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A fixação eleitoral com o explícito - O sex appeal da propaganda e a cegueira jurídica

Talvez seja a hora do Direito Eleitoral evoluir seu entendimento e acompanhar os progressos da área especializada nesse conhecimento, pois os contextos mudaram.

segunda-feira, 6 de junho de 2022

Atualizado às 08:29

Além de possível veículo informativo, a propaganda eleitoral, como toda propaganda, é um jogo de sedução entre o candidato e eleitor, cujo elemento de conquista é o voto. Muitas vezes, dentro desse flerte, a sedução é mais eficiente quando apenas insinuada, e avança sutilmente, apropriando-se do objeto de seu interesse, do que quando ocorre de forma ostensiva, declarando manifestamente a intenção: vote na pessoa x.

A fim de proteger o pleito de abusos, garantir igualdade de oportunidades, mas também admitir a manifestação política, o art.36-a da lei 9504/97, proíbe qualquer tipo de propaganda fora do período eleitoral que contenha pedido explícito de voto. Admite, porém, ao mesmo tempo, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos, e atos que enumera nos incisos do artigo (BRASIL, 1997).

Trata-se de uma norma limitativa da propaganda eleitoral antecipada, mas que em seu histórico, considerando a jurisprudência delineada no momento de sua publicação, representa também uma regra permissiva1. É preciso compreender esse seu duplo aspecto, para bem aplicá-la e fazer uma reflexão crítica sobre o estado da arte da propaganda eleitoral antecipada no Brasil.

Essa apresentação da lei tem gerado indefinição na delimitação das condutas que devem ou não ser consideradas propaganda antecipada, com estabelecimento de alguns elementos alternativos, indicadores da prática do ilícito: a) violação do princípio da isonomia; b) a existência de pedido explícito de voto ou das famosas palavras mágicas; c) o uso de forma proscrita, d) possível prática de abuso de poder econômico pelo uso excessivo de valores.

Ocorre que efetuar o controle somente com os parâmetros acima, pode ser falho, pois ora pode se apresentar excessivo, sufocando a liberdade de expressão, e ora pode se apresentar ineficiente, por não abarcar hipóteses de eventuais práticas de abuso, em razão da inexistência de uma prestação e fiscalização organizada dos atos de propaganda antecipada.

E o fundamento desses parâmetros, quando analisados a fundo, denotam uma redução da vedação ao pedido explícito de voto, cortejando com uma subjetividade insegura do propósito da norma, principalmente quando contrastado com o período em que há permissão de propaganda eleitoral, como se observa no quadro comparativo abaixo:

De forma que quando a legislação separa no tempo o lícito do ilícito, em torno do pedido explícito de voto, negligencia que o pedido explícito não é a única ferramenta de convencimento do eleitor, cedendo espaço para que no período anterior, haja utilização de táticas que podem ser mais sedutoras que o pedido explícito, mas que, pela falta de dever de prestação de contas, e pelo delinear da jurisprudência e da legislação, se estabelece numa zona de muitas incertezas jurídicas.

É necessário compreender os mecanismos de convencimento, e entender que com a evolução de técnicas de marketing e de tecnologia, as barreiras do óbvio e palpável foram superadas, em razão da eficiência de fixação de ideias, pelos meandros do abstrato. Como reconheceu Jung, os aspectos subliminares são "as raízes quase invisíveis de nossos pensamentos conscientes." (JUNG, 2008, p. 5)

O elemento implícito ou explícito do pedido de voto deveria ser critério de avaliação estratégica do eleitor, dos candidatos e do partido e não um elemento legal de aferição da validade de condutas voltadas à propaganda eleitoral.

O bem jurídico tutelado pelo art.36-a e a finalidade para a qual foi concebido são a admissão de manifestação político-eleitoral antes do período de 15 de agosto, mas com prevenção de abusos e proteção da igualdade. O engessamento a tabus construídos ao redor de palavras específicas, como o que vem ocorrendo com a palavra "voto" talvez não seja um caminho inteligente para garantir liberdade de manifestação e evitar excessos.

Precisa-se ter claro que no convencimento do eleitor o que menos importa é o que é falado, e sim o que é conquistado, sobretudo quando envolve desprendimento de gastos ou uso de poder institucional que poderá impactar no resultado da votação.

Por esse motivo, faz-se oportuno um refreamento do excesso de controle pelos órgãos judiciais sobre atos de menor importância, como por exemplo, ações espontâneas de eleitores, devendo atinar o eixo de concentração para atos preordenados das grandes organizações, especialmente nas esferas institucionalizadas de quem já é detentor do poder.

A real problemática está no oculto, no ato mascarado, mas com poder de desequilíbrio, como por exemplo, o que pode proporcionar o recente projeto de lei 4059/21, aprovado na Câmara e no Senado, que altera as leis 12.232/10 e 9.504/97, para dispor sobre as contratações de serviços de comunicação institucional e gastos com publicidade dos órgãos públicos, para o primeiro semestre desse ano eleitoral (BRASIL, 2021).

O projeto autoriza a duplicação de gastos com publicidade dos entes, a nível dos três poderes, União, Estado e Município, em ano de eleição, e sem necessidade de ranquear espaço com os demais concorrentes, tampouco se submeter a qualquer regra de proibição de propaganda. (BRASIL,2021)

Em que pese a publicidade institucional ser lícita e constitucionalmente prevista no art. 37, §1º da Constituição Federal, ela deve primar essencialmente pelo viés de informação, educação e orientação social, se abstendo da associação que gere promoção pessoal do gestor ou servidores (BRASIL, 1988).

O embaraço ocorre, no plano factual, quando o administrador é também candidato a reeleição, ostentando potencialidade de favorecimento com essas publicidades institucionais, haja vista a latente usurpação de votos por meio do nebuloso campo protegido pela seara institucional, que promove o candidato, e envolve extemporaneamente o eleitor.

Segundo Carlos Neves Filho (2012, pag. 48) "apesar de fugir do ambiente partidário e se dar no seio da Administração Pública, a publicidade institucional pode ser considerada espécie da propaganda política" visto que procura angariar legitimidade da gestão, persuadindo o administrado (eleitor em potencial) da qualidade da administração pública.

Dessa forma, precisa-se organizar através de critérios sensíveis de análise, as situações em que se deve haver interferência da justiça eleitoral, buscando o que realmente necessita ser perquirido pela vedação a propaganda intempestiva excessiva, a fim de que o sancionamento recaia sobre fatos que tenham relevância para manipulação de votos.

Um dos pontos fulcrais para essa perquirição, é a presença de elemento tático, característica inerente a esse tipo de propaganda, uma vez que reivindica articulação do candidato ou de grupo de poder que o represente, promovendo atos que desestabilizam a pré-campanha, com excesso de gastos, orientados em favor de candidatos específicos, comprometendo a igualdade de condições.

Propõe-se assim, uma racionalização da finalidade de proibição da propaganda antecipada, a fim de que o foco seja a garantia da igualdade de oportunidades, a proteção contra excesso de gastos e a localização das estratégias adotadas por grandes grupos orientados em favor de pré-candidatos, entendendo que o marketing consegue um retorno mais efetivo com a mensagem subliminar, do que com mensagens escancaradas.

Em razão disso, talvez seja a hora do Direito Eleitoral evoluir seu entendimento e acompanhar os progressos da área especializada nesse conhecimento, pois os contextos mudaram, as necessidades de outrora, foram absorvidas por realidades contemporâneas, e os beneficiados por propagandas antecipadas, demonstram através de novos métodos, estarem bem cientes disso, conseguindo manejar bem o flerte proibido.

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ANDRADE, João; GRESTA, Roberta. O que é propaganda antecipada ilícita.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2021. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 21 de maio de 2021.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Lei 9504 de 1997. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2021. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 21 de maio de 2021.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Proposta de Projeto de Lei n° 4059/21. Altera a Lei nº 12.232, de 29 de abril de 2010, para dispor sobre as contratações de serviços de comunicação institucional, e a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, para dispor sobre gastos com publicidade dos órgãos públicos no primeiro semestre do ano de eleição. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2021. Disponível em: https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2307548. Acesso em: 21 de maio de 2021.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2021. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 21 de maio de 2021.

JUNG, Carl (org). O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

NEVES FILHO, Carlos. Propaganda eleitoral e o princípio da liberdade da propaganda política. Belo Horizonte: Fórum, 2012.

PECCININ, Luiz Eduardo. Princípio da liberdade da propaganda política, propaganda eleitoral antecipada e o artigo 36-A da Lei Eleitoral. Paraná Eleitoral: revista brasileira de direito eleitoral e ciência política, Curitiba, v. 2, n. 3, p. 321-344, 2013.

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1 Para compreender o caráter permissivo da norma, recomendamos a leitura do texto intitulado "Princípio da liberdade da propaganda política, propaganda eleitoral antecipada e o art. 36-A da Lei Eleitoral", de Luiz Eduardo Peccinin e também João Andrade e Roberta Gresta.

Raquel Cavalcanti Ramos Machado

VIP Raquel Cavalcanti Ramos Machado

Mestre pela UFC, doutora pela Universidade de São Paulo. Professora de Direito Eleitoral e Teoria da Democracia. Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político - ABRADEP, do ICEDE, da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/CE e da Transparência Eleitoral Brasil.

Lígia Vieira de Sá e Lopes

Lígia Vieira de Sá e Lopes

Analista judiciária do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará desde 2006. Especialista em Direito Eleitoral, Processos Educacionais e Direito Processual.

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