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A paz perpétua de Kant - análise teleológica

Uma análise histórica e descritiva sobre a necessidade de conciliação universal.

segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Atualizado em 16 de agosto de 2022 07:39

Após a guerra entre a Prússia e a França, houve a ratificação do Tratado de Paz da Basiléia, fato que inspirou ao filósofo alemão Immanuel Kant a idealização de uma paz universal e eterna. Nesse contexto, esse ilustre doutrinador expôs ao mundo vertentes jusfilosóficas com o intuito de evitar a guerra, mesclando deveres políticos com prospecção econômica e social. Por conseguinte, criou, em 1795, a obra intitulada "A paz perpétua, um projeto filosófico", com a finalidade de unir nações por meio de tratados entre os povos. Todavia, grande parte da doutrina e dos historiadores discutiam sobre a impossibilidade de concretude desses ideais, diante da aparente erosão normativa do Direito Internacional e a falsa aparência de autonomia entre os Estados.

A priori, faz-se necessário argumentar sobre as condições preliminares de paz especificadas por Kant: Estado republicano, federalismo, soberania e autonomia institucional normativa, e reciprocidade estatal. Nessa linha, com tais pilares, o autor descreveu que "Nenhum estado independente, grande ou pequeno, poderá ser adquirido por outro mediante herança, troca, compra ou doação". Destarte, percebe-se que a base hipotética da paz eterna fomentava a sustentação interna dos entes políticos com fortalecimento econômico e político para que, posteriormente, houvesse mutualidade de atos e não subordinação. Para complementar a explicação, pode-se citar o pensamento do filósofo Montesquieu, "o comércio afasta os preconceitos destruidores e gera a cooperação". Outrossim, o Estado de Paz Internacional supracitado permite a interpretação republicana de separação de poderes, evitando arbitrariedades e concentração mandamental.

Além disso, é cediço que Kant era contra a existência de exércitos permanentes, reservas secretas de créditos com armamentos de guerrilha e endividamentos das nações com assuntos de políticas externas. Tudo isso, para que não houvesse a possibilidade de romper a confiança entre os entes após a ratificação de Tratados de Paz. Segundo esse pensador, "Nenhum Estado deve imiscuir-se pela força na Constituição e no governo de outro Estado e nem deve permitir hostilidades que tornem impossível a confiança mútua na paz futura". Nesse ângulo, para muitos filósofos, a paz não pode ser considerada um estado natural, mas sim artificial, cuja tratativa é pautada na reciprocidade.

Entretanto, diante de toda argumentação positiva a respeito da paz perpétua, pode-se contextualizar que nem no pretérito e nem atualmente foi possível a total aplicação dessa teoria, uma vez que são inúmeros os entraves para sua efetivação. Ou seja, os Estados não conseguem atingir a autonomia e a liberdade descrita por Kant, pois os sistemas de contratos e das leis de ordem econômica pactuam com subordinação mútua, gerando interesses e incitando conflitos. Além disso, na contemporaneidade, cada vez mais, o individualismo está presente nos entes políticos, que preferem criar barreiras e trincheiras culturais, econômicas e sociais a ter hospitalidade entre os entes estrangeiros. Assim, infere-se que a boa-fé das relações internacionais, para muitos doutrinadores, tem sentido conotativo e é descrita como uma utopia axiológica.

Para finalizar, o contexto atual da guerra entre a Rússia e a Ucrânia possibilita que o leitor conclua que poderia haver uma paz duradoura entre os povos, mas os interesses econômicos, muitas vezes, sobressaem-se em relação aos de comunidade pacífica. Nessa toada, a grande questão a ser discutida é a quem interessam as guerras e os conflitos entre as nações e quem pagará o preço da posterior destruição pós-guerra. Explicando melhor, na visão de muitos juristas, se a população em guerra fosse consultada previamente sobre a possibilidade ou não de guerra no seu país, a resposta seria negativa, pois esta certamente arcaria com os prejuízos e com as crises futuras. Contudo, é fato que sempre haverá lucro para alguns que se utilizarão de interesses disfarçados de nacionalismo. Desse modo, a paz perpétua de Kant, apesar de todas as críticas, merece ser repensada, para que se evitem conflitos e se criem alternativas possíveis para a universalização de uma comunidade pacífica.

Joseane de Menezes Condé

VIP Joseane de Menezes Condé

Discente de Direito em Piracicaba, estagiária do TRT 15 e é formada em Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve para o Jornal Gazeta Piracicab .

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