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Terço constitucional de férias: a lei 13485/17 não vale?

A coexistência de dois critérios distintos adotados para a aferição de uma obrigação previdenciária rompe em definitivo com o tratamento isonômico preconizado na Constituição Federal.

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Atualizado às 14:11

O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do RE 1.072.485/PR, em sistema de repercussão geral, fixou a seguinte tese:

"É legítima a incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias" (Tema 985, Tribunal Pleno, rel. Min MARCO AURÉLIO, data do julgamento: 31/8/20)

Não obstante a atual posição da Suprema Corte sobre o cabimento da incidência da contribuição previdenciária sobre o "terço constitucional de férias" no âmbito do Regime Geral de Previdência, a lei 13.485/17, que dispõe sobre o parcelamento de débitos com a Fazenda Nacional relativos às contribuições previdenciárias de responsabilidade dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, tem no seu texto vigente um entendimento diverso:

Art 11. O Poder Executivo federal fará a revisão da dívida previdenciária dos Municípios, com a implementação do efetivo encontro de contas entre débitos e créditos previdenciários dos Municípios e do Regime Geral de Previdência dos Municípios e do Regime Geral de Previdência Social decorrentes, entre outros, de:

[...]

IV - Valores referentes às verbas de natureza indenizatória, indevidamente incluídas na base de cálculo para incidência das contribuições previdenciárias, tais como:

  1. terço constitucional de férias;
  2.  horário extraordinário;
  3. horário extraordinário incorporado;
  4. primeiros quinze dias de auxílio-doença;
  5.  auxílio-acidente e aviso prévio indenizado;

[...] [g.n.]

Veja-se que, assim, para assombro da comunidade jurídica, encontram-se vigentes dois entendimentos juridicamente antagônicos, relativos ao mesmo fato jurídico: o terço constitucional de férias, no âmbito do Regime Geral da Previdência, é uma "verba de natureza remuneratória" - e, portanto, sujeita à incidência da contribuição previdenciária - ; e no regime previdenciário próprio dos servidores públicos, uma "verba de natureza indenizatória" - e, por consequência, insuscetível de cobrança da referida contribuição previdenciária -.

O terço constitucional de férias, valor pago aos contribuintes do Regime Geral da Previdência e aos serviços públicos, tem a mesma natureza jurídica e esta não se transmuta em função do destinatário da verba. Afinal, o que a caracteriza é a sua finalidade (se remuneratória ou indenizatória).

A Constituição Federal, em seu art. 201, § 11, dispõe que somente os ganhos habituais do empregado serão incorporados ao salário para efeito de incidência da contribuição previdenciária. É este critério constitucional: o ganho habitual percebido pelo trabalhador é o que constitui o fato gerador da contribuição previdenciária. É indiferente, portanto, a quem se destine (se ao Regime Geral da Previdência ou ao regime previdenciário próprio, relativo ao ente público ao qual se vincule).

E é este também, sem qualquer vacilo ou renitência, o critério infraconstitucional adotado: a lei 8.212/91 estabelece, em seu art. 28, I, que para os fins de cálculo da contribuição patronal devida ao INSS devem ser consideradas as remunerações destinadas a retribuir o trabalho.

Assim, novamente, e para espancar em definitivo eventuais dúvidas: a finalidade da verba - a sua "natureza jurídica" -, se remuneratória, é o que gera obrigação contributiva e não a quem ela se destina.

Não é juridicamente admissível que para o contribuinte do Regime Geral da Previdência, pela sua condição de segurado - e não pela natureza jurídica da verba - , haja a incidência da contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias, enquanto o servidor público recebe o tratamento distinto , pautado em lei que a categoriza como de "natureza indenizatória".

Não se está, aqui, adentrando o mérito de qual é a "natureza jurídica" do terço constitucional de férias. A questão posta é precedente a esta discussão: existem, no momento, para espanto e aversão jurídica, dois critérios distintos para a caracterização do fato gerador de uma mesma obrigação previdenciária e, acredite-se, pautados na "condição profissional" do contribuinte.

A coexistência de dois critérios distintos adotados para a aferição de uma obrigação previdenciária, pautados na condição profissional de quem recebe a mesma verba - e é este o cerne da questão -rompe em definitivo com o tratamento isonômico preconizado na Constituição Federal, em seu artigo 150, III:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

[...]

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontram em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou em função por eles exercvida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

[...] [g.n.]

É evidente a quebra da isonomia jurídica e o tratamento imediato a ser dado, até que cessada a discrepância, há que ser necessariamente aquele que for mais benéfico ao contribuinte ("in dubio, pro contribuinte") Ou seja: até que se defina qual critério unificador a ser adotado, há que prevalecer, para todos os contribuintes, indistintamente, o da lei 13.485/17, art. 11, inciso IV, "a": o terço constitucional deve ser considerado verba indenizatória e, portanto, não sujeita à incidência da contribuição previdenciária.

Em outros termos: enquanto vigente o art. 11, inciso IV, "a", da lei 13.485/17, as suas disposições devem ter a prevalência sobre todo e qualquer entendimento que lhe seja contrário, até porque, com todas as vênias, inadmissível interpretação jurisprudencial "contra legem", mesmo que da Corte Suprema.

Saliente-se, a título de esclarecimento -, que a lei 13.485/17 foi promulgada em 2/10/17 com o veto dos artigos 11 e 12, que foi derrubado pelo Senado Federal, em Sessão de 23/11/17 (cfe. Dário do Congresso Nacional). Contudo, as partes vetadas foram definitivamente promulgadas em 27/11/17 (Cfe. Diário Oficial da União). Ou seja, nada obstante o veto, o Congresso Nacional restabeleceu o texto original, mantendo vigentes os dois artigos, cujos textos foram inacreditavelmente olvidados pelo Ministro Marco Aurélio e por todos os demais que o seguiram no equivocado e inconstitucional voto. 

Carlos André Rosa Martins

VIP Carlos André Rosa Martins

Advogado especialista em Direito Corporativo e Coordenador da Assessoria Jurídica do escritório Amaral & Barbosa Advogados.

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