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Reajuste anual em planos falsos coletivos - Análise da problemática e novos caminhos à serem seguidos pela jurisprudência

O STJ já reconhece, corretamente, em diversos julgados recentes, que referido tipo de contratação, denominada de "falso coletivo", deve se submeter as mesmas regras dos planos individuais e familiares.

terça-feira, 4 de outubro de 2022

Atualizado às 13:37

Temos que a normatização dos planos e seguros saúde é temática muito recente. As contratações das operadoras de saúde difundiram-se para a população por volta dos anos 1990 - e, com isso, a contratação das operadoras de saúde suplementar começou a ganhar força no Brasil.

Na minha ótica, jamais se esperou que o setor da saúde suplementar, em tão pouco tempo, ganhasse a força que ganhou. E, já em janeiro de 1999, entrou em vigor a principal lei que rege a temática no Brasil - a lei 9.656/98 (chamada de LPS - lei dos Planos de Saúde).

Pois bem. Referida lei entrou em vigência em janeiro de 1999 e, a partir dela, passou-se a falar em planos "antigos", ou seja, contratados anteriormente à vigência da lei e planos ditos "novos", contratados já no pós lei e, portanto, submetidos à ela. Com a nova lei, diversos setores da saúde suplementar passaram a ser regulamentados - e, com o crescimento do tema, os reajustes passaram a ser normatizados.

Ocorre que, com a normatização do tema e com tantas "subespécies~, chegou-se a um consenso de que os planos individuais e familiares (pela hipossuficiência existente nesta espécie) passariam a ter os reajustes regulamentados. Ou seja, os reajustes de faixa etária seguiriam a regra geral (Resolução Normativa 63 da ANS) e os reajustes anuais, por seu turno, seriam fixados pela própria ANS todos os anos - valendo, portanto, para todos os planos individuais e familiares celebrados após a vigência da lei 9.656/98 ou adaptados à ela.

Com isso, em poucos anos, a enorme maioria das principais operadoras de saúde deixaram de comercializar produtos na modalidade familiar/individual. Essa é a introdução da problemática que hoje o Judiciário se debruça.

A partir de então, com a limitação da possibilidade de reajuste para planos individuais e familiares, as principais e maiores operadoras de saúde do país passaram a celebrar referidos planos como "empresariais" - ainda que só contasse com uma única vida segurada ou uma única família e número diminuto de vidas.

Ou seja, verdadeiras famílias, composta de núcleo familiar único, muitas vezes em que apenas um dos integrantes era sócio da empresa estipulante e os demais unicamente seus dependentes, passaram a ter como ÚNICA opção celebrar o contrato com a operadora de saúde como "empresarial". Ainda que inexista, na vida real, qualquer vínculo empresarial sendo exercido entre os segurados.

Referida modalidade de contratação de planos empresariais de pequenas empresas (chamadas PME - pequena média empresa, cuja contratação tem até 29 vidas) possui normatização própria também no reajuste anual - contudo, aqui, a ANS não determina o percentual do reajuste anual, acompanhando-o conforme a Resolução Normativa 309 da ANS.

De acordo com essa Resolução Normativa, os planos empresariais PME são "agrupados" no mesmo plano e é aplicado um percentual único de reajuste anual para todas as PME em todo o país1.

Contudo, referido percentual é bem superior aos aplicados para planos individuais e familiares determinado pela ANS. Só à título de exemplo: enquanto em 2021 foi aplicado um percentual negativo de reajuste pela ANS, de -8,19%, neste mesmo período as PME sofreram um reajuste positivo entre 10 e 20%, em sua maioria. O que justificaria referida diferenciação? Mais: caso se pense no contexto familiar - de que muitas PME se tratam de verdadeiras famílias, sem vínculo empresarial entre si e com número diminuto de vidas, como se sustentar referida contratação sofrer percentuais tão altos - que, a longo prazo, terminam por tornar insustentável a manutenção no seguro saúde contratado.

O cenário é, em suma: as principais operadoras de saúde deixaram de celebrar seguro ou plano de saúde na modalidade familiar já há muitos anos. Os segurados, como única alternativa, terminaram ingressando como plano "empresarial PME". Apesar da diferença de nomenclatura, continua se tratando de família (afinal, não é porque damos outra nomenclatura que se trata de outro instituto, concordam? Se dissermos que um carro é um navio, continua sendo um carro, certo?). Logo, cuida-se de verdadeiras famílias que seguem em planos "empresariais PME", com reajustes anuais altíssimos, em vias de perderem o plano que há tantos anos contribuem, unicamente no argumento de que teriam contratado o plano como "empresarial" e, assim, estaria sujeito àquela normatização.

A jurisprudência, contudo, vem evoluindo. O STJ já reconhece, corretamente, em diversos julgados recentes, que referido tipo de contratação, denominada de "falso coletivo", deve se submeter as mesmas regras dos planos individuais e familiares2.

A normatização em saúde suplementar é recente. É necessário um Judiciário atento às mudanças - de modo a, corretamente, no caso aqui trazido, cumprir o que o STJ já entende pacificamente: para os segurados na modalidade "PME" que se constitua uma verdadeira família, deve haver a equiparação das regras dos planos individuais e familiares à eles - e, com isso, limitação dos reajustes anuais aos aplicados pela ANS, devolução dos valores pagos a maior e redução do valor do prêmio (mensalidade) pago pelo segurado, afastando-se desde a origem o reajuste aplicado como plano empresarial e substituindo-o pelos reajustes determinados pela ANS.

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1 Art. 3º É obrigatório às operadoras de planos privados de assistência à saúde formar um agrupamento com todos os seus contratos coletivos com menos de 30 (trinta) beneficiários para o cálculo do percentual de reajuste que será aplicado a esse agrupamento.

2 PROCESSUAL CIVIL. CONTRATOS. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE COM 2 (DOIS) BENEFICIÁRIOS. CDC. REAJUSTE

ÍNDICE DA ANS. PLANO INDIVIDUAL E FAMILIAR ("FALSO COLETIVO").

REEXAME DE CONTEÚDO FÁTICO-PROBATÓRIO. INADMISSIBILIDADE. SÚMULAS N. 5 E 7 DO STJ. AUSÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. DECISÃO MANTIDA.

Inexiste afronta ao art. 1.022 do CPC/2015 quando o acórdão recorrido pronuncia-se, de forma clara e suficiente, acerca das questões suscitadas nos autos, manifestando-se sobre todos os argumentos que, em tese, poderiam infirmar a conclusão adotada pelo Juízo.

2. A Corte de origem entendeu que o reajuste do plano de saúde não poderia ser baseado apenas nas taxas desinistralidade, devendo ser limitado aos índices anuais da ANS, pois configurada a natureza individual do convênio ("falso coletivo").

3. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos ou nova interpretação de cláusulas contratuais (Súmulas n. 5 e 7 do STJ).

4. Para alterar o entendimento do Tribunal de origem e concluir que o contrato firmado entre as partes tinha natureza de plano efetivamente coletivo, seria necessário o reexame dos fatos e das provas, além da revisão de cláusulas contratuais, o que é vedado em recurso especial.

5. Ademais, esta Corte Superior tem jurisprudência no sentido de que "é possível, excepcionalmente, que o contrato de plano de saúde coletivo ou empresarial, que possua número diminuto de participantes, como no caso, por apresentar natureza decontrato coletivo atípico, seja tratado como plano individual ou familiar" (AgInt no REsp n. 1.880.442/SP, Relator Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 2/5/2022, DJe de 6/5/2022).

6. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ, 4ª Turma. AgInt no AREsp 2085003 / SP. Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira. DJe 18/08/2022)

Iris Novaes

VIP Iris Novaes

Advogada desde 2013, especialista em direito da saúde suplementar e em direito das famílias. Possui 4 pós graduações no currículo. É, além de advogada militante, professora e palestrante.

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