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Mercado brasileiro de carbono

Qual a vantagem da criação de um mercado regulado no Brasil, se comparado com os mercados voluntários já existentes em várias partes do mundo?

quarta-feira, 29 de junho de 2022

Atualizado às 13:45

Com a edição do decreto Federal 11.075, de 19/5/22, foram estabelecidas no ordenamento jurídico nacional as regras preliminares para a criação e a instalação do esperado Mercado Brasileiro de Carbono, também conhecido como Mercado Brasileiro de Reduções de Gases de Efeito Estufa.

O objetivo é torná-lo mecanismo oficial de gestão ambiental de modo a operacionalizar os Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas.

Com o ambiente regulado, em um futuro próximo, iniciar-se-ão as negociações oficiais dos chamados créditos de carbono, na esperança de geração de ganhos ambientais e econômicos de toda ordem, além de posicionar o Brasil diante das obrigações já assumidas por ele perante a comunidade nacional e internacional.

Qual a vantagem da criação de um mercado regulado no Brasil, se comparado com os mercados voluntários já existentes em várias partes do mundo? A resposta pode estar no fato de propiciar uma maior segurança jurídica para as negociações, porquanto o mercado de carbono é basicamente regulado pela demanda, ou seja, pelo interesse na negociação desses créditos em face de obrigações exigidas por normas legais ou voluntariamente.  

Para tanto, o decreto Federal criou o SINARE - Sistema Nacional de Redução de Emissões de Gases de Efeito Estufa, que pretende servir como central única, segura e oficial de registro de emissões, remoções, reduções e compensações de gases de efeito estufa e de atos de comércio, de transferência, de transações e de aposentadoria e créditos certificados de redução de emissões.

Nesse sentido, o referido decreto Federal estabeleceu a instituição dos Planos Setoriais de Mitigação das Mudanças Climáticas, os quais deverão ser propostos pelos Ministérios do Meio Ambiente, da Economia e pelos demais Ministérios setoriais correlacionados, que deverão fixar metas de redução e remoção das emissões específicas para cada setor.

Assim, com base na Lei da Política Nacional de Mudanças Climáticas (lei 12.187/09), o referido decreto Federal elegeu nove setores para que, no prazo de 180 dias, prorrogáveis pelo mesmo período, apresentem seus Planos Setoriais de Mitigação de Emissões, ou curva de redução, de gases de efeito estufa. São eles: setor de geração e distribuição de energia elétrica; transporte público urbano e sistemas modais de transporte interestadual de cargas e passageiros;  indústria de transformação; indústria de bens de consumo duráveis; indústrias químicas fina e de base;  indústria de papel e celulose; de mineração; indústria da construção civil;  serviços de saúde; e agropecuária.

Além disso, é interessante assinalar que o SINARE, independentemente da geração de crédito certificado de redução de emissões, possibilitará o registro da pegada de carbono de produtos, processos e atividades, de carbono de vegetação nativa, de carbono de solo, de carbono azul e de unidade de estoque de carbono. 

Outro ponto importante é que o decreto Federal conceituou expressamente o crédito de carbono como um ativo financeiro ambiental transferível e representativo de redução ou remoção de uma tonelada de dióxido de carbono equivalente, que tenha sido reconhecido e emitido como crédito no mercado voluntário ou no mercado regulado.

Portanto, resumidamente, trata-se de um ativo financeiro mensurável tecnicamente, negociável e representativo de um ganho ambiental equivalente à redução ou remoção de uma tonelada de carbono da atmosfera. 

Por conseguinte, o decreto Federal também conceituou o crédito de metano como um ativo financeiro, ambiental, transferível e representativo de redução ou remoção de uma tonelada de metano, que tenha sido reconhecido e emitido como crédito no mercado voluntário ou no mercado regulado. No entanto, esse ponto do decreto Federal é um dos mais criticados.

Isso porque, nos demais mercados mundiais, as emissões de gás metano são auferidas, quantificadas e negociadas em unidades de carbono equivalentes. Ademais, há pouca explicação no decreto Federal de qual será a efetiva utilização desse crédito de metano, muito embora haja determinação de que eles poderão ser registrados no próprio SINARE.  

Contudo, tem-se que o decreto Federal 11.075/22 ainda não regulamentou outros aspectos importantes, tais como as regras sobre o registro, padrão de certificação do próprio sistema; regras para o credenciamento das entidades certificadoras e das centrais de custódia; regras para o registro público acessível e digital dos projetos apresentados, das iniciativas e dos programas de geração de créditos certificados de redução e compensação de emissões; regras sobre outros eventuais ativos viáveis de redução de emissões; sanções para o descumprimento das metas assumidas; eventuais pisos ou limites mínimos de redução; formas materiais de operacionalização do SINARE, entre outras questões técnicas e jurídicas que servirão para dar a devida efetividade a esse tão festejado, promissor e necessário mercado de carbono.

Também é certo que o mercado brasileiro de carbono ainda deverá receber afinamento, regulamentação em suas especificidades e maiores reflexões pelo governo, pela comunidade científica e pelo próprio mercado, para que realmente se estabeleça um ambiente seguro e eficaz para o quanto se propõe.

De qualquer maneira, foi dado um importante passo para a regulação desse significativo ambiente negocial no Brasil, além de permitir que, desde já, os interessados em fazer parte desse ambiente de negócios e, em especial, os setores já eleitos pelo decreto Federal se organizem e providenciem voluntariamente seus planos e suas ações perante a comunidade nacional e internacional. 

Rodrigo Jorge Moraes

Rodrigo Jorge Moraes

Doutor e Mestre em Direitos Difusos e Coletivos com concentração em Direito Ambiental pela PUC/SP. Especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP e em Direito Ambiental pela USP. Vice Presidente do Movimento de defesa da Advocacia - MDA. Revisor da Revista Sostenibilidad: Económica, Social y Ambiental da Universitat d'Alacant. Advogado e Professor de Direito Ambiental no Curso de Pós-Graduação em Direito Ambiental da PUC/SP/COGEAE. Palestrante e autor de livros e artigos sobre Direito Ambiental.

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