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Homologação de acordo na Justiça do trabalho: o juiz pode alterar a vontade das partes?

O TST, em decisão recente, pondera justamente a impossibilidade de o judiciário intervir na vontade das partes que exsurgiu de boa-fé.

terça-feira, 5 de julho de 2022

Atualizado às 08:28

Anteriormente, mesmo se as partes quisessem pôr fim a uma relação de trabalho, sem a necessidade de acionamento do judiciário, isso não era possível, pois o acordo extrajudicial pactuado não possuía eficácia para quitar a relação de emprego, para que as partes não mais pudessem discutir sobre o assunto. Além disso, também não poderiam ajuizar uma reclamação trabalhista somente para fazer um ajuste, pois seria considerada uma lide simulada, que ocorre quando as partes litigantes simulam uma desavença contratual para alcançar um fim já combinado.  

Dessa forma, mesmo sendo a busca pela conciliação um dos princípios que norteiam a Justiça do Trabalho, só era possível um acordo se antes houvesse uma discussão judicializada.

A reforma trabalhista, lei 13.467/17 atendeu ao anseio de muitas pessoas que vivem o direito do trabalho, com a possibilidade de homologação de acordo extrajudicial, nos termos do artigo 855-B, inserido na CLT.

Agora, as partes podem firmar o acordo conforme sua conveniência e buscar tão somente a homologação na Justiça do Trabalho para que surta seus efeitos, no que chamamos de jurisdição voluntária.

Em resumo, as partes deverão constituir seus próprios advogados, não sendo permitida atuação de um advogado em comum a ambos, entabular o acordo e peticionar na Vara do Trabalho competente. O juiz, por sua vez, analisará o que fora pactuado e proferirá a sentença, sendo-lhe permitida a marcação de audiência antes da decisão, caso entenda necessário.

Sabemos que o juiz não é obrigado a homologar o acordo quando for verificado algum vício para celebração do ajuste, por exemplo, os vícios de vontade ou de consentimento que são (i) erro, (ii) dolo, (iii) coação, (iv) estado de perigo e (v) lesão e os vícios sociais: (vi) fraude contra credores e (vii) simulação.

Contudo, surge o principal questionamento desse breve ensaio: O juiz ao homologar pode fazê-lo de forma parcial ou lhe cabe tão somente a homologação ou não?

Antes de responder à pergunta de milhões, temos que, consoante verifica-se dos termos do art. 831 da CLT e súmula 259 do TST, sentenças homologatórias são irrecorríveis, transitando em julgado de imediato. Em tese, se o magistrado homologa o acordo em termos diversos daqueles pretendidos pelas partes, surge o entendimento de que a referida regra deixa de ser aplicada, razão pela qual são admissíveis recursos.

A discussão ainda não está pacificada, mas os Tribunais têm se manifestado quanto a tal possibilidade:

ACORDO HOMOLOGADO EM PARTE. RECORRIBILIDADE. É recorrível a decisão que homologa em parte o acordo ajustado pelos litigantes, por ser terminativa do feito, nos termos do inc. I do art. 895 da CLT. (TRT da 4ª Região, Seção Especializada em Execução, 0000005-07.2018.5.04.0373 AP, em 17/02/20, Desembargadora Cleusa Regina Halfen)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO HOMOLOGATÓRIA PARCIAL. RECORRIBILIDADE. A regra que estabelece a irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias, prevista no art. 895, I, da CLT, admite exceções, tais como aquelas retratadas na Súmula 214 do TST, sempre que conflitar com os princípios de economia e celeridade processuais e com a garantia constitucional da razoável duração do processo. Hipótese em que a sentença de homologação parcial de acordo é passível de recurso e, no caso, a Agravante pretende a reforma da sentença relativamente à alteração de uma das condições do REFERIDO acordo (cláusula de quitação do contrato). (TRT da 4ª Região, 3ª Turma, 0020664-53.2018.5.04.0303 AIRO, em 25/09/19, Desembargador Clovis Fernando Schuch Santos)

AGRAVOS DE INSTRUMENTO. DESTRANCAMENTO DE RECURSOS ORDINÁRIOS. DECISÃO QUE NÃO HOMOLOGOU O ACORDO NOS EXATOS TERMOS EM QUE PROPOSTO. POSSIBILIDADE. Não se aplica o disposto no artigo 831, parágrafo único, da CLT, quanto à irrecorribilidade da decisão de homologação de acordo, ao caso em que o juízo altera as condições propostas pelas partes acordantes, inexistindo óbice para o recebimento e processamento dos apelos interpostos. Agravos de instrumento providos para destrancar os recursos ordinários das reclamadas. (TRT da 4ª Região, 10ª Turma, 0021412-59.2016.5.04.0205 ROT, em 29/05/20, Desembargadora Ana Rosa Pereira Zago Sagrilo)

Ora, a autocomposição é uma das formas de solução de conflitos trabalhistas e deve ser prestigiada. Segundo Sergio Pinto Martins, "este é, realmente, o melhor meio de solução dos conflitos, pois ninguém melhor que as próprios partes para solucionar suas pendências [...]."1

No mesmo compasso, Júlio César Bebber2 sustenta que a recusa da homologação do acordo extrajudicial somente poderá ocorrer se evidenciada a presença de vícios. Não havendo ilicitude ou defeito na composição celebrada, a decisão que não a homologa pode ser considerada ilegal, posto que ocorre em sentido contrário a previsão legal, e reformada pelo recurso adequado.

Ressaltando a afirmação de Sergio Pinto Martins, os acordos, especialmente aqueles que dispensam a intervenção do Estado na solução dos conflitos, devem ser incentivados, pois o welfare estate não pode ser promovido somente pelo poder judiciário, principalmente quando os interesses privados convergem para o alcance da paz social tão almejada.

O TST, em decisão recente, pondera justamente a impossibilidade de o judiciário intervir na vontade das partes que exsurgiu de boa-fé e formalizada legalmente:

RECURSO DE REVISTA. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL. REFORMA TRABALHISTA. A lei 13.467/17, denominada Reforma Trabalhista, instituiu o Processo de Jurisdição Voluntária para Homologação de Acordo Extrajudicial, com a inclusão dos arts. 855-B a 855-E à CLT. Trata-se de instrumento de jurisdição voluntária, no qual as partes, de comum acordo, de forma conjunta e consentida, optam pela realização de acordo extrajudicial, instrumento que estimula a autocomposição e resulta em celeridade. Assim, não obstante a não obrigatoriedade de homologação do acordo pelo Poder Judiciário, estando demonstrados o consentimento, a boa-fé e o cumprimento dos requisitos legais necessários na sua constituição, hipótese dos autos, se as partes se reportam à quitação ampla e geral do contrato de trabalho, não há falar em homologação parcial em face de os interessados fazerem referência às verbas que estão sendo quitadas. Com efeito, a petição de acordo assinada conjuntamente pelas partes e o pedido de homologação com quitação do extinto contrato de trabalho demonstram que os interessados almejam rechaçar toda e qualquer contenda alusiva ao contrato de trabalho, não cabendo ao Poder Judiciário substituir os peticionantes e homologar parcialmente o acordo, quando a petição de homologação tinha por finalidade justamente a quitação integral do contrato havido. Recurso de revista conhecido e provido.

(TST - RR: 10030376520175020511, Relator: Dora Maria Da Costa, Data de Julgamento: 15/02/22, 8ª Turma, Data de Publicação: 18/02/22)

Assim, cumpridos os requisitos legais para validade do negócio jurídico, nos termos do artigo 104 do Código Civil: (i) agente capaz, (ii) objeto lícito e (iii) forma não proibida por lei, além da observância do art. 855-B da CLT: (iv) devendo cada parte constituir advogado próprio e, de acordo com a doutrina e jurisprudência, não cabe ao judiciário alterar o que fora pactuado, sob pena de não observar a base da Justiça do Trabalho, que é a conciliação; fustigar a vontade das partes e sempre obrigar os contratantes à Jurisdição Contenciosa, avolumando as estatísticas de um dos países mais litigantes do mundo na seara laboral. 

___________

1 MARTINS, Sergio Pinto. Direito Processual do Trabalho - 41 ed. - São Paulo: Saraiva Educação, 2019. Pág. 99.

2 BEBBER, Júlio César. Reforma Trabalhista, Visão, Compreensão e Crítica - 1 ed. - Ltr, 2017, págs. 263 a 271

Tairo Ribeiro Moura

Tairo Ribeiro Moura

Sócio do MoselloLima Advocacia. Pós-Graduado em Direito do Trabalho pela PUC Minas. Pós-Graduado em Direito Processual pela PUC Minas Prof. de Processo do Trabalho na FASB em Teixeira de Freitas/BA

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