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O direito autoral da música em estabelecimentos comerciais

A arrecadação é uma prerrogativa legal, baseada tanto na lei do direito autoral como na Constituição Federal.

quinta-feira, 7 de julho de 2022

Atualizado em 18 de julho de 2022 10:13

A Constituição Federal, especificamente no artigo 5º, garante o direito de associação a todos. Seguindo o mesmo sentido, a lei do direito autoral também versa sobre o tema e garante o direito de associação dos autores protegidos por lei.

É possível a criação de diversas associações que busquem proteger os direitos de seus membros. Entretanto, o autor apenas poderá participar de uma associação para gestão de direitos da mesma natureza.

Art. 97. Para o exercício e defesa de seus direitos, podem os autores e os titulares de direitos conexos associar-se sem intuito de lucro.

§ 1º As associações reguladas por este artigo exercem atividade de interesse público, por determinação desta Lei, devendo atender a sua função social.     

§ 2º É vedado pertencer, simultaneamente, a mais de uma associação para a gestão coletiva de direitos da mesma natureza. 

Assim, as associações exercerão sua função social com intuito de garantir os direitos dos autores, dentre eles, o direito de usufruir benefícios inerentes à sua criação. As associações pertencentes a um ramo autoral serão geridas por um escritório central, para realizar a gestão, arrecadação e distribuição das associações. 

Artigo 99: ...associações de gestão coletiva criadas para este fim por seus titulares, as quais deverão unificar a cobrança em um único escritório central para arrecadação e distribuição, que funcionará como ente arrecadador com personalidade jurídica própria.

Dessa maneira, o ECAD, Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, é administrado por sete associações, formada por compositores, intérpretes, músicos, editores e produtores fonográficos. A sua função é atuar como fiscalizador da manutenção do direito autoral musical, bem como centralizar a arrecadação e distribuição das associações.

O ECAD visa a arrecadação de valores pelo uso do direito autoral explorado de maneira pública, com intuito de lucro direto ou indireto. Nesse sentido, a cobrança incidirá sobre as obras musicais.

 A base legal para cobrança parte da proibição de utilização de composições musicais, ou obras audiovisuais sonorizadas em representações e execuções públicas ou frequência coletiva, sem prévia autorização dos autores.

Será considerada execução pública a utilização de obras intelectuais em estabelecimentos coletivos, ou seja, aquele que vise alcançar ouvintes ou telespectadores e com isso arrecadar lucros diretos ou indiretos.

Dessa forma, a lei do direito autoral apresenta um rol de estabelecimentos comerciais que são passíveis de frequência coletiva ou execuções públicas. Esses estabelecimentos necessitam de autorização para utilização das obras.

Art. 68. Sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em representações e execuções públicas.

§ 3º Consideram-se locais de frequência coletiva os teatros, cinemas, salões de baile ou concertos, boates, bares, clubes ou associações de qualquer natureza, lojas, estabelecimentos comerciais e industriais, estádios, circos, feiras, restaurantes, hotéis, motéis, clínicas, hospitais, órgãos públicos da administração direta ou indireta, fundacionais e estatais, meios de transporte de passageiros terrestre, marítimo, fluvial ou aéreo, ou onde quer que se representem, executem ou transmitam obras literárias, artísticas ou científicas.

A cobrança é fundada no fato de que os estabelecimentos comerciais utilizam as obras intelectuais para oferecer diferencial na prestação do serviço, e consequentemente obtém lucro indireto ou direto e, por essa razão, devem realizar o pagamento da contribuição. Assim, cabe ao empresário que utiliza obras musicais realizar o pagamento da contribuição devida, nos termos do artigo 99 da lei 9.610/98:

§ 4º Previamente à realização da execução pública, o empresário deverá apresentar ao escritório central, previsto no art. 99, a comprovação dos recolhimentos relativos aos direitos autorais.

É importante observar que o simples pagamento de serviços, como de streaming, que oferecem músicas e obras audiovisuais, não se configura como arrecadação de valores devidos ao ECAD, pois esse pagamento é feito para utilização individual ou familiar. Conforme o STJ, na súmula 63, o pagamento realizado a empresa que oferecem serviços de transmissão de música, confere ao adquirente o direito de uso individual ou em ambiente familiar, não se estendendo ao uso comercial. "Súmula 63 - São devidos direitos autorais pela retransmissão radiofônica de músicas em estabelecimentos comerciais."

Dessa forma, quando um estabelecimento utiliza uma obra proveniente de alguma transmissão que seja paga, não será considerada dupla contribuição ao realizar o pagamento do meio de transmissão e do recolhimento devido ao ECAD.

É claro que cada caso deve ser analisado de forma individual, se porventura o comerciante não utilize a música com interesse direto ou indireto de aumentar seus ganhos patrimoniais, poderá utilizar sem o devido pagamento. Observe:

CIVIL. DIREITO AUTORAL. COBRANÇA. ECAD. LEGITIMIDADE.  PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. CAPTAÇÃO DE MÚSICA POR RÁDIO.ESTABELECIMENTO COMERCIAL MODESTO. LUCROS DIRETO E INDIRETO NÃO CONFIGURADOS. SÚMULA N. 63-STJ. LEI N. 5.988/73. I. A captação de música em rádio e a sua divulgação através de dois alto-falantes pequenos, em estabelecimento comercial de diminuto porte, não constitui hipótese de incidência de direitos autorais, à míngua de identificação, na espécie, de presença de lucro direto ou indireto, senão de entretenimento do próprio titular e de uns poucos empregados. II. Inaplicabilidade, pelas circunstâncias fáticas encontradas, da Súmula n. 63 do STJ. III. Recurso especial não conhecido. (REsp 186.197/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 07/11/2002, DJ 10/02/2003, p. 212)

A utilização de direitos autorais em estabelecimentos comerciais sem o pagamento da retribuição devida poderá culminar em multa de até vinte vezes maior que o valor que seria pago, conforme o artigo 109 da lei 9.610/98.

Além disso, poderá o autor ingressar com ação judicial visando o pagamento de danos morais e a aplicação de outras sanções penais aplicáveis.

Art. 105. A transmissão e a retransmissão, por qualquer meio ou processo, e a comunicação ao público de obras artísticas, literárias e científicas, de interpretações e de fonogramas, realizadas mediante violação aos direitos de seus titulares, deverão ser imediatamente suspensas ou interrompidas pela autoridade judicial competente, sem prejuízo da multa diária pelo descumprimento e das demais indenizações cabíveis, independentemente das sanções penais aplicáveis; caso se comprove que o infrator é reincidente na violação aos direitos dos titulares de direitos de autor e conexos, o valor da multa poderá ser aumentado até o dobro.

Nesse tocante, caso o comerciante não queira contribuir, é importante buscar obras  que estejam em domínio público. As obras musicais  possuem prazo de proteção de 70 anos após o falecimento do autor. Decorrido o  período caem em domínio público e podem ser utilizadas por todos, sem a necessidade do pagamento de retribuição de direitos autorais.

Assim,  caso a sonorização seja apenas para ambientalização do local, recomenda-se que se utilize músicas que já estão em domínio público, como Mozart, assim não recairia nenhuma cobrança de contribuição.

Cabe ao ECAD avaliar e determinar qual o valor da arrecadação devido pelo uso. O cálculo é feito com base no tipo de estabelecimento, na frequência sonora utilizada, na forma de apresentação da obra, entre outros critérios apresentados. Por essa razão, é importante que os cálculos sejam feitos pelo escritório, pois saberá dimensionar cada parâmetro necessário.

Por fim, a arrecadação é uma prerrogativa legal, baseada tanto na lei do direito autoral como na constituição federal. Dessa forma, o objetivo é  incentivar e proteger artistas e suas criações, garantindo os direitos daqueles que desprendem seu tempo a criar obras musicais que fazem parte da nossa rotina.

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BRASIL. Lei 9610/98, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências.  Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm. Acesso em 11 de junho de 2022

ECAD. O valor da música. Disponível em: https://www4.ecad.org.br/arrecadacao/.  Acesso em: 13 de junho de 2022

REsp 186.197/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 07/11/2002, DJ 10/02/2003, p. 212)

Lorena Marques Magalhães

Lorena Marques Magalhães

Advogada na Barreto Dolabella advogados, mestranda em propriedade intelectual e transferência de tecnologia na UNB

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