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Investimento estrangeiro e segurança nacional

As normas sobre o assunto, no Brasil, são dispersas e esporádicas - podem estar na Constituição, ou em normas específicas de agências reguladoras

terça-feira, 20 de setembro de 2022

Atualizado às 07:59

Uma tendência recente, na normatização internacional quanto a investimentos estrangeiros, se refere a um maior escrutínio sobre operações que possam ter implicações para a segurança nacional nos países receptores do investimento. Esta tendência reflete uma maior preocupação com temas de segurança e de geopolítica, reflexo dos eventos internacionais contemporâneos, como a pandemia e o conflito na Ucrânia.

Exemplo importante desta tendência é a recente Ordem Executiva, firmada pelo presidente norte-americano em 15 de setembro, que orienta o Comitê de Investimento Estrangeiro nos Estados Unidos (CFIUS) a avaliar detalhadamente o impacto de qualquer transação estrangeira1.

O CFIUS é um comitê interministerial que bloqueia principalmente fusões, aquisições e aquisições por entes estrangeiros que criam um potencial risco à segurança nacional dos EUA. Qualquer fusão, aquisição ou aquisição com qualquer pessoa estrangeira que possa resultar em controle estrangeiro de qualquer negócio nos Estados Unidos, incluindo aquisição realizada por meio de uma joint venture, está sujeita à jurisdição do CFIUS2.

O CFIUS se tornou bastante ativo após 2018, na esteira da Lei de Modernização do Risco de Investimento Estrangeiro ("FIRRMA"). A FIRRMA provê ao CFIUS uma jurisdição ampla nas operações em que a segurança nacional possa estar em questão. A Lei amplia a jurisdição da CFIUS sobre investimentos em empresas norte-americanas envolvidas em dados pessoais confidenciais, infraestrutura crítica ou tecnologia crítica. Entre as tecnologias específicas, a FIRRMA foi projetada para proteger big data, inteligência artificial, nanotecnologia e biotecnologia. Também estabelece a jurisdição da CFIUS sobre transações imobiliárias próximas às estruturas críticas3.

Os EUA não estão sozinhos nesta vinculação entre investimento estrangeiro e segurança nacional. A União Europeia, o Reino Unido, a Alemanha, a França, a China e outros países também estão, recentemente, aumentando gradualmente a análise do impacto de investimentos estrangeiros. Em fevereiro de 2019, a Comissão Europeia aprovou um mecanismo de análise de investimento estrangeiro direto, aplicável a seus Estados-membros4. Na França, a nova Lei PACTE visa ampliar a lista de setores sujeitos a revisão, fortalecer o mecanismo de sanções e introduzir alguma transparência no processo por meio de relatórios anuais. No Canadá, a Divisão de Revisão de Investimentos, que faz parte do Ministério da Inovação, Ciência e Desenvolvimento Econômico do Canadá, é o departamento governamental responsável pela administração da Investment Canada Act, o estatuto que regulamenta investimentos de não-canadenses em empresas locais. Na Alemanha, de acordo com a Lei Alemã de Comércio Exterior e Pagamentos, o Ministério para Assuntos Econômicos e Energia tem o direito de rever transações de investidores estrangeiros com sede fora da União Europeia. Eles podem proibir ou restringir uma transação que representar uma ameaça à segurança da República Federal da Alemanha ou à ordem pública. Em julho de 2018, a China propôs novos projetos de regulamentação para expandir os investimentos estrangeiros cobertos pelo seu processo de revisão da segurança nacional. Uma das mais recentes e relevantes é a Lei de Investimento e Segurança Nacional (NSIA) do Reino Unido, aplicável a partir do início de 2022, que submete à revisão vários tipos de operações de investimento, sobretudo em novas tecnologias5.

Por meio destas novas regulamentações, os governos agora reconhecem o papel significativo que as tecnologias emergentes desempenham na segurança e em sua defesa nacional. As recentes interrupções da cadeia de suprimentos de semicondutores fizeram a soberania tecnológica ser vista como uma questão central. Em linhas gerais, praticamente todos os principais mecanismos de revisão de investimentos estrangeiros se concentram no setor de defesa e segurança, infraestrutura crítica, matérias-primas e insumos (produtos energéticos, minerais, segurança alimentar), tecnologias avançadas e dados pessoais sensíveis.

Estas linhas gerais podem ser observadas na recente Ordem Executiva dos EUA. O texto determina, por exemplo, que o CFIUS considerará o efeito da transação sobre a resiliência e segurança da cadeia de suprimentos, dentro e fora da base industrial de defesa, em capacidades de fabricação, serviços, recursos minerais críticos ou tecnologias fundamentais para a segurança nacional, incluindo: microeletrônica, inteligência artificial, biotecnologia, computação quântica, energias limpas,  tecnologias de adaptação climática, materiais críticos (como lítio e elementos de terras raras), e elementos da base industrial agrícola que têm implicações para a segurança alimentar.

Da mesma forma (e refletindo a recente experiência nos EUA), a Ordem Executiva inclui no escopo da revisão os investimentos de estrangeiros com capacidade de realizar invasões cibernéticas ou outras atividades cibernéticas maliciosas - como atividades destinadas a afetar o resultado de qualquer eleição; a operação da infraestrutura crítica dos Estados Unidos; ou a confidencialidade, integridade ou disponibilidade de comunicações.

A análise da recente legislação norte-americana, e da tendência mundial de regulamentação nesta matéria, traz duas reflexões para o Brasil. A primeira se refere ao possível escrutínio sobre investimentos brasileiros no exterior. Embora o Brasil não seja conhecido por controlar tecnologias sensíveis, é possível que investidores brasileiros sejam afetados em temas como cadeia produtiva de alimentos ou parcerias para desenvolvimento tecnológico, por exemplo. A necessidade de conhecer os mecanismos estrangeiros de revisão será, portanto, uma condição para o sucesso do empreendimento no exterior.

A segunda reflexão se refere à própria regulamentação interna quanto aos investimentos estrangeiros que possam afetar a segurança nacional. As normas sobre o assunto, no Brasil, são dispersas e esporádicas - podem estar na Constituição, ou em normas específicas de agências reguladoras. Será tarefa necessária a consolidação dessas normas numa codificação atualizada, que reflita um novo cenário mundial em que as considerações geopolíticas voltam a ter protagonismo.

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1 https://www.whitehouse.gov/briefing-room/presidential-actions/2022/09/15/executive-order-on-ensuring-robust-consideration-of-evolving-national-security-risks-by-the-committee-on-foreign-investment-in-the-united-states/

2 50 U.S. Code § 4565.

3 31 CFR § 801.205.

4 REGULATION (EU) 2019/452 OF THE EUROPEAN PARLIAMENT AND OF THE COUNCIL of 19 March 2019 establishing a framework for the screening of foreign direct investments into the Union (OJ L 79I).

5 https://www.legislation.gov.uk/ukpga/2021/25/contents/enacted.

Welber Barral

Welber Barral

Sócio de Barral Parente Pinheiro Advogados.

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