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A inconstitucionalidade da revogação do parágrafo 2º, do art.7º, da lei 8.906/94

Não pode uma lei infraconstitucional abolir ou suprimir qualquer direito constitucionalmente adquirido.

quarta-feira, 15 de junho de 2022

Atualizado às 09:27

Inicio meu artigo citando Ulysses Guimarães: "A liberdade de expressão é apanágio da condição humana e socorre as demais liberdades ameaçadas, feridas ou banidas. É a rainha das liberdades".

A lei 14.365/22, ao revogar expressamente o disposto no parágrafo 2º, do art. 7º, da lei 8.906/94, acabou por praticar ato de flagrante inconstitucionalidade, uma verdadeira violência não somente à advocacia como um todo, mas ao cidadão e à democracia.

Assim era a redação do dispositivo revogado:

§ 2º O advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer. (Vide ADIN 1.127-8).

Por sua vez, o art. 133, da CF/88 estabelece:

Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

Verifica-se, portanto, que o próprio constituinte erigiu como garantia constitucional, a inviolabilidade do advogado, por atos e manifestações, no exercício da profissão, ressalvando-se que a lei poderia, frise-se, limitar a inviolabilidade.

O que fez o legislador infraconstitucional, ao invés de observar o comando constitucional e manter a limitação legal já posta, suprimiu a inviolabilidade do advogado por manifestações no exercício da profissão.

Isto trará problemas concretos gravíssimos para toda a advocacia, em todas as áreas do direito.

Imagine-se, por exemplo, o advogado postulando uma ação de cobrança e afirmando ser o réu devedor e este, por sua vez, acusa o advogado de difamação por tê-lo chamado de "devedor" no bojo da ação, entendendo violada sua honra objetiva.

Vislumbre-se, por outro lado, também a título exemplificativo, um causídico em Júri, "no calor dos debates", não podendo performar em seu máximo, porque a lei não mais lhe assiste.

A advocacia está praticamente amordaçada, estando sujeita a responsabilização nas três esferas (cível, administrativa e criminal), a depender de como o julgador interpretar sua manifestação.

Vejam quão destrutiva foi a alteração legislativa!

Mas sigamos...

Não pode uma lei infraconstitucional abolir ou suprimir qualquer direito constitucionalmente adquirido.

Este é o básico da hierarquia das normas.

Mas não é só!

Em uma interpretação sistemática, entende-se que sequer uma emenda constitucional poderia abolir a inviolabilidade do advogado, por dois motivos:

O primeiro e mais importante, porque o art. 133, da CF/88, é uma cláusula pétrea.

Todo e qualquer cidadão brasileiro tem direito fundamental ao pleno acesso à Justiça (ao poder Judiciário), mediante representação por advogado, parece-me evidente, portanto, que o advogado existe para salvaguardar o direito fundamental do acesso à Justiça.

Em assim sendo, entende-se que a advocacia se constitui em um dos pilares democráticos de sustentação do próprio Estado brasileiro, não podendo, portanto, ser extinta, enquanto função essencial à Justiça de caráter indispensável e inviolável.

Em segundo lugar, por aplicação analógica do princípio da proibição do retrocesso, uma vez que a inviolabilidade do advogado não é apenas um mero exercício retórico em nossa Constituição para figurar em parachoque de caminhão ou em adesivo de classe no vidro de um automóvel, devendo, portanto, o legislador agir para fortalecê-lo.

Assim como nos contratos existem as chamadas "cláusulas da meia-noite", inseridas nas disposições gerais, normalmente não lidas com a devida atenção, mas que podem ser determinantes ao negócio se não observadas pelas partes em tempo, o mesmo se diz a respeito das alterações legislativas, as "alterações da meia-noite", pois parece-me, infelizmente, que até o presente momento a Advocacia não se deu conta da gravidade do ocorrido.

Encerro com a máxima de Ulysses Guimarães: "A história nos desafia para grandes serviços, nos consagrará se os fizermos, nos repudiará se desertarmos"

Charles dos Santos Cabral Rocha

VIP Charles dos Santos Cabral Rocha

Advogado em São Paulo, Pós-Graduando em Direito Penal e Criminologia pela PUC/RS, em Direito Tributário pela PUC/RS e em Direito Empresarial pela FGV/SP.

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