tipo e podem, por consequência, se valer da técnica da interposição adesiva.

Uma única observação, no entanto, parece ser necessária. Na hipótese em questão, caso o autor se valha do recurso adesivo de um dos réus para atingir a esfera de direito do outro, deve ser franqueado a esses outro (réu) a possibilidade de interposição de recurso adesivo (recurso esse que irá aderir ao recurso adesivo interposto pelo autor).

Embora a ideia possa parecer absurda, uma visão sistêmica e constitucional autoriza essa afirmação. De prima, e como já vimos, temos que ter em mente que o recurso adesivo não é uma nova modalidade recursal, mas um recurso já existente com uma interposição diferenciada.

Ora, se os demais réus não recorreram da demanda, não há que se falar em preclusão consumativa. Mais que isso, o segundo critério também estaria preenchido, já que estará esse réu aderindo ao recurso interposto pela outra parte.

Também temos a existência de sucumbência recíproca, dado que autor e réu foram parcialmente vencedores e parcialmente vencidos na demanda. Dito de outro modo, ambos poderiam interpor o recurso-tipo (apelação). E note, que embora o autor tenha se válido da modalidade adesiva para interpor a apelação, ao fim e ao cabo, essa seria a primeira vez que o réu, que só veio a ser legitimado passivo no adesivo, estaria ameaçado de uma nova decisão.

Conferir esse direito (recurso adesivo no recurso adesivo) seria a melhor forma de assegurar a isonomia, não criando uma disfunção sistêmica e, consequentemente, uma ausência de paridade de armas. Teríamos aqui uma observância ao devido processo legal constitucional.

Uma observação de cunho prático, no entanto, se faz necessária. Tendo em vista uma ausência de posicionamento jurisprudencial, para que não se corra nenhum risco de não reconhecimento, parece ser mais seguro a interposição do recurso-tipo da forma principal.

Já na segunda hipótese, a resposta parece ser negativa, no sentido de impossibilidade de o recurso adesivo expandir subjetivamente à B, de modo a prejudicar o réu cuja ilegitimidade restou reconhecida.

É que não havendo sucumbência recíproca, não há que se falar na possibilidade do réu, vencedor na integralidade da demanda, apelar. Esse tópico, por si só, obsta a possibilidade de recorrer adesivamente visando prejudicar o réu que não apelou e teve sua ilegitimidade reconhecida.

Conclusão.

Como vimos, o recurso adesivo só poderá atingir a esfera de litisconsorte que não recorreu caso a análise individualizada aponte para sucumbência recíproca entre todos os litigantes e o preenchimento de todos os requisitos do art. 997 do CPC. Mais que isso, o recurso-tipo deve ter sido interposto por quem figure no outro polo da demanda, sendo admitida a interposição desse (adesivo) caso quem se valha dele não tenha interposto o recurso principal (caso contrário haverá preclusão consumativa) e, nessa hipótese, há que se franquear a possibilidade, ao réu incluído no adesivo, de interpor novo recurso adesivo.

_____

1 STJ, 2.T, REsp 1.197.761/RJ, rel. min. Humberto Martins, rel. p/ acórdão min. Mauro Campebell, j. 20/03/2012, dje 27/06/2012.

2 art. 997. Cada parte interporá o recurso independentemente, no prazo e com observância das exigências legais.

§ 1º sendo vencidos autor e réu, ao recurso interposto por qualquer deles poderá aderir o outro.

§ 2º o recurso adesivo fica subordinado ao recurso independente, sendo-lhe aplicáveis as mesmas regras deste quanto aos requisitos de admissibilidade e julgamento no tribunal, salvo disposição legal diversa, observado, ainda, o seguinte:

I - será dirigido ao órgão perante o qual o recurso independente fora interposto, no prazo de que a parte dispõe para responder;

II - será admissível na apelação, no recurso extraordinário e no recurso especial;

III - não será conhecido, se houver desistência do recurso principal ou se for ele considerado inadmissível.

3 https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1856662&num_registro=201701314005&data=20190903&formato=PDF

4 Araken de Assis (in Manual dos Recursos, Ed. RT, 2017, Parte 1, subitem 3.3.1): 

Levantamento extremamente minucioso e exato evidenciou que há imprecisões terminológicas, e, neste terreno, todo cuidado é pouco. (...) Por idêntico motivo, o emprego do "verbo aderir (e das palavras cognatas) com relação a hipóteses em que uma das partes recorre e o litigante adverso, em razão disso, vem pleitear por sua vez, do órgão ad quem, resultado mais favorável ao seu próprio interesse", presta-se a inúmeras dúvidas. Embora não implique a abertura da segunda instância, a adhesión espanhola é um recurso autônomo, porque não fica subordinada à sorte da apelação principal; porém, como o recurso do art. 997, § 1.°, serve para "contrarrestar la expectativa de reforma favorable de la sentencia de instancia, respecto al apelante principal, permitiendo al tribunal dictar una resolución conforme a las pretensiones del apelado convertido en apelante adhesivo". É apenas apelação interposta posteriormente, derivada da primeira, mas não há propriamente adesão, nem subordinação. A diferença entre a autêntica adesão, verificada nos casos de sucumbência paralela, suportada pelos litisconsortes, e o recurso subordinado evidencia se no preciso regime português. É também bastante similar o regime do Anschliessung ou Anschlussberufung. A esse propósito, todavia, há observações discrepantes e não poucos autores equiparam a disciplina tedesca à italiana.

Essas distinções recomendam que, à figura prevista no art. 997, § 1.°,seja designada como recurso subordinado, evitando-se a ambígua fórmula "recurso adesivo". O único sentido razoável da última é o de "adição à vontade de recorrer do recorrente principal". A palavra imprópria, porém consagrada no uso corrente (e nos regimentos internos dos tribunais), nenhum prejuízo traz ao recorrente.

5 Art. 488. Desde que possível, o juiz resolverá o mérito sempre que a decisão for favorável à parte a quem aproveitaria eventual pronunciamento nos termos do art. 485.

6 O entendimento dos tribunais e da doutrina clássica é de que a parte não pode recorrer para discutir simples fundamento (por todos CUNHA, Leonardo José Carneiro da; DIDIER JR., Fredie. Meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. 17ª.ed. Salvador: JusPodivm, 2020, p.200).

7 (TJSP;  Apelação Cível 1015332-88.2017.8.26.0100; Relator (a): Carlos Nunes; Órgão Julgador: 31ª câmara de direito privado; Foro Central Cível - 17ª Vara Cível; Data do julgamento: 14/09/2018; Data de Registro: 14/09/2018)

8 TJSP;  Apelação Cível 1015332-88.2017.8.26.0100; Relator (a): Carlos Nunes; Órgão Julgador: 31ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 17ª Vara Cível; Data do Julgamento: 14/09/2018; Data de Registro: 14/09/2018

9 DONOSO, Denis; SERAU JUNIOR, Marco Aurélio. Manual dos recursos cíveis teoria e prática. 6ª.ed. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 65. 

10 Por todos: CUNHA, Leonardo José Carneiro da; DIDIER JR., Fredie. Meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. 17ª.ed. Salvador: JusPodivm, 2020, p.198. STJ, 2.T., REsp 1.276.739/RS, rel. Min. Mauro Campbell, j. 17/11/2011, Dje 28/11/2011.

11 CUNHA, Leonardo José Carneiro da; DIDIER JR., Fredie. Meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. 17ª.ed. Salvador: JusPodivm, 2020, p.196.

12 Há para doutrina a possibilidade de interposição de recurso extraordinário ou especial cruzado (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 12. Ed., v.5, cit., p. 329.

João Otávio Spilari Góes

João Otávio Spilari Góes

Advogado, sócio na Góes, Pedroso & Reginato Advogados Associados, especialista em Processo Civil pela USP e especialista em Direito Civil pela EPD.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca