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Policiais desarmados nas eleições e o paradoxo penal do "Garantidor"

O cenário de instabilidade constitucional frente à relevância penal da omissão prevista no art. 13, §2, do Código Penal.

sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Atualizado às 14:00

Com a proximidade das eleições, marcadas para domingo (2/10), um dilema aflige os policiais brasileiros. Ocorre que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proibiu o direito de portar armas de fogo em um raio de 100 (cem) metros de distância dos locais de votação. Inclusive, tal determinação se aplica desde as 48 horas que antecedem a votação, até as 24 horas posteriores ao pleito.

Segundo o eminente relator, exmo. sr. Ricardo Lewandowski, "armas e votos não se misturam", pois, "eleições constituem o próprio coração da democracia".

Dessa forma, o ministro pontuou que o porte de armas de fogo só será permitido aos integrantes das forças de segurança que estiverem em serviço e, somente, quando forem expressamente autorizados ou convocados pela autoridade eleitoral competente.

A justificativa para essa medida - que também abrange todos os locais que tribunais e juízes eleitorais entenderem merecedores da proteção -, seria a de salvaguardar o exercício do sufrágio de eventuais ameaças. Para o ministro corregedor-geral da Justiça Eleitoral, sr. Mauro Campbell Marques, a decisão visa "dar um ponto a mais de tranquilidade, de apaziguamento ao eleitorado no momento das eleições".

Entretanto, o porte de arma policial é direito fundamental inerente à natureza da profissão constitucionalmente elencada no artigo 144 da carta magna, onde aduz que "A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio" pelos órgãos policiais.

Não obstante, por obvio - dada a complexidade e periculosidade diuturna e iminente das atividades desenvolvidas pelos policiais -, o Estatuto do Desarmamento apregoa, em seu artigo 6°, que os integrantes de forças de segurança pública têm assegurados o porte de arma em todo o território nacional.

Todavia, uma interessante e crucial observação jurídica parece ter passado desapercebida aos olhos míopes de quem, lamentavelmente, desconhece as agruras experienciadas pelos bravos homens e mulheres policiais brasileiros: a figura "suis generis" do chamado "garantidor".

Previsto no artigo 13, §2 do Código Penal, tal dispositivo prevê punição àquele que, tendo o dever legal de agir e podendo fazê-lo, se omite ante o acontecimento de um crime. É a chamada "relevância penal da omissão"; papel do "Garantidor" ou "Garante".

Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

Ou seja, como um policial desarmado conseguirá agir se presenciar um roubo, homicídio ou latrocínio no local de votação? Basta, hipoteticamente, em tempos de polarização política acalorada beirando a insanidade, alguém estar munido de uma faca ou até arma de fogo no recinto. Afinal, quem fará a revista prévia para evitar tal cenário?

Reservada a ironia, o que dizer dos celulares que ficarão retidos - em uma verdadeira "vitrine convidativa" ao furto -, ante à vedação do eleitor portá-lo na cabine de votação? E a tal "boca de urna" estará "liberada" no perímetro de 100 (cem) metros dos locais de votação? 

Nessa linha reflexiva, o policial não tendo meios para agir, - pois estava desarmado no local de votação -, teve de se omitir. Logo, não poderá ser responsabilizado pela "relevância penal da omissão". E quem será, então? O mesário voluntário ou a "autoridade eleitoral competente" citada no terceiro parágrafo desse texto?

O fato é que a COBRAPOL, Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis, impetrou um mandado de segurança coletivo preventivo. Enquanto aguardam o julgamento, os eleitores policiais seguem perplexos quanto à vedação ao seu porte de arma.

Tal celeuma expõe, talvez, muitas nuances que só os operadores da segurança pública - aqueles que sentem "o cheiro das ruas" -, experienciam: a criminalização da polícia e, agora, uma espécie de cerceamento da sua cidadania. Afinal, policial o é 24h por dia, 7 dias por semana; até quando vota.

Thiago de Miranda Coutinho

VIP Thiago de Miranda Coutinho

Especialista em Inteligência Criminal. Agente de Polícia Civil em SC há mais de 10 anos, graduando em Direito (Univali), Jornalista e Coautor de 3 Livros.

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