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Lógica inquistória no sistema democrático

Atribuir - ou permitir-se que se atribua - ao julgador poderes quase absolutos é instalar uma verdadeira lógica inquisitória dentro de um sistema assumidamente democrático, consoante afirma a Constituição Federal.

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Atualizado às 14:25

No atual panorama eleitoral, aquecido pelas candidaturas ao cargo máximo do Poder Executivo Federal, diversas operações policias têm sido deflagradas não só em âmbito federal, mas também em diversos estados da federação.

Neste contexto, destacam-se as recentes medidas decretadas pelo Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em face de importantes nomes do cenário empresarial brasileiro e que, presumivelmente, estariam ligados ao Presidente da República, Jair Bolsonaro.

As diligências em comento ganharam relevo na atual conjuntura político-jurídica pois, conforme vem sendo amplamente comentado, a ordem emanada da Corte Suprema é nutrida, essencialmente, por ilegalidades que advém não só de sua fundamentação, mas das próprias circunstâncias em que foi determinada.

Para melhor contextualização do tema delineado, é necessário um brevíssimo apanhado acerca dos sistemas processuais existentes, distinguindo-se o sistema inquisitório em contraposição ao acusatório.

Deste modo, mencionar a Santa Inquisição torna-se indispensável para a compreensão da reflexão que se objetiva, visto que fora utilizada pela Igreja Católica com o objetivo de combater os atos e costumes sobre os quais havia uma proibição, mesmo sem qualquer assunção prévia acerca de sua ilicitude, o que comumente era utilizado para finalidades políticas.

Nesta linha, a lógica inquisitória caracteriza-se por concentrar todas as funções processuais do Estado em uma só instituição, que buscará instrumentalizar os braços estatais em prol de um interesse não esclarecido, através da persecução sobre condutas criminosas não determinadas previamente.

Neste sentido, o sistema acusatório surge como uma providência voltada a evitar os poderes absolutos do Juiz, separando o julgador da figura do acusador, e criando sujeitos específicos aos quais será atribuído o poder de postular perante o Estado.

Em razão disto, o agente acusatório, dentro da lógica acusatória brasileira, além de possuir os poderes inerentes a sua função, detém também a responsabilidade de zelar pela legalidade, cabendo unicamente a ele solicitar medidas restritivas como busca e apreensão e quebras de sigilo, não podendo o julgador faze-lo sem o seu requerimento.

Logo, posto que tal sistemática fora estabelecida para minorar as ilegalidades no exercício do poder jurisdicional, qualquer desvio nas regras do jogo acarreta a supressão de direitos e garantias individuais, o que se pode constatar em recentes operações policiais que escancaram o uso do aparato jurídico-estatal para fazer guerra política.

A vista disto, é necessário que se ressalte que, apesar do Poder Legislativo possuir funções de julgamento atípicas que se restringem ao julgamento de seus próprios integrantes, estes não possuem poderes para postular pretensões contra terceiros em substituição à função acusatória e, no contexto apresentado, tal comportamento reforça a crença de que se estaria fazendo uso do judiciário para pretensões eminentemente políticas.

Isto posto, importante rememorar que o legado da inquisição não é de se comemorar, destacando-se a execução em massa de cidadãos que sequer sabiam ao certo os motivos de seu julgamento, além de diversos "erros judiciários" cujas consequências são irreversíveis.

Desta maneira, atribuir - ou permitir-se que se atribua - ao julgador poderes quase absolutos é instalar uma verdadeira lógica inquisitória dentro de um sistema assumidamente democrático, consoante afirma a Constituição Federal.

Leonardo Tajaribe Jr.

VIP Leonardo Tajaribe Jr.

Advogado Criminalista. Especialista em Direito Penal Econômico (COIMBRA/IBCCRIM). Pós-Graduado em Direito Penal e Processual Penal (UCAM).

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