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Começa uma nova era nas transmissões esportivas

Para ilustrar o que o futuro pode nos reservar, iremos apresentar um case para demonstrar como a Lei do Mandante pode revolucionar os direitos de transmissão de jogos.

quarta-feira, 6 de julho de 2022

Atualizado às 08:35

Em setembro de 2021 foi sancionada a lei 14.205/21, também conhecida como Lei do Mandante, que altera a regra de comercialização dos direitos de transmissão dos clubes. A  lei também alterou a forma de repasse do direito e arena para os jogadores, inclusive, os reservas, além de trazer uma regra de transição para os contratos de transmissões em vigor.

A alteração legislativa associada à pandemia são uma combinação que traz grande expectativa para o mercado de transmissão esportiva, considerando que a pandemia acarretou o isolamento das pessoas e aumentou a demanda pelo consumo de transmissão esportiva  no mercado.

Para ilustrar o que o futuro pode nos reservar, iremos apresentar um case para demonstrar como a Lei do Mandante pode revolucionar os direitos de transmissão de jogos. Trata-se do caso envolvendo um profissional chamado Casimiro Miguel. Não conhece?

O streamer Casimiro Miguel representa essa mudança de mercado. O carioca é um dos fenômenos quando o tema é sobre streaming, esportes e entretenimento. Com 28 anos, o profissional com passagem no SBT e no canal pago TNT Sports, recebeu em 2021 o prêmio eSports Brasil e Prêmio iBest de 2021, eleito personalidade do ano e melhor twitcher do ano, respectivamente, o profissional apresenta números impressionantes, com recordes batidos.

Em janeiro de 2022, a Netflix lançou a série "Neymar - O Caos Perfeito"  sobre o craque do futebol Neymar Junior . Casimiro pediu para a empresa de streaming liberar a transmissão do episódio de lançamento no seu canal da Twitch, a qual pertence ao grupo Amazon, empresa  concorrente direta da Netflix. Além disso, Casimiro trabalha no canal de esportes do grupo Warner, que também possui sua plataforma de streaming HBO MAX, mas tudo isso não foi um obstáculo para que ele fizesse a transmissão. Resultado: ao todo 5401 mil espectadores sintonizaram o evento de lançamento, atingindo assim um recorde dentro da plataforma da Amazon.

Esse evento abriu novas oportunidades ao streamer que no mesmo mês adquiriu2 os direitos de transmissão do campeonato carioca junto à Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro. Este movimento demonstra a força que os canais de streaming passaram a ter, acelerando a mudança na forma de consumo do produto futebol com a quebra do monopólio da televisão, seja ela aberta ou paga.

A  última empreitada que o  comunicador anunciou foi a transmissão dos jogos do Club Athletico Paranaense em seu canal na plataforma da Amazon. A equipe paranaense possui contrato de transmissão com a Globo para TV aberta, contudo não chegou a um acordo para transmissão dos jogos na TV fechada e pay-per-view, sendo o único clube da série A do campeonato Brasileiro que não chegou a um acordo, permitindo assim a aplicação imediata da Lei do Mandante.

Retornando para o tema legislativo, é importante citar que os direitos de transmissão apareceram no Brasil em 1973 com a lei 5.988, que tratou de regulamentar os direitos autorais. Essas regras foram alteradas em 1993 pela Lei Zico e, finalmente, em 1998 com a Lei Pelé.

Os regramentos anteriores à lei sancionada determinavam que "o direito de transmissão de um evento pertencia aos dois clubes", independentes de qual clube seja os mandantes.

A regra trazia como principal fator que somente a emissora detentora dos direitos de ambos os clubes poderiam fazer a transmissão, exemplificando justamente o que ocorre com o clube paranaense.

A alteração trazida pela Lei do Mandante em seu art. 2º  inclui a seguinte redação:

Art. 2º A Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 42-A:

"Art. 42-A. Pertence à entidade de prática desportiva de futebol mandante o direito de arena sobre o espetáculo desportivo.

§ 1º Para fins do disposto no caput deste artigo, o direito de arena consiste na prerrogativa exclusiva de negociar, de autorizar ou de proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens do espetáculo desportivo, por qualquer meio ou processo.

Importante mencionar que o § 7º3 tratou de resguardar os contratos firmados anteriormente à legislação, trazendo assim uma segurança jurídica aos contratos ajustados, visto que mesmo a lei entrando em vigor na data da sua publicação, ela não atingiu os contratos em vigor, considerando que grande parte dos contratos estão vigente até 2024, a expectativa é grande de como o mercado irá se comportar.

Mundialmente existem diversos modelos sobre direitos de transmissão, como citou o jornalista Rodrigo Capelo em seu blog.4 Nas principais Ligas europeias vigoram regras diferentes, em alguns casos os direitos pertencem a outras entidades. Na Itália e na Espanha, clubes devem cedê-los para ligas compostas por eles mesmo, isso por imposição legal. Na França, o monopólio não é para a liga dos clubes e, sim, à federação nacional que faz o repasse aos clubes.

À margem de outros países, o campeonato inglês apresenta o modelo mais eficiente, a Premier League, liga que mais arrecada no mundo em direitos de transmissão. Os direitos são negociados pela liga dos clubes, com um formato centralizado e coletivo, sendo que a comercialização é realizada ao mercado por meio de leilões. Um fato chama à atenção desde a criação da liga: não existem transmissões em televisão aberta e/ou gratuita, apenas na tevê por assinatura.

O Lei do Mandante, além de tratar do seu principal assunto que é dos direitos de transmissão, buscou por meio do seu art. 42-A, §2º, o repasse de 5% do direito de arena para os jogadores.

§ 2º Serão distribuídos aos atletas profissionais, em partes iguais, 5% (cinco por cento) da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais do espetáculo desportivo de que trata o caput deste artigo.

Outro item que a lei buscou de resolver diz respeito em normatizar o direito de arena aos jogadores reservas:

§ 5º Para fins do disposto no § 2º deste artigo, quanto aos campeonatos de futebol, consideram-se atletas profissionais todos os jogadores escalados para a partida, titulares e reservas.

O texto normativo, veio para reforçar o entendimento da imensa maioria da doutrina e jurisprudência, que reconheciam que o atleta que está no banco de reservas assina súmula, pode ser expulso, tem a sua imagem exposta e é sempre uma alternativa para o jogo, logo tem direito ao repasse.

Segundo entendimento Alcirio Dardeau de Carvalho5, preconizava antes mesmo da Lei do Mandante:

A situação do atleta RESERVA, no entanto, deve merecer tratamento especial, porque a lei não estabelece limite de tempo de participação para que o atleta tenha direito de ser incluído no rateio(...). O espetáculo desportivo, além disso, não se inicia apenas no momento em que o árbitro determina que comece. Antes disso, e sem dúvida integrante do espetáculo como um todo, há o período de apresentação das equipes, com atletas titulares e reservas empenhados no chamado 'bate-bola' e em exercícios de aquecimento. Esses procedimentos são muito comuns em vários desportos, principalmente no futebol, no voleibol e no basquetebol. Destarte, qualquer atleta que tenha a sua imagem focalizada nesses períodos deve ser considerado atleta participante, para os efeitos do disposto no §1° do art. 42

A jurisprudência também já reconhecia:

DIREITO DE ARENA. JOGADOR RESERVA. VERBA DEVIDA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 42 DA LEI 9.615/98. A percepção do direito de arena está vinculada à participação do atleta no evento esportivo, independente da condição de titular ou reserva, porquanto o art. 42 da Lei nº 9.615/98 não faz tal distinção. Precedentes. Recurso de revista não conhecido, no tema. (TST - RR: 26138820105020057, Relator: Hugo Carlos Scheuermann, Data de Julgamento: 03/10/2018, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 05/10/2018)

A  recente legislação buscou trazer uma nova dinâmica ao mercado de transmissão  e resolve problemas normativo que ocasionam diversas demandas judiciais dos jogadores reservas.

Ademais, como em outros setores da economia, a aceleração do processo de mudança do consumo de entretenimento na forma virtual e pela internet, muito provavelmente, vai gerar maior competitividade e opções ao público consumidor brasileiro para assistir seus esportes favoritos, como se observa hoje com o consumo de séries e filmes pelas plataformas de streaming.

Neste sentido, os canais de streaming, certamente, irão figurar como fortes concorrentes das emissoras de televisão, além da plataforma da Amazon, YouTube, Facebook e Warner já entraram fortemente na disputa: a transmissão dos jogos dos campeonatos estaduais já demonstraram como a concorrência no mercado de transmissão de jogos irá se comportar futuramente.

A abertura6 do mercado trazida pela Lei do Mandante, demonstra que a pandemia conseguiu acelerar processos que antes de março de 2020, eram impensáveis. A digitalização da sociedade, neste caso do mercado de entretenimento potencializa não só a concorrência, como obriga as empresas  a focar em inovação e repaginar a sua forma de linguagem, destacando que quando isso ocorre por meios legislativos, a segurança jurídica vem como um elemento de extrema importância.

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1 Casimiro: recordes e destaques da trajetória do streamer na Twitch. https://www.techtudo.com.br/listas/2022/03/casimiro-recordes-e-destaques-da-trajetoria-do-streamer-na-twitch-esports.ghtml.Acesso em 15 de maio de 2022

2 Fenômeno da internet, Casimiro compra direitos de Campeonato Carioca. https://vejario.abril.com.br/beira-mar/casimiro-direitos-transmissao-campeonato-carioca/. .Acesso em 15 de maio de 2022

3 § 7º As disposições deste artigo não se aplicam a contratos que tenham por objeto direitos de transmissão celebrados previamente à vigência deste artigo, os quais permanecem regidos pela legislação em vigor na data de sua celebração

4 https://ge.globo.com/blogs/blog-do-rodrigo-capelo/post/2020/06/25/como-as-maiores-ligas-europeias-negociam-direitos-de-transmissao-e-distribuem-verba-entre-clubes-compare-com-o-futebol-brasileiro.ghtml

5 CARVALHO, Alcirio Dardeau de. Comentários à lei sobre desportos: Lei n° 9.615, de 24 de março de 1998. Rio de Janeiro: Destaque, 2000, p. 114, grifo do autor

6 O streaming de transmissões de futebol marca uma nova era da comunicação esportiva. https://futebolinterativo.com/blog/streaming-transmissoes-futebol. Acesso em 15 de maio de 2022

Ronaldo Cavalcanti de Albuquerque

Ronaldo Cavalcanti de Albuquerque

Advogado e sócio na Lee, Brock e Camargo Advogados (LBCA).

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