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Direito intertemporal e a Lei 11.232

Importante aspecto que se apresenta na inovação processual introduzida pela última reforma processual (Lei 11.232/05) diz respeito à vigência da lei no tempo.

terça-feira, 27 de março de 2007

Atualizado em 26 de março de 2007 08:54


Direito intertemporal e a Lei 11.232

Mirna Cianci*

Importante aspecto que se apresenta na inovação processual introduzida pela última reforma processual (Lei 11.232/05 - clique aqui ) diz respeito à vigência da lei no tempo.

Desde logo há que se ter presente a forma sob a qual se insere a nova ordem processual, tendo em conta os processos pendentes, tendo por certo que, a toda evidência, a reforma será inaplicável aos processos findos, assim entendidos aqueles cuja fase executiva se tenha esgotado, com ou sem a satisfação do crédito, de modo a ter sido emitida sentença de extinção.

Tratando-se de matéria processual, com caráter de ordem pública, em regra tem imediata aplicabilidade, ressalvadas as situações jurídicas consolidadas1.

Não se aplica, portanto, a lei nova a atos processuais já praticados, ainda que produzam efeitos no curso posterior do processo2 , de modo que não se trata de efeito retroativo, mas sim imediato da lei, este entendido como aquele que rege os atos e fatos posteriores à sua vigência.

Respeitado esse parâmetro e adaptando o tema especificamente ao cumprimento de sentença, temos que a sentença proferida sob a égide do ordenamento anterior deverá ser executada nos moldes tradicionais, não só porque, ao contrário do que agora temos, era antes essa decisão apta a por termo ao processo (no atual sistema apenas se encerra uma fase processual com a sentença), como também pelo fato de ser ela proferida sem o comando executivo de que a partir de agora será dotada, onde ao juiz será dado determinar, seu cumprimento, desde logo, sob pena de multa.

Nesse passo, não há como concordar com o asserto de Alexandre Freitas Câmara3 , para quem, se já iniciada a execução, mas ainda não citado o devedor, deverá o juiz de ofício impor o pagamento sob pena de multa, a teor do disposto no novel artigo 475-J do CPC (clique aqui), mesmo ausente esse molde na sentença exeqüenda.

E a tanto se alude porque a sentença, uma vez proferida, é ato jurídico perfeito4 , não comportando modificações, salvo expressa previsão legal. Será fato consumado5 no processo, ao tempo do ordenamento antecedente, que se aplica, num regime de convivência de sistemas.

Assegurado como garantia constitucional, não sujeito a restrições, o ato jurídico perfeito impôs limite ao poder legiferante, na medida em que trata-se de norma destinada à conduta do legislador ordinário, que deve atuar segundo a ratio constitutionis. Essa regra vem ainda inserta na Lei de Introdução do Código Civil (LICC - clique aqui) - art. 6º -: " A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada" E: " § 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou".

A propósito Wambier, Wambier e Medina6 acrescentam que "portanto, parece evidente que a única regra que poderia aqui incidir é a de que ninguém pode ser punido ou premiado por praticar determinada conduta, a não ser pelas regras que estavam em vigor ao tempo em que sua conduta foi praticada".

Comporta pequeno temperamento essa conclusão: o que conduz ao sincretismo (rectius à fusão da cognição-execução) é o novo trato que se deu à sentença (CPC, artigo 162) e ao seu conteúdo (CPC, artigo 475-J), de modo que a decisão proferida sem tais caracteres haverá que ser executada sob o molde em que foi proferida. Mas, se editada depois da vigência da lei nova, ainda que atinente a obrigação anterior, aplica-se esta integralmente, até porque, em se tratando de título judicial, a obrigação nasce com a sentença, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça7 .

Conveniente traçar um paralelo: o sistema recursal prevê que a lei nova terá vigência no momento em que a sentença é proferida. Assim entendido, se no momento da sentença, tinha vigência a sistemática anterior, não há que se admitir a inovação. Conquanto aparente andar na contra-mão da almejada efetividade, verdade é que há de se respeitar a coisa julgada e o ato jurídico perfeito, garantias constitucionais, onde resta inadmissível viabilizar a mudança do conteúdo da sentença, de modo a adaptá-la ao novo regime8.

Com isso, transitada em julgado a sentença, ou estando apta à execução provisória, desde que proferida na vigência do ordenamento anterior, não se aplica a inovação nem nas demais fases processuais, nem tampouco no que se segue do processo executivo.

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1 SERVIDOR. URP. 26,05%. INCORPORAÇÃO. PROCESSO CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ALTERAÇÃO DA DECISÃO EXEQÜENDA. IMPOSSIBILIDADE. ART 741, PARÁGRAFO ÚNICO, CPC. ALTERAÇÃO POR MEDIDA PROVISÓRIA. NORMA PROCESSUAL. ABRANGÊNCIA DOS PROCESSOS EM CURSO. TÍTULO JUDICIAL TRANSITADO EM JULGADO ANTES DA EDIÇÃO DA MEDIDA PROVISÓRIA.

As normas de direito processual, dada sua natureza de ordem pública, têm aplicação imediata, atingindo, inclusive, os processos pendentes de julgamento, impondo-se, no entanto, respeitar as situações jurídicas já consolidadas sob a vigência da lei anterior.

O parágrafo único do art. 741 do Código de Processo Civil não deve incidir nos processos cuja sentença exeqüenda passou em julgado antes de sua entrada em vigor, sob pena de violação à coisa julgada.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp 626.801/RN, Rel. Min. Paulo Medina, SEXTA TURMA, julgado em 28.03.2006, DJ 08.05.2006 p. 304 - grifo nosso)

2 Wambier, Wambier e Medina (Breves comentários,p. 301) trazem a lume a lição de Arruda Alvim, para quem "aos atos processuais praticados na vigência de lei anterior, desde que devam produzir efeitos no futuro e ocorra mudança de lei, é a lei anterior que deverá ser aplicada, porque ela continua legitimamente a reger aqueles efeitos ulteriores".

3 A nova execução de sentença, p. 179. Humberto Theodoro Junior a respeito também considera que as sentenças anteriores que não chegaram a provocar a instauração da ação autônoma de execução, submeter-se-ão ao novo regime de cumprimento, mesmo que tenham transitado em julgado antes de sua vigência (As novas reformas do Código de Processo Civil, p. 125

4 Na lição de Maria Helena Diniz, ato jurídico perfeito é o já consumado, segundo a norma vigente ao tempo em que se efetuou. Já se tornou apto para produzir efeitos. (Conflito de Normas, p. 37)

5 Para Teori A. Zavascki "O termo "consumado" [refere-se ao ato jurídico perfeito, art. 6º, § 1º, da LICC] deve ser entendido como se referindo aos elementos necessários, à existência do ato, e não às execução ou aos seus efeitos materiais. Ou seja: ato consumado é ato existente (em que se acham completos, "consumados" , todos os requisitos para a sua formação), ainda que pendentes (= ainda que não "consumados") os seus efeitos"- (Processo coletivo - tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos)

Ao que tudo indica, será esse o entendimento a ser consolidado na jurisprudência, na esteira de respeitável doutrina, conquanto aqui se demonstre a discordância. A propósito: TJSP - AI 455.985-4/2-00, de 13.9.2006, rel.Des. Américo Izidoro Angélico; TJRS - Decisão Monocrática 70016962821, de 21.9.2006, rel. Des. Otavio Augusto de Freitas Barcellos; TJMG, 1.0024.00.090029-0/001, de 27.9.2006, rel. Des. Selma Marques; TJRS - Decisão Monocrática 70016943524, de 21.09.2006, rel. Des. Paulo Sergo Scarparo; TJRS, Decisão Monocrática 70016563728, de 11.09.2006, rel. Des. Otavio Augusto Freitas Barcellos. E, decidindo inaplicável a nova lei, quando já efetivada penhora: TJRS, Decisão Monocrática 70016831737, de 12.09.2006, rel. Des. Antonio Correa Palmeiro da Fontoura. TJES - AI 024.06.900598-1, de 10.10.2006, rel. Des. Maurílio Almeida de Abreu.

Foi ainda aplicado o disposto no artigo 475-H do CPC, com a redação dada pela Lei 11.232/2005, tendo decidido o TJMT (AI 50008/2006, de 4.9.2006, rel. Des. Benedito Pereira do Nascimento) que o recurso a ser interposto a propósito da decisão na liquidação será o de agravo de instrumento, consoante a nova sistemática processual inserida pela Lei 11.232/2005.

6 Breves Comentários., p. 311

7 PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. JUROS MORATÓRIOS. APLICAÇÃO DA LEI VIGENTE AO TEMPO DO TRÂNSITO EM JULGADO. ART. 15-B DO DECRETO-LEI 3.365/41, INSERIDO PELA MP 1.901-30/99. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO. APLICAÇÃO DA LEI VIGENTE AO TEMPO EM QUE PROLATADA A SENTENÇA. JUROS COMPENSATÓRIOS. TERMO INICIAL DE INCIDÊNCIA. SÚMULAS 69 E 114/STJ.

(omissis)

3. A obrigação de efetuar o pagamento da indenização nasce com o trânsito em julgado da sentença, a partir de quando a Fazenda Pública passa a incidir em mora. A lei aplicável, portanto, no que tange ao termo inicial de incidência dos juros moratórios, é a vigente nesse momento.

(omissis)

5. A orientação desta Superior Corte de Justiça, invocando mais uma vez o princípio tempus regit actum, firmou-se no sentido de que a fixação dos honorários advocatícios rege-se pela lei vigente ao tempo em que prolatada a sentença que os impõe.

(omissis) (REsp 669.723/RS, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18.05.2006, DJ 12.06.2006 p. 441 - grifo nosso)

Em Ensaio publicado a respeito da incidência da nova taxa de juros, Guilherme Rizzo Amaral destaca que, "se já houve sentença, constituindo título de crédito com taxa fixa de juros de 6% ao ano, não vemos como a mesma ser alterada por força da nova lei. A sentença é ato jurídico perfeito e, transitada em julgado, adquire ainda a qualidade de coisa julgada. Como bem se vê, estão aqui presentes duas vedações constitucionais à retroatividade da nova lei. Entretanto, para processos pendentes, anteriormente à sentença, propugnamos pela imediata aplicabilidade de novo índice de juros de mora, a partir da entrada em vigor do novo código civil. Ora, os juros de mora punem esta conduta do devedor, reiterada dia a dia, desde a citação válida (art. 219 do CPC). Assim, a aplicação imediata dos novos juros de mora não constituirá retroação da nova lei, desde que, para o período anterior à entrada em vigor do novo código civil, utilize-se o índice então vigente. Entretanto, para processos pendentes, anteriormente à sentença, propugnamos pela imediata aplicabilidade de novo índice de juros de mora, a partir da entrada em vigor do novo código civil. Ora, os juros de mora punem esta conduta do devedor, reiterada dia a dia, desde a citação válida (art. 219 do CPC). Assim, a aplicação imediata dos novos juros de mora não constituirá retroação da nova lei, desde que, para o período anterior à entrada em vigor do novo código civil, utilize-se o índice então vigente.(Ensaio acerca do impacto do Novo Código Civil sobre os processos pendentes).

8 O recurso é regido pela lei do tempo em que tiver sido proferida a decisão e, conforme a doutrina, a lei processual tem vigência imediata e se aplica aos processos pendentes, mas rege sempre para o futuro, eis que os atos processuais já praticados sob a égide da lei antiga caracterizam-se como atos jurídicos processuais perfeitos, estando protegidos pela garantia constitucional da CF, art. 5º, XXXVI, não podendo ser atingidos pela Lei Nova. (TJDFT -2006-00-2-007115-1 (ARAI) Rel. Des Humberto Adjuto Ulhoa, 26.7.2006)

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*Procuradora do Estado (SP)





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