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Capítulos de sentença no Código de Processo Civil

O Código de Processo Civil (lei 13.105/15) adotou a teoria dos capítulos da sentença, com previsões legais que permitem a identificação de capítulos decisórios decomponíveis

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Atualizado às 10:13

"Capítulo" é compreendido como porção, parte, fração, parcela, segmento de um todo que é consequência de uma divisão realizada.

A divisão da decisão judicial em capítulos cuida de cisão virtual, de divisão não material, abstrata, do pronunciamento judicial. Este, apesar de uno, pode ser decomposto, teoricamente, em parcelas decisórias que o compõem. São tais parcelas os capítulos da decisão.

O tema dos capítulos de sentença foi muito estudado na doutrina italiana clássica, se destacando as considerações de Giuseppe Chiovenda, Francesco Carnelutti e Enrico Tullio Liebman a respeito. Na Itália, essas teorias dos capítulos da sentença são estudadas sob a nomenclatura de parte ou capo di sentenza.

 No Brasil, o tema recebeu especial atenção de dois doutrinadores: Cândido Rangel Dinamarco e José Carlos Barbosa Moreira.

Giuseppe Chiovenda foi o primeiro que se debruçou no estudo do tema; e desenvolveu uma teoria restritiva acerca dos capítulos de sentença. Para o autor, somente são capítulos de sentença as unidades decisórias a respeito do mérito do processo. Devem tais unidades serem autônomas e absolutamente independentes entre si.1

Tal autonomia defendida por Chiovenda só será verificável em relação aos capítulos que resolvem pretensões distintas cumuladas - os capítulos de mérito.2 Para Chiovenda, os capítulos da sentença correspondem, assim, aos capítulos do pedido (de mérito).3

Em relação aos demais capítulos que compõem a sentença, há mera distinção funcional: não tem todos eles aptidão de comporem objetos processuais em relações processuais diversas, e, portanto, para o autor italiano, não podem ser considerados capítulos.

Para esses casos - de sentença na qual coexiste mais de uma resolução de mérito - de, portanto, cumulação de pretensões, José Carlos Barbosa Moreira utiliza a denominação de "sentença objetivamente complexa"4,  preconizando que ela é composta de mais de um capítulo, que contém, nesses casos, em seu dispositivo, mais de uma decisão.

José Carlos Barbosa Moreira parece se aproximar da linha defendida por Chiovenda, de modo que ambos defendem que os capítulos de sentença são autônomos e independentes, podendo eles serem observados em relação às decisões de resolução de mérito, em casos de objeto processual complexo.

Em outra esteira, Liebman defendia um conceito mais amplo de capítulos de sentença, introduzindo também as decisões preliminares ao mérito como capítulos distintos do ato decisório. Portanto, o julgamento prévio (preliminar) de admissibilidade ou inadmissibilidade do julgamento de mérito compunha, para esse autor italiano, capítulo de sentença.

Assim, para Liebman, toda demanda possui, no mínimo, duas pretensões deduzidas pelo autor: a pretensão de obter uma decisão de mérito; e que essa decisão de mérito acolha sua pretensão de obtenção do bem da vida pretendido.5

Ou seja: capítulo de sentença é uma decisão sobre um objeto autônomo do processo, seja sobre sua admissibilidade, seja sobre seu mérito.6  E autonomia dos capítulos não se confunde com sua independência.

Essa teoria de Liebman é bem desenvolvida por Candido Rangel Dinamarco no Brasil, à luz das disposições do sistema processual civil brasileiro.

Para Dinamarco, e à luz dessas premissas, cada capítulo da sentença é "uma unidade elementar autônoma, no sentido de que cada um deles expressa uma deliberação específica"7

Toda sentença judicial é composta de partes decisórias que resolvem pretensões distintas postas na relação jurídica processual e que se entrelaçam. Apesar de conectadas entre si e resolvidas no mesmo ato judicial, tais decisões julgam pretensões diversas. São essas partes que a doutrina, a exemplo de Cândido Rangel Dinamarco, denomina de "capítulos de sentença".8

A sentença pode, assim, em decomposição analítica, ser desestruturada nesses preceitos imperativos nela contidos. São os seus capítulos: unidades decisórias autônomas.

Para o autor, autonomia não pode ser compreendida como sinônimo de independência. Uma sentença pode ser decomponível em decisões autônomas, cada uma representando uma deliberação; mas, entre todas elas, existente uma certa dependência. Seria o caso, por exemplo, do capítulo atinente à preliminar de mérito e o capítulo propriamente de mérito; ou, ainda, o capítulo de mérito e a responsabilidade financeira pelo custo do processo.9

A autonomia deve ser compreendida não como independência, mas no signo de "a) o da possibilidade de que cada um deles [pedidos] fossem objeto de um processo separado; e b) o da regência de cada um por pressupostos próprios, que não se confundem necessariamente nem por inteiro com os pressupostos dos demais"10, como ensina Dinamarco.

Portanto, para Dinamarco, se vislumbra a capitulação da sentença em diferentes unidades decisórias mesmo quando o objeto do processo não é complexo; isto é, a sentença é decomponível em capítulos não obstante a inexistência de cumulação de pretensões (de mérito) das partes, como a cumulação de pedidos pelo autor, por exemplo.

Isso porquanto é possível identificar unidades decisórias relativamente autônomas em relação a questões que não sejam de mérito e não componham verdadeiramente o objeto do processo, como a responsabilização financeira, ou mesmo a respeito de preliminares de mérito.

Para Francesco Carnelutti, o conceito de capítulo de sentença era ainda mais amplo e abrangia também questões resolvidas na relação processual. Para esse autor, questões requeridas ou controversas também eram consideradas capítulos de sentença. Para o autor, "capítulo da sentença é a solução de cada questão, de fato ou de direito, da qual surge a lide"11

No Brasil, identifica-se proximidade na linha de Carnelutti as observações de José Frederico Marques a respeito, que considerava como capítulo de sentença as questões suscitadas e discutidas na ação e que a sentença solucionava, ou seja, nas palavras de Frederico Marques: "aquelas questões que as partes submeterem ao juiz e que a sentença soluciona. É, enfim, toda a questão oriunda do litígio e que, decidida na sentença, possa causar gravame a uma das partes, ou a ambos os litigantes"12

Nessa linha de compreensão, tendo havido cognição em alguma questão, de direito processual ou material, seria essa questão resolvida em uma determinada parte da sentença, que comporia um de seus capítulos.

O Código de Processo Civil (lei Federal número 13.105 de 2015) adotou, em diversos temas, a teoria dos capítulos de sentença, como observa Dinamarco13.

É possível perceber nítida adoção da teoria dos capítulos de sentença pelo atual Código de Processo Civil, nos artigos 490, 997, forte no artigo 1.002, presente no artigo 1.008, e, principalmente, no artigo 1.013, §1º, ao regular o efeito devolutivo no recurso de apelação e que, inclusive, utiliza do termo "capítulo".

A teoria dos capítulos de sentença é adotada no sistema processual civil brasileiro há tempos.

Muito embora não se identifique influência dessa teoria no Decreto número 737, de 25 de novembro de 1850, o Código de Processo Civil de 1939 já adotava a compreensão dos capítulos de sentença no sistema recursal. O artigo 811, daquele diploma legal, já autorizava a impugnação parcial. O Código de Processo Civil de 1973 também já contemplava tal tese em diversas oportunidades, sobretudo na fase executiva e na parte recursal. Nessa última, o Código de Processo Civil de 1973 adotava de forma evidente e expressa tal teoria.

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1 DINAMARCO, Candido Rangel. Capítulos de Sentença. 3ª edição. São Paulo: Malheiros, 2008. P. 42-43

2 DINAMARCO, Candido Rangel. Capítulos de Sentença. 3ª edição. São Paulo: Malheiros, 2008. P. 42-43

3 BARIONI, Rodrigo. Efeito devolutivo da Apelação Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. P. 100

4 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Sentença Objetivamente Complexa, Trânsito em julgado e Rescindibilidade. Revista de Processo, volume 141, nov 2006, P. 7-19.

5 BARIONI, Rodrigo. Efeito devolutivo da Apelação Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. P. 103

6 BARIONI, Rodrigo. Efeito devolutivo da Apelação Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. P. 101

7 DINAMARCO, Candido Rangel. Capítulos de Sentença. 3ª edição. São Paulo: Malheiros, 2008. P. 34

8 DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, volume III. 7ª edição. São Paulo: Malheiros, 2017. P. 775

9 DINAMARCO, Candido Rangel. Capítulos de Sentença. 3ª edição. São Paulo: Malheiros, 2008. P. 34

10 DINAMARCO, Candido Rangel. Capítulos de Sentença. 3ª edição. São Paulo: Malheiros, 2008. P. 43

11 BARIONI, Rodrigo. Efeito devolutivo da Apelação Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. P. 100

12 MARQUES, José Frederico. Instituições de Direito Processual Civil, Volume IV. Campinas: Millenium, 1999. P. 140

13 DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, volume III. 7ª edição. São Paulo: Malheiros, 2017. P. 777-780

Otavio Coelho

VIP Otavio Coelho

Advogado em São Paulo/SP. Mestre em Processo Civil pela PUC/SP. Especialista em Processo Civil pela USP. Especialista em Direito Civil pela PUC/MG. Bacharel em Direito pelo Mackenzie/SP.

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