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A regulamentação das criptomoedas no Brasil

Embora a regulação das criptomoedas seja benéfica ao assegurar maior proteção aos investidores, o projeto se mostra simplório e até mesmo controverso em alguns pontos.

sexta-feira, 13 de maio de 2022

Atualizado às 08:18

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O Senado Federal aprovou em 26/4/22, o PL 4.401/21 que regulamenta o mercado de criptomoedas. A proposta seguirá para análise pela Câmara dos Deputados.

Quando foram criadas, em 2008, as criptomoedas revolucionaram o mercado financeiro, ao permitir transações financeiras sem intermediários, como instituições bancárias, e sem regulação de política monetária, como as realizadas pelos Bancos Centrais em relação às moedas convencionais. No entanto, as criptomoedas são verificadas por usuários da rede e gravadas em uma base de dados distribuída, denominada blockchain. Com a evolução da tecnologia blockchain, houve, ainda, a criação dos chamados contratos inteligentes.

Estes contratos, na verdade, são códigos computacionais que contêm um acervo de regras, previamente acordadas entre as partes, possibilitando-se que o contrato seja executado de forma autônoma, sem a necessidade de intervenção humana. A fim de ilustrar, suponhamos que uma pessoa decida realizar uma transação com determinada criptomoeda, mas somente em uma data específica e condicionada a determinado evento, que pode vir a ocorrer. Caso este evento aconteça, a transação será automaticamente realizada na data em questão, pois o smart contract executará automaticamente o que foi acordado entre as partes.

O projeto de lei em comento prevê, ainda, a criação ou a indicação de uma entidade ou órgão da administração pública federal já existente para regulação, o qual deverá autorizar o funcionamento de prestadoras de serviços de ativos virtuais, as chamadas exchanges, que permitem que os clientes negociem criptomoedas por outros ativos. Assim, a regulação das transações de criptoativos muito provavelmente não será feita pela CVM - Comissão de Valores Mobiliários, como já fora especulado.

Importante ressaltar que o projeto de lei trata de ativos virtuais, classe mais abrangente, em que as criptomoedas são espécies. No passado, coube à Receita Federal, por meio da instrução normativa 1.888/191, disciplinar sobre a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos, considerando o vazio legislativo sobre tema.

Adiante, a prestação de serviço de ativos virtuais, segundo o projeto de lei, deverá seguir algumas diretrizes, como, por exemplo, a obrigação de controlar e manter de forma segregada os recursos dos clientes. O PL ainda prevê a criação do art. 171-A, no CP, que trata sobre o crime de fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros, com pena de 4 (quatro) a 8 (oito) anos de reclusão e multa.

Por fim, o PL isenta a tributação na compra de hardwares e softwares para processamento, mineração e preservação de criptomoedas até o final de 2029, desde que as empresas utilizem fontes renováveis de energia elétrica e que neutralizem 100% (cem por cento) das emissões de gases de efeito estufa nestas atividades.

O processo de mineração nas blockchains, simplificadamente, busca validar se uma informação apresentada em um bloco é verdadeira ou não. Caso a informação seja verdadeira, o bloco é incorporado à rede e ganha um código de criptografia. Entretanto, para garantir que a informação é verdadeira, o minerador precisa resolver um algoritmo, conhecido como "algoritmo de consenso", recebendo uma recompensa pela incorporação de um bloco válido à rede. 

Atualmente, a mineração é realizada com hardwares sofisticados, que resolvem problemas matemáticos computacionais complexos e em pools de mineração, espaços que permitem que os mineradores trabalhem cooperativamente para extrair blocos de criptomoedas. Tais fatores acarretam grande consumo de energia elétrica para a atividade.

Dessa forma, a isenção tributária prevista no PL tem gerado certo debate, uma vez que, embora utilize, em grande parte, energia elétrica renovável, somente a criptomoeda Bitcoin, por exemplo, demanda anualmente, segundo análise da Universidade de Cambridge, mais energia do que toda a Argentina, um país de cerca de 45 milhões de habitantes2.

Logo, embora a regulação das criptomoedas seja benéfica ao assegurar maior proteção aos investidores, o projeto se mostra simplório e até mesmo controverso em alguns pontos. Certamente, do ponto de vista do Estado, é relevante a regulamentação do tema a fim de tornar este mercado mais acessível, seguro, eficiente e controlado. No entanto, há que se ter cautela quando se trata de regulação de um sistema que foi criado justamente para permitir transações financeiras diretas entre as partes, sem regulação.

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1 https://www.in.gov.br/web/dou/-/instru%C3%87%C3%83o-normativa-n%C2%BA-1.888-de-3-de-maio-de-2019-87070039

2 https://ccaf.io/cbeci/index/comparisons

Matheus Lira

Matheus Lira

Advogado e sócio do escritório Fogaça Murphy Advogados. Pós-graduado em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

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