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O reconhecimento do direito de reaver o indébito tributário por meio do mandado de segurança

Embora o mandado de segurança, em tese, não seja substitutivo da ação de cobrança, muito menos produza efeitos patrimoniais em relação a período pretérito ao ajuizamento, no âmbito tributário, é possível que se reconheça o indébito na via mandamental.

sexta-feira, 29 de abril de 2022

Atualizado às 13:28

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O mandado de segurança, previsto no art. 5º, LXIX e LXX, da Constituição Federal, e disciplinado pela lei 12.016/09, é o remédio constitucional para proteção de direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, ameaçado ou lesionado por ato de autoridade pública ou no exercício de típica função pública.

Trata-se de procedimento documental, consubstanciado pela certeza e liquidez do direito do impetrante, o qual deve demonstrar, por meio de prova pré-constituída, no momento da propositura do mandamus, a lesão ou ameaça de lesão ao seu direito por ato de autoridade pública.

No âmbito tributário, o cabimento do mandado de segurança se dá para atacar ato comissivo ou omissivo de autoridade fiscal, praticados no procedimento administrativo fiscal ou fora dele, conforme lição de Marco Antônio Rodrigues1.

Os efeitos patrimoniais do mandado de segurança e as súmulas 269 e 271 do STF

Por força da súmula 269 do STF, o mandado de segurança, em regra, não é substitutivo da ação de cobrança.

Conforme assentado pelo min. Gilmar Mendes2, "o mandado de segurança não se presta aos fins de ação de cobrança, de forma que a concessão da segurança não produz efeitos patrimoniais em relação ao período anterior à impetração".

No mesmo sentido, a súmula 271 do STF estabelece que a concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação ao período pretérito. Tais valores devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria.

Assim, segundo Marco Antônio Rodrigues3, "o mandado de segurança somente produz efeitos patrimoniais a partir da sua propositura, não gerando título executivo para cobrança de períodos pretéritos à sua impetração".

O reconhecimento do direito de reaver o indébito por compensação ou restituição

Não obstante o teor das súmulas acima referidas, há que se destacar que o mandado de segurança é via processual adequada para que a autoridade coatora seja compelida a reconhecer o direito do contribuinte de reaver o indébito por compensação ou restituição tributária.

Ora, o reconhecimento do direito à compensação ou restituição, o que for mais conveniente ao contribuinte, de eventuais indébitos recolhidos anteriormente à impetração, ainda não atingidos pela prescrição, não importa em produção de efeito patrimonial pretérito.

Isto porque não há quantificação dos créditos a compensar/restituir e, por conseguinte, não há provimento condenatório em desfavor da Fazenda Pública à devolução de determinado valor, o qual deverá ser calculado posteriormente pelo contribuinte e pelo fisco no âmbito administrativo, segundo o direito declarado judicialmente ao impetrante.

Vale notar que, de fato, o respeito ao direito à compensação/restituição de créditos tributários, via mandado de segurança, constitui-se como garantia dos contribuintes na concretização da sua cidadania fiscal.

Nesse sentido, vale destacar interessante precedente da segunda turma do STJ, no qual foi assegurado o direito de o contribuinte buscar a restituição do indébito na via administrativa, após o trânsito em julgado do processo judicial, em REsp assim ementado, senão vejamos:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. RESTITUIÇÃO ADMINISTRATIVA DE INDÉBITO RECONHECIDO JUDICIALMENTE. POSSIBILIDADE. 1. O acórdão recorrido concedeu a segurança para reconhecer a não incidência do IRPF sobre a alienação de determinadas participações societárias, considerando que incide a isenção estabelecida pelo Decreto-lei 1.510/1976, mas indeferiu restituição do tributo pago na venda de ações realizadas em 2004, por entender inadequada a via mandamental para essa finalidade, por incidência da Súmula 269/STF ("o mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança"). Deferiu, porém, o pedido subsidiário de compensação. O Recurso Especial versa apenas sobre a pretensão do contribuinte de poder formular pedido administrativo de restituição do indébito reconhecido... 3. Se a pretensão manifestada na via mandamental fosse a condenação da Fazenda Nacional à restituição de tributo indevidamente pago no passado, viabilizando o posterior recebimento desse valor pela via do precatório, o Mandado de Segurança estaria sendo utilizado como substitutivo da Ação de Cobrança, o que não se admite, conforme entendimento cristalizado na Súmula 269/STF. Todavia, não é o caso dos autos. O contribuinte pediu apenas para que, reconhecida a incidência indevida do IRPF, ele pudesse se dirigir à autoridade da Receita Federal do Brasil e apresentar pedido administrativo de restituição. Essa pretensão encontra amparo no art. 165 do Código Tributário Nacional, art. 66 da Lei 8.383/1991 e art. 74 da Lei 9.430/1996... 5. "O entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça, inclusive já sumulado (Súmula nº 461 do STJ), é no sentido de que 'o contribuinte pode optar por receber, por meio de precatório ou por compensação, o indébito tributário certificado por sentença declaratória transitada em julgado'. Com efeito, a legislação de regência possibilita a restituição administrativa de valores pagos a maior a título de tributos, conforme se verifica dos art. 66 da Lei nº 8.383/1991 e 74 da Lei nº 9.430/1996" (REsp 1.516.961/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 22/03/2016). 6. Recurso Especial provido para assegurar o direito de o contribuinte buscar a restituição do indébito na via administrativa, após o trânsito em julgado do processo judicial (STJ - REsp: 1642350 SP 2016/0306096-6, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 16/03/2017, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/04/2017) (grifou-se).

Mas não é só. No mesmo sentido do julgado, destaca-se o voto do min. Herman Benjamin no julgamento do REsp: 1.873.758/SC, reconhecendo o direito de o contribuinte buscar, por meio do mandado de segurança, a restituição do indébito na via administrativa, após o trânsito em julgado do processo judicial:

"Se a pretensão manifestada na via mandamental fosse a condenação da Fazenda Nacional à restituição de tributo indevidamente pago no passado, viabilizando o posterior recebimento desse valor pela via do precatório, o Mandado de Segurança estaria sendo utilizado como substitutivo da Ação de Cobrança, o que não se admite, conforme entendimento cristalizado na Súmula 269/STF.

Todavia, não é o caso dos autos. O contribuinte pediu apenas que ele pudesse se dirigir à autoridade da Receita Federal do Brasil e apresentar pedido administrativo de restituição/ressarcimento. Essa pretensão me parece encontrar pleno amparo no art. 165 do Código Tributário Nacional, que estabelece: (...)

Sobre o tema, invoco recente acórdão desta Segunda Turma, da relatoria do Min. Mauro Cambpell Marques, no qual proferi voto-vista, admitindo a possibilidade de restituição administrativa de tributos que decisão judicial reconheceu terem sido pagos a maior: (...) (REsp 1516961/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/02/2016, DJe 22/03/2016).

Registro que, apresentado o pedido administrativo de restituição do indébito reconhecido judicialmente, as autoridades da Receita Federal poderão analisá-lo e, apenas após constatarem a sua regularidade, determinarão o pagamento.

Por tudo isso, conheço parcialmente do Recurso Especial, apenas em relação à preliminar de violação dos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015, e, nessa parte, dou-lhe parcial provimento para assegurar o direito de o contribuinte buscar a restituição do indébito na via administrativa, após o trânsito em julgado deste processo judicial (...)" (STJ - REsp: 1873758 SC 2020/0109955-6, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 16/06/2020, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/09/2020).

Ora, pelo disposto nos julgados acima, é possível perceber que a vedação à geração de efeitos pretéritos ao mandado de segurança não abrange o reconhecimento do direito líquido e certo do contribuinte em reaver o indébito tributário mediante compensação ou restituição tributária na via administrativa.

Essa pretensão, inclusive, encontra amparo no art. 165 do Código Tributário Nacional, o qual prevê que "o sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento", nos casos previstos em lei.

Assim, uma vez reconhecida a incidência indevida de determinado tributo, pela via do mandado de segurança, o contribuinte possui direito líquido e certo de reaver o indébito por compensação ou restituição na via administrativa.

Da restituição judicial do indébito em sede de mandado de segurança

Nessa toada, considerando a possibilidade de reconhecimento do direito de compensação tributária, é possível a expedição de precatório em mandado de segurança tributário?

Em um primeiro momento, a pretensão da condenação do fisco à restituição do indébito tributário pela via mandamental, com o posterior recebimento desse valor pela via do precatório, esbarra no entendimento cristalizado na súmula 269/STF, visto que o mandado de segurança estaria sendo utilizado como substitutivo da ação de cobrança.

Ocorre que alguns tribunais possuem entendimento diverso acerca da possibilidade de cobrança judicial do indébito pela via mandamental, especialmente em razão da disposição da súmula 461 do STJ.

A súmula 461 do STJ dispõe que "o contribuinte pode optar por receber, por meio de precatório ou por compensação, o indébito tributário certificado por sentença declaratória transitada em julgado".

Tal enunciado poderia ser aplicado, em tese, nas hipóteses de restituição judicial de tributos indevidamente pagos, visto que, uma vez reconhecido o indébito em sede de mandado de segurança, seria possível que o impetrante promova o cumprimento de sentença, após o trânsito em julgado, por meio de RPV ou pela expedição de precatório.

Esse entendimento foi aplicado recentemente pela 1° Turma do TRF4, nos autos da apelação 5001204-56.2021.4.04.7001/PR, de relatoria do eminente des. Federal Leandro Paulsen, em decisão datada do último dia 08 de abril do corrente ano, senão vejamos:

Quanto à restituição judicial, reconhecido o indébito em sede de mandado de segurança, não vejo nenhuma restrição para que se promova o cumprimento da sentença, após seu trânsito em julgado, e expedição do precatório no bojo do próprio do MS, sem violação à coisa julgada, nos termos da Súmula 461 do STJ ("O contribuinte pode optar por receber, por meio de precatório ou por compensação, o indébito tributário certificado por sentença declaratória transitada em julgado").

Assim, diante uma sentença em mandado de segurança que, dotada de eficácia mandamental e declaratória, certifica o direito de crédito do contribuinte que recolheu indevidamente o tributo e permite a restituição tributária, é possível ao contribuinte optar, no cumprimento do julgado do mandado de segurança, pela repetição via precatório, sem que isso constitua ofensa à coisa julgada.

As condenações decorrentes de sentença judicial executam-se pelo regime de precatório/RPV - por força de dispositivo constitucional que impõe o seguimento da ordem cronológica, inclusive (art. 100 CF/88) -, com o que se afasta hipótese de restituição administrativa do indébito, fundada na sentença que concede a segurança.

Trata-se de entendimento ainda não pacificado pelo Judiciário, especialmente em razão das súmulas 269 e 271 do STF.

Todavia a releitura do entendimento consolidado do STF, a partir da perspectiva do direito líquido e certo do impetrante de reaver os tributos indevidamente pagos, permite o reconhecimento do indébito em sede de mandado de segurança.

E mais. A lógica da súmula 461 do STJ pode permitir ainda a restituição judicial do indébito reconhecido no mandado de segurança seja realizado na fase de cumprimento de sentença, por meio de RPV ou precatório.

Considerações finais

Pelo exposto, embora o mandado de segurança, em tese, não seja substitutivo da ação de cobrança, muito menos produza efeitos patrimoniais em relação a período pretérito ao ajuizamento, no âmbito tributário, é possível que se reconheça o indébito na via mandamental.

A decisão poderá, portanto, reconhecer o direito líquido e certo do impetrante de reaver o indébito por compensação ou restituição na via administrativa.

Ademais, o enunciado da súmula 461 do STJ permite ainda que o indébito reconhecido em sede de mandado de segurança seja restituído na fase de cumprimento de sentença, por meio de RPV ou precatório, o que é sobremaneira inovador e benéfico ao contribuinte. 

No entanto, deve-se reconhecer que tal entendimento não é pacífico. Mas pode representar uma mudança de tom na jurisprudência pátria acerca dos efeitos práticos do mandado de segurança tributário.

_______________

1 RODRIGUES, Marco Antonio. Curso de processo administrativo e judicial tributário. Salvador: JusPodivm, p. 275, 2021.

2 MS 27.565, rel. min. Gilmar Mendes, 2ª T, j. 18-10-2011, DJE 221 de 22-11-2011.

3 Op. Cit. p. 307.

MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Processo tributário. 10. ed. rev. e atual. - São Paulo: Atlas, 2018.

RODRIGUES, Marco Antonio. Curso de processo administrativo e judicial tributário. - Salvador: JusPodivm, 2021.

André Pinheiro Costa

André Pinheiro Costa

Advogado sócio da BRC Advocacia. Especialista em direito tributário.

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