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Desequilíbrio contratual e o Judiciário

Uma das maiores causas de revisão dos contratos pela imprevisibilidade, dos últimos tempos, foi a pandemia de Covid-19 que atingiu todo o mundo, seus impactos econômicos como, as altas abruptas dos preços de determinados insumos.

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Atualizado às 09:12

Para entender melhor como a imprevisibilidade impacta os contratos de modo geral, faz-se necessário entender sua teoria. A teoria da imprevisibilidade é aquela que justifica a resolução ou revisão contratual caso ocorra um acontecimento superveniente e imprevisível - por exemplo, a pandemia de Covid-19 que assolou o mundo como um todo -, que desequilibre o eixo econômico, passando a impor para uma das partes obrigações tidas como excessivamente onerosas.

Há doutrinadores que consideram tal teoria uma mitigadora do princípio da força obrigatória dos contratos. Este princípio, por sua vez, é consolidado no brocardo, pacta sunt servanda (o que fora pactuado entre as partes deve ser cumprido e terá força de lei. Dessa forma, na discussão acerca da imprevisibilidade, resta verificar se o contrato deveria ser mantido em sua forma original, uma vez que, teria decorrido da livre disposição da vontade das partes, ou se passaria por uma revisão ou até mesmo resolução para preservar a parte que passou a ter obrigações excessivamente onerosas.

Fato é, o Código Civil de 2002 passou a prever legalmente as hipóteses de, nos contratos de execução continuada ou diferida que as prestações passarem a ser demasiadamente onerosa em virtude de fatos extraordinários, se realizar a resolução ou a modificação equitativa das condições contratuais. Nesse sentido, o art. 478 cumulado com o 479 do CC, dispõem:

"Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação."

"Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato."

 Além disso, o Código de Defesa do Consumidor de 1990, em seu art. 6º, alude:

"Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...)

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;"

Uma das maiores causas de revisão dos contratos pela imprevisibilidade, dos últimos tempos, foi a pandemia de Covid-19 que atingiu todo o mundo, seus impactos econômicos como, as altas abruptas dos preços de determinados insumos, falta de produtos e componentes, e a elevação dos índices de preços, tornaram inúmeros contratos excessivamente onerosos para uma das partes, e passaram a ser revistos, renegociados ou até mesmo rescindidos.

Insta pontuar, há tribunais como TJSC com pareceres contrários. A 5ª Câmara de Direito Comercial do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, por exemplo, negou a revisão do contrato de financiamento de um automóvel celebrado em maio de 2019. Em virtude da pandemia de Covid-19 enfrentada no ano de 2020, o comprador de um determinado veículo, ajuizou uma ação revisional com pedido de tutela antecipada contra um banco para a aplicação da teoria da imprevisibilidade, com o objetivo de descaracterizar a mora, limitar os encargos que foram pactuados e impor uma renegociação do contrato. De acordo com o relator Jânio Machado, "em razão de as consequências econômicas da pandemia de Covid-19 terem sido sentidas tanto pelo agravante como pela agravada, não se pode aplicar a teoria da imprevisão para favorecer apenas uma das partes, o que já foi dito nesta Corte", conforme ementa abaixo:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE REVISÃO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO PARA FINANCIAMENTO DE VEÍCULO. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA, CONSISTENTE NA AUTORIZAÇÃO PARA O DEPÓSITO EM JUÍZO DOS VALORES INCONTROVERSOS, NA VEDAÇÃO DO REGISTRO DO NOME EM CADASTRO RESTRITIVO AO CRÉDITO E NA MANUTENÇÃO DO MUTUÁRIO NA POSSE DO VEÍCULO. ORIENTAÇÃO 4 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, EMITIDA POR OCASIÃO DO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL  1.061.530/RS, SUBMETIDO AO RITO DO ART. 543-C DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APARÊNCIA DO BOM DIREITO NÃO DEMONSTRADA. EFEITOS DA PANDEMIA DE COVID-19 SOBRE A ATIVIDADE ECONÔMICA QUE AFETARAM AMBAS AS PARTES. NÃO INCIDÊNCIA DE TEORIA DA IMPREVISÃO. PRECEDENTES DESTA CORTE. TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS PREVISTA NA CÉDULA EXIBIDA QUE É INFERIOR À MÉDIA DE MERCADO INFORMADA PELO BANCO CENTRAL. CAPITALIZAÇÃO DIÁRIA DOS JUROS. PACTO EXPRESSO QUE VIABILIZA A EXIGÊNCIA DO ENCARGO. PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. NOVA ORIENTAÇÃO DA CÂMARA, A PARTIR DO QUE FICOU DECIDIDO NA SESSÃO DE 5.10.2017. ENCARGOS COMBATIDOS QUE SÃO, APARENTEMENTE, DEVIDOS, NADA JUSTIFICANDO O DEPÓSITO DE VALOR INFERIOR AO PACTUADO. RECURSO DESPROVIDO.

(TJ-SC - AI: XXXXX20218240000 Tribunal de Justiça de Santa Catarina XXXXX-79.2021.8.24.0000, Relator: Jânio Machado, Data de Julgamento: 29/04/2021, Quinta Câmara de Direito Comercial)

Do mesmo modo, o desequilíbrio econômico, segundo as decisões mais atuais sobre o assunto, em especial junto ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, não é passível de presunção com base apenas no fato da pandemia, por exemplo, formalmente declarada, devendo-se comprovar de forma específica e exata, no caso em concreto, os requisitos da teoria da imprevisão e em que consistiu a onerosidade excessiva que visa a revisão ou resolução contratual.

Dessa forma, vê-se que a revisão dos contratos por imprevisibilidade apesar de ser um direito positivado, ainda pode ser relativizada ao depender do órgão julgador, das circunstâncias sociais e econômicas que as partes estiverem inseridas.

André Luiz de Santis Rocha

André Luiz de Santis Rocha

Advogado do escritório Sartori Sociedade de Advogados. Graduado pela Faculdade de Direito de Franca (FDF). Pós-graduado em Direito Ambiental pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP).

João Antonio Afonso Monteiro

João Antonio Afonso Monteiro

Advogado do escritório Sartori Sociedade de Advogados. Graduado pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Pós-graduado em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e em Direito Empresarial pela Faculdade Getulio Vargas (FGV).

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