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Cinco pontos que você precisa saber sobre o novo marco legal das ferrovias

A aprovação expressa do projeto de lei do novo marco das ferrovias aconteceu com uma promessa de reabertura de alguns temas polêmicos após a sanção.

quarta-feira, 23 de março de 2022

Atualizado às 08:17

(Imagem: Arte Migalhas)

O novo marco legal das ferrovias (lei 14.273/21) é conhecido, sobretudo, por ter consolidado a base legal das autorizações ferroviárias, permitindo a outorga de direito privado para exploração de infraestruturas e serviços de transporte ferroviário, setor que antes estava restrito a agentes selecionados por prévia licitação para atuar como concessionários de serviços públicos.

Não negamos que a instituição da autorização ferroviária em nível nacional seja a principal inovação do novo marco, que abre a possibilidade de construção e operação de ferrovias em regime privado, alternativo ao regime público de concessão.

Nas autorizações há mais liberdade e mais responsabilidade por parte dos privados: o risco da operação e dos investimentos é privado e a regulação incidente é, por consequência, mais branda.

A atenção às autorizações não é vã: diante desse novo regime há expectativa de que as autorizações sejam um vetor para expansão das ferrovias na matriz de transporte brasileira. Conforme dados recentemente divulgados pelo Ministério da Infraestrutura, o programa federal de autorizações ferroviárias ("Pró-Trilhos") chegou à marca de 27 contratos já assinados, com investimentos projetados no montante de R$ 133,24 bilhões.

Nesse texto, contudo, faço o convite para que seja feira uma visão panorâmica do novo marco das ferrovias, para reafirmar que ele não se restringe à previsão do regime das autorizações ferroviárias. Vamos, então, aos cinco pontos do novo marco legal das ferrovias que merecem a sua atenção.

1. Antes da sanção do novo marco, havia uma MP... e a  MP não foi convertida em Lei 
O projeto de lei que originou o novo marco legal das ferrovias foi de iniciativa do Senado e data de 2018. Sua tramitação refletiu os tempos e movimentos típicos da atividade política, sobretudo considerando a multiplicidade dos interesses envolvidos na alteração do regime jurídico dos serviços de transporte ferroviário.

A pressão dos interessados cresceu em virtude da morosidade da tramitação no Senado e foi encampada pelo governo federal, que editou a MP 1065 com o mesmo tema do projeto de lei que estava em curso no Congresso.

A MP apresentou, ainda, algumas alterações que eram demandadas pelo setor privado.

A pressão funcionou: o Senado aprovou o PLS 261 com diversas alterações propostas no texto da MP 1.065.

Destaca-se que essa aprovação ocorreu dias após o protocolo de diversos pedidos de autorização para construção de ferrovias em regime de direito privado com fundamento nas disposições da MP 1.065: a confirmação do interesse do mercado, com a respectiva promessa de investimentos privados relevantes, incentivou a formação de coalizão entre governo e oposição para aprovação do projeto.

Houve um acordo político para não votação da MP com objetivo de promover a rápida aprovação do novo marco legal pela Câmara dos Deputados. Como? Bastaria que o PL fosse aprovado sem alterações de suas disposições anteriormente definidas pelo Senado e assim foi feito.

A medida evitou o retorno do projeto ao Senado antes da respectiva sanção presidencial, que ocorreu em 23 de dezembro.

O resto dessa história é de conhecimento geral. O novo marco das ferrovias chegou tal qual presente de Natal e fez surgir uma pergunta: o que aconteceria com os pedidos de autorização protocolados à luz da MP 1065? Ainda que a MP e a lei 14.273/21 tenham grande semelhança, há pontos de dissidência entre elas.

Um dos principais pontos de diferença entre os diplomas legislativos envolve a competência para prática dos atos durante o processo de autorização.

Na vigência da MP, o Ministério da Infraestrutura era o responsável por receber as propostas, analisar e emitir as autorizações, ficando a ANTT apenas com uma análise de viabilidade locacional dos pedidos.

No novo marco legal, a ANTT tem posição de maior protagonismo na condução do processo - à semelhança do que acontece em outros setores que privilegiam a atuação das respectivas agências reguladoras nesse processo.

Diante desse impasse, algumas soluções têm sido discutidas pelo governo federal. Segundo informações divulgadas pela Agência Infra, a ANTT tem trabalhado na identificação de quais pontos de regulamentação precisam ser implementados para que a ANTT assuma processos em curso sem que se perca o processo anteriormente conduzido pelo Ministério da Infraestrutura.

Que vença a segurança jurídica! 

2. Novos entrantes à vista?
Conforme dados divulgados pelo Ministério da Infraestrutura, são esperados novos operadores para logística ferroviária de transportes pois doze das quinze autoras dos projetos autorizados são estreantes no setor: trata-se de empresas originalmente vinculadas a terminais de uso privados (TUPs) em portos brasileiros ou mesmo os donos da carga desejosos de ingressar no braço logístico ferroviário de seus negócios.

O interesse de outros agentes além das concessionárias em atuação pode ser sinal de diversificação, mas não uma garantia. O novo marco legal flexibiliza uma (de várias) barreiras aos novos entrantes no mercado de transporte ferroviário, qual seja, a ampliação dos regimes de outorga, com alternativas ao rígido regime concessório.

A superação de outras barreiras de entrada que dificultam a maior competitividade no setor depende de uma atuação sistêmica, em nível de política pública e regulação: a Lei ajuda mas não faz milagre. 

3. A hora e a vez dos investimentos privados em ferrovia 

Além da autorização, o novo marco legal das ferrovias objetiva simplificar e conferir maior segurança jurídica ao investimento privado em ferrovias. Os incentivos aparecem em diversos dispositivos, veja: 

> Regras claras para a desativação ou a devolução de trechos ferroviários outorgados antes da vigência da lei 13.448/17 (art.15)
> Uma solução para um antigo problema para o investimento em malha de terceiros ocorre pela positivação legislativa das regras para habilitação de usuário investidor (art 16) e para atuação de investidores associados
No caso do usuário investidor:

a) há livre pactuação quanto  à forma, aos prazos, aos montantes e à compensação financeira desses investimentos. Regra geral, bastará enviar tais contratos para o regulador para informação e registro.
b) A prévia anuência pelo regulador só deverá ocorrer  caso os investimentos previstos impliquem obrigações cujo cumprimento ultrapasse a vigência do contrato outorgado por concessão, revisão do teto tarifário ou outra forma de ônus para o ente público.
c) E em qualquer caso, os direitos e as obrigações previstos no contrato firmado entre o usuário investidor e a operadora ferroviária estendem-se a seu eventual sucessor, nos termos da regulamentação.

> Para investimentos associados

a) As operadoras ferroviárias são autorizadas a receber investimentos de investidores associados para construção, aprimoramento, adaptação, ampliação ou operação de instalações adjacentes, com vistas a viabilizar a prestação ou melhorar a rentabilidade de serviços associados à ferrovia.
b) As condições de investimento são ajustadas contratualmente e o regulador só intervém previamente caso os investimentos obrigações ou amortizações cujo cumprimento ultrapasse a vigência da concessão, .
c) Nesse caso, Os direitos e as obrigações previstos no contrato firmado entre o investidor associado e a operadora ferroviária estendem-se a seu eventual sucessor, nos termos da regulamentação.
d) Diferentemente do regime aplicável ao usuário investidor, é  vedada a revisão do teto tarifário ou outra forma de ônus para o ente público no escopo do contrato referido no § 1º deste artigo.

> Previsão de entidade de autorregulação que será entidade associativa constituída pelas operadoras ferroviárias para gerenciar, mediar e dirimir questões e conflitos de natureza técnico-operacional - a exemplo da avaliação e aprovação de rol de seguros e meios alternativos de garantia (art.11) 

4. O marco das ferrovias é novo, mas já tem mudanças à vista 

A aprovação expressa do projeto de lei do novo marco das ferrovias aconteceu com uma promessa de reabertura de alguns temas polêmicos após a sanção.

Por essa razão espera-se que o governo encaminhe ao Congresso uma nova MP, com pontos que a Câmara desejava alterar na proposta aprovada no Senado.

Considerando o histórico de discussões e divergências entre Câmara e Senado, é provável que essa MP contemple ao menos quatro aspectos, quais sejam:

1) critério de desempate em pedidos de autorização para trechos iguais;
2) publicidade dos pedidos de autorização; 
3) regras aplicáveis aos pedidos de autorização de trechos em áreas de influência de concessão ferroviária e
4) prazo para início de obras de um pedido de autorização.

O profissional da infraestrutura não pode se queixar de tédio. 

Mariana Magalhães Avelar

Mariana Magalhães Avelar

Advogada do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados, com atuação principal nas áreas de Infraestrutura & Projetos e Anticorrupção & Improbidade.

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