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Senado aprova proposta de Marco Legal dos criptoativos

O Marco Legal dos criptoativos é uma medida muito importante, que se tornou necessária em 2017 quando esse mercado ganhou relevância no cenário internacional.

terça-feira, 24 de maio de 2022

Atualizado às 07:42

No dia 26 de abril, foi aprovado pelo Senado Federal o projeto de lei 4.4011 que se destina a ser o marco legal de criptoativos e regular o mercado brasileiro de ativos virtuais, como as criptomoedas e outros ativos digitais. O texto foi remetido à Câmara dos Deputados e, caso aprovado, seguirá para sanção presidencial.

As operações com ativos virtuais é um dado de realidade. Em 2017, quando a CVM - comissão de valores mobiliários se pronunciou sobre as Initial Coin Offerings (ICO's)2, a autarquia destacava o avanço desse tipo de operação e que estaria atenta às inovações tecnológicas nos mercados financeiros global e brasileiro. Ainda em 2017, o Banco Central do Brasil emitiu comunicado3 sobre os riscos decorrentes de operações de guarda e negociação das criptomoedas, ocasião em que a principal preocupação era a bitcoin4. De lá para cá, muita coisa aconteceu: novas criptomoedas, crescimento do DeFi (descentralized finance) etc.

O PL 4.401 vem nessa esteira com o objetivo de integrar os ativos virtuais na economia nacional de forma clara, definindo-os como "representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para a realização de pagamentos ou com o propósito de investimento". Em outras palavras, o escopo regulatório parece ser aplicável somente às criptomoedas, eis que são as utilizadas como meio de pagamento eletrônico, ainda que outros criptoativos possam ser utilizados com propósito de investimento.

O texto de lei é taxativo no sentido de que não serão considerados ativos virtuais os ativos representativos de valores mobiliários sujeitos ao regime da lei 6.385/76 e à competência da comissão de valores mobiliários; porém não há indicação de outros ativos previstos em lei ou regulamento específico, como direitos creditórios e imóveis. Nessa medida, os tokens de valores mobiliários não deverão ser considerados ativos virtuais, mas fica a pergunta se tokens lastreados em direitos creditórios e imóveis deverão observar a legislação aqui discutida. 

A leitura do PL demonstra, todavia, que o objetivo central da lei é conceituar os prestadores de serviços de ativos virtuais (as exchanges), com a indicação de suas atividades, parâmetros de governança e sinalizar para o mercado que tais prestadores serão autorizados, disciplinados e supervisionados por autoridade competente a ser indicada pelo Poder Executivo. Nesse sentido, são considerados prestadores de serviços de ativos virtuais as pessoas jurídicas que executem, em nome de terceiro, transação, administração ou custódia de ativos virtuais.

A definição das exchanges foi inserida no ordenamento jurídico brasileiro já em 2019 com a edição da instrução normativa 1.8885, que disciplinava a obrigatoriedade da prestação de informações das operações realizadas com criptoativos junto à Receita Federal do Brasil. Nessa linha, o PL reforça que tais prestadores de serviço, em suas atividades, devem observar as boas práticas de governança, assim como zelar pela transparência e solidez das operações.

No que tange o direito tributário, o PL traz questões relativas à isenção de tributos no processamento, mineração e preservação dos ativos virtuais regulados na lei (as criptomoedas), não sendo extensível, portanto, às atividades com security tokens ou mesmo com non-fungible tokens (NFTs).

O texto de lei, todavia, não regula os tributos relativos às transações de ativos virtuais, como imposto de renda de ganho de capital na alienação ou mesmo na permuta desses ativos. A Receita Federal já se manifestou acerca da tributação de criptomoedas por meio da solução de consulta cosit 2146, em que determina que os rendimentos decorrentes de alienação com lucro que devem estão sujeitos à tributação por ganho de capital, estando isento o ganho sobre operações mensais com volume menor que R$ 35 mil.

O marco legal dos criptoativos é uma medida muito importante, que se tornou necessária em 2017 quando esse mercado ganhou relevância no cenário internacional. Na época, a grande preocupação era a descentralização ocasionada pela possibilidade de um particular criar mecanismos simbólicos de pagamento, o que supostamente conflitaria com o monopólio do Estado sobre a emissão de moeda e a fiscalização dessas transações. Nesse cenário, regular os prestadores de serviço é o primeiro passo.

O atual contexto pede outra modalidade de regulação, eis que novos criptoativos, como as NFTs, ganharam muita relevância com o advento do metaverso, o que não passou despercebido pelas grandes empresas de tecnologia. Assim, a regulamentação, ainda que necessária, parece ser tardia e não enfrenta a atual complexidade dos ativos virtuais, ficando restrita às criptomoedas ao invés de abranger os criptoativos propriamente ditos, o que mostra que o legislativo perdeu uma boa oportunidade de trazer segurança jurídica de forma abrangente a este novo e disruptivo mercado virtual.

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1 Projeto de lei 4.401 de 2021. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/151264. Acesso em: 17 de maio de 2022.

2 Conforme definição da CVM, são consideradas ICO as captações públicas de recursos, tendo como contrapartida a emissão de ativos virtuais, também conhecidos como tokens ou coins, em favor do público investidor. https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/initial-coin-offerings--icos--88b47653f11b4a78a276877f6d877c04

3 Comunicado nº 31.379 de 2017. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=comunicado&numero=31379. Acesso em: 17 de maio de 2022.

4 Em 2017 o valor de 1 BTC chego a USD 20 mil dólares, alta de 1.375% no ano. Disponível em: https://einvestidor.estadao.com.br/investimentos/bitcoin-preco-recorde#:~:text=A%20moeda%20est%C3%A1%20sendo%20negociada,de%2070%25%20no%20ano%20seguinte.. Acesso em: 17 de maio de 2022.

5 Instrução normativa 1.888 de 2019. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/instru%C3%87%C3%83o-normativa-n%C2%BA-1.888-de-3-de-maio-de-2019-87070039. Acesso em: 17 de maio de 2022.

6 Solução de Consulta COSIT 214. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=122341. Acesso em: 17 de maio de 2022.

Henrique Perlatto Moura

Henrique Perlatto Moura

Advogado no escritório Ayres Ribeiro Advogados. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Especialista em Direito Tributário pelo instituto IED e IBET.

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Rebecca Molina Ferreto

Rebecca Molina Ferreto

Coordenadora da equipe de Societário e Fusões & Aquisições em São Paulo do escritório Ayres Ribeiro Advogados.

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