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O crime de estelionato após a redação da lei 13.9643/19 - pacote anticrime

A interpretação da Lei Penal, nunca deve se sobrepor aos princípios constitucionais.

quarta-feira, 29 de junho de 2022

Atualizado às 13:36

É cediço que através da lei 13.964/19, mais conhecida como pacote anticrime, às legislações penal e processual penal passaram por inúmeras mudanças (CP, CPP e leis extravagantes). Dentre as modificações realizadas, cita-se a inclusão do parágrafo 5º no art. 171 (crime de estelionato). Com a alteração feita, o crime passou a ser de ação penal condicionada mediante a representação da vítima (regra geral), com exceções que permanecem de ação penal pública incondicionada.

Veja-se a nova redação:

§ 5º Somente se procede mediante representação, salvo se a vítima for: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019).

I - a Administração Pública, direta ou indireta; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019).

II - criança ou adolescente; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019).

III - pessoa com deficiência mental; ou (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019).

IV - maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019).

Com isso, existe uma lacuna no que tange aos processos em curso anteriores à lei, surgindo duas correntes que versam sobre irretroatividade e retroatividade da representação, nos casos de oferecimento da denúncia.

Sobre o tema em comento, encontram-se nos tribunais superiores, julgamentos desenhando a jurisprudência sobre a matéria. O STF, através do entendimento da 1ª turma1, acena para a irretroatividade nos casos de oferecimento da denúncia; enquanto diverge a 2ª turma, através da seguinte ementa:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. ESTELIONATO. INÉPCIA DA DENÚNCIA E AUSÊNCIA DE JUSTIÇA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. NÃO CONFIGURADAS. FATOS E PROVAS. LEI 13.964/2019. ART. 171, § 5º, CP. NOVA HIPÓTESE DE EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE. NORMA DE CONTEÚDO MISTO. RETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS BENÉFICA. ART. 5º, XL, CF. REPRESENTAÇÃO. DISPENSA DE MAIOR FORMALIDADE. FALTA DE CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE. RENÚNCIA TÁCITA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO - HC 180421, da relatoria do Ministro Edson Fachin, julgado em 22.06.2021.

No que tange ao entendimento esposado pelo STJ, incialmente houve divergências, na 5ª turma (pugnando pela irretroatividade nos casos de oferecimento da denúncia, ou seja, processos em curso anteriores à lei 13.964/19) e 6ª turma (retroatividade nos casos de oferecimento da denúncia).

Contudo, uniformizou-se a jurisprudência através da 3ª seção que adotou a posição da 5ª turma2, sustentando a irretroatividade do § 5º do art. 171 do CP coma redação da lei 13.964/19.

Em que pese, o STJ ter entendido que a questão se trata de irretroatividade da lei, nos casos em que já houve o oferecimento da denúncia, não podendo ser a mesma aplicada, ouso discordar de seu pensamento.

Primeiro, porque a lei deve sempre retroagir para beneficiar o réu.3 Segundo, porque a lei passou a exigir a manifestação da vítima para oferecimento da ação penal, independentemente da denúncia já ter sido ou não oferecida. Note-se, que a partir da modificação do texto legislativo, quando o mesmo fala em manifestação da vítima, subentende-se, que inicia-se para a vítima, prazo decadencial de seis meses, como condição de procedibilidade da ação penal, sob pena de extinção da punibilidade.

Ademais, esse é o entendimento da 2ª turma do STF, que concedeu a ordem no habeas corpus 190421, extinguindo a punibilidade, conforme ementa colacionada alhures.

Com efeito, quando a lei é omissa, caberá sempre o tribunal, através de seu entendimento, direcionar qual foi a intenção do legislador, quando elaborou a lei, mas independentemente de sua intenção, os princípios constitucionais, sempre devem estar à frente de qualquer intepretação legal, seja ela teleológica, gramatical ou histórica.        

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1 HC 203398 AgR/SP, relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, julgado em 20.08.2021 - HC 187341/SP, também da relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, julgado em 04.11.2020 - HC 206126 AgR/SP, relatoria da Ministra Carmem Lúcia, julgado em 04.10.2021 e HC 202831 AgR/SP, da relatoria do Ministro Roberto Barroso, julgado em  29.10 a 10.11.2021

2 HC 610.201-SP, da relatoria do Ministro Ribeiro Dantas, julgado em 08.04.2021.

3 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;

Maurício Luís Maranha Nardella

VIP Maurício Luís Maranha Nardella

Advogado criminalista com cursos de extensão em processo penal, direito penal, execução penal e tribunal do júri. Parceiro em outros escritórios que não atuam na área penal.

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