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MP 1.085/21: Cortina de fumaça, embuste e estelionato nacional

Oportunisticamente foram incluídos na MP, sem tornar claro ao público, artigos que tratam de aumentar os ganhos dos donos de cartórios, escondidos no emaranhado das alterações da lei 6.515/1973, todos eles distribuídos no art. 11 da MP.

terça-feira, 3 de maio de 2022

Atualizado em 4 de maio de 2022 08:37

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

É de conhecimento geral que a MP 1.085, editada no apagar das luzes de 2021 - 27 de dezembro - está sendo vendida "hipocritamente" para o mercado e a sociedade como a MP da digitalização dos cartórios; a MP da modernização dos cartórios. Então dizem: O que era feito em cinco dias agora será feito em quatro horas. Infelizmente, isso não corresponde à verdade. Os cartórios já estão digitalizados. Não há sequer um serviço que não possa ser feito de forma remota nos tabeliães de notas, de protestos e nos cartórios de Registro de Imóveis, Registro Civil das Pessoas Naturais e os demais Registros Públicos.

Nada de anormal haveria nesta MP. O tema registro de imóveis eletrônico foi disciplinado pela MP 459/09, editada na gestão do presidente Lula, convertida na lei 11.977/09. A regulamentação foi baixada pelo CNJ, dentro de sua competência constitucional.

Os cartórios, por sua vez, formaram uma rede de atendimento pela Internet denominada Serviço de Atendimento Eletrônico Compartilhado do Registro de Imóveis - SAEC - (www.registradores.onr.org.br), com fundamento legal no art. 76, da lei 13.465/17, alterado pelo art. 23 da lei 14.118/20 que criou um Fundo subvencionado pelos próprios cartórios destinado a implementação e custeio do SRE - Serviço de Registro de Imóveis Eletrônico.

A MP 1.085/22 apenas copiou de forma precária os atos regulamentares do CNJ. A realidade é que a MP não tem nada de novo, salvo meios que foram inventados para aumentar o faturamento dos cartórios.

Todavia, repetindo uma lamentável forma de fazer politicagem, o lobby dos cartórios escondeu suas verdadeiras intenções criando mais uma "reserva de mercado" para os donos de cartório, ao criar registros obrigatórios para negócios jurídicos que por si mesmos têm força executiva.

Oportunisticamente foram incluídos na MP, sem tornar claro ao público, artigos que tratam de aumentar os ganhos dos donos de cartórios, escondidos no emaranhado das alterações da lei 6.515/1973, todos eles distribuídos no art. 11 da MP.

  • Redução do prazo da prenotação dos títulos em geral de 30, para 20 dias úteis, o que sujeitará o usuário que teve um título devolvido a pagar uma nova taxa de prenotação (Art. 205);
  • Redução do prazo da prenotação do requerimento de Regularização Fundiária Urbana Social (Reurb-S) de 60, para 40 dias úteis, o que inviabilizará a regularização de interesse social. Foi mantido o prazo de 60 dias para a regtularização fundiária de interesse específico, porque desta os cartórios recebem as taxas (Art. 205);
  • Perda do valor da prenotação no caso de falta de pagamento do boleto bancário no prazo de cinco dias. A prenotação permanece por vinte dias, mas o usuário perde o valor pago pela taxa de prenotação (Art. 206-A, § 3º);
  • Registro obrigatório de Ata de Incorporação Imobiliária no Registro de Títulos e Documentos como condição sine qua nom para os atos que elenca. Essa ata já é arquivada no Cartório de Registro de Imóveis por ocasião da incorporação, sendo desnecessário novo registro (Lei 4.591/1964, art. 42, § 3º) 

Foram criados os seguintes registro obrigatórios, na realidade, desnecessários, conforme alteração do art. 129, da Lei 6.015/1973: Estão sujeitos a registro, no Registro de Títulos e Documentos, para surtir efeitos em relação a terceiros:

  • os contratos de locação de bens imóveis, ressalvados aqueles de competência do registro de imóveis para averbação da cláusula de vigência e para efeito do direito de preferência no caso de alienação do imóvel locado, nos termos do disposto nos art. 8º e art. 33 da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, respectivamente para registro da cláusula de vigência e de preferência no caso de alienação do imóvel locado; 
  • as cartas de fiança, em geral, feitas por instrumento particular, seja qual for a natureza do compromisso por elas abonado;
  • os contratos de locação de serviços não atribuídos a outras repartições;
  • os contratos de compra e venda em prestações, com reserva de domínio ou não, qualquer que seja a forma de que se revistam, e os contratos de alienação ou de promessas de venda referentes a bens móveis; 
  • todos os documentos de procedência estrangeira, acompanhados das respectivas traduções, para produzirem efeitos em repartições da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios ou em qualquer instância, juízo ou tribunal;
  • as quitações, recibos e contratos de compra e venda de automóveis, bem como o penhor destes, qualquer que seja a forma que revistam;
  • os atos administrativos expedidos para cumprimento de decisões judiciais, sem trânsito em julgado, pelas quais for determinada a entrega, pelas alfândegas e mesas de renda, de bens e mercadorias procedentes do exterior.
  • os instrumentos de sub-rogação e de dação em pagamento;
  • a cessão de direitos e de créditos, a reserva de domínio, o arrendamento mercantil de bens móveis e a alienação fiduciária de bens móveis; e 
  • as constrições judiciais ou administrativas sobre bens móveis corpóreos e sobre direitos de crédito.

Perplexidades da MP:

I - Inclusão na Lei 6.015/1973 do Art. 127-A, § 1º que cria um "registro secreto" no Cartório de Registro de Títulos e Documentos. Esse registro jurídico oculto foi encomendado por alguma facção criminosa? O que visa ser escondido sob o manto estatal?

II - Descarte de documentos que foram apresentados e não foram retirados dos cartórios no prazo de 180 dias, tenham sido ou não registrados (Lei 6.015/1973, art. 121 §§ 2º e 3º). Então, mesmo sem registro efetuado MP prevê que os documentos originais em papel serão descartados; típica destruição de prova documental.

II - A quem interessa a redução do prazo da prenotação de 30 para 20 dias?  

Em direito penal, quando alguém pratica ato ou falsifica/modifica documento no propósito de induzir outro a erro para dele tirar vantagens se diz que esse é autor de Crime de Estelionato.

Conclusão

A MP 1.085/21 foi precariamente redigida, presentes inadequações terminológicas gritantes. A única explicação plausível foi criar a oportunidade legal de abocanhar novas taxas para engordar os orçamentos dos donos de cartórios.

Procurou-se dar a volta por cima do provimento 107 de 24/6/20 da CNJ: Art. 1º É proibida a cobrança de qualquer valor do consumidor final relativamente aos serviços prestados pelas centrais registrais e notariais, de todo o território nacional, ainda que travestidas da denominação de contribuições ou taxas, sem a devida previsão legal.

Apesar de se travestir em benefício para a população, na realidade fere direitos consolidados, impõe retrocessos e cria uma reserva de mercado.

A única de recompor a ordem jurídica agredida pelas disposições de referida MP é a sua caducidade, na forma constitucionalmente assegurada. A alteração de uma lei do quilate da lei de registros públicos exige o labor de uma comissão de juristas e o debate aberto com os operadores de Direito, o mercado e a academia.

Por fim, acrescente-se que a atual lei de registros públicos (lei 6.015/73) foi objeto de ampla discussão em várias instituições jurídicas e no Congresso Nacional e, depois de promulgada, percorreu um período de vacatio legis de três anos, até entrar em vigor em 1º de janeiro de 1.976.

Fabiano Silva dos Santos

Fabiano Silva dos Santos

Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo. MBA Executivo em Gestão Estratégica de Empresas pela FACAMP. Advogado, sócio do escritório Mollo e Silva Advogados.

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