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Execução de alimentos: quando é possível cumular ritos?

Quando se fala em execução de alimentos, de menores ou incapazes há outros direitos em jogo e é exatamente aí que surgem conflitos e a necessidade de descobrir o que deve prevalecer.

quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Atualizado às 14:17

Os créditos alimentares possuem uma natureza diversa dos demais e são regidos por dispositivos legais diversos das demais execuções.

Determina o artigo 805 do CPC que o procedimento deve se dar pelo modo menos gravoso ao executado.

No entanto, quando se fala em execução de alimentos, de menores ou incapazes há outros direitos em jogo e é exatamente aí que surgem conflitos e a necessidade de descobrir o que deve prevalecer.

Tem-se que no caso da execução de alimentos ou no pedido de cumprimento de sentença não é possível cumular os ritos da prisão civil e expropriatório exatamente em função da obrigatoriedade de escolha de um meio menos gravoso ao devedor.

No entanto, o Superior Tribunal de Justiça tem se movimentado em sentido contrário em alguns casos específicos.

É possível verificar que ao longo dos anos, muitas vezes na contramão de conceitos arcaicos e ditames socialmente desarmônicos, o ordenamento pátrio tem procurado, cada vez mais se orientar pelos princípios da razoabilidade e da boa-fé, bem como da humanidade e da dignidade humanas e isso tem realmente feito a diferente na vida de muitos jurisdicionados.

Com o devido respeito a uma quantidade notória de brilhantes juristas, cumpre destacar os votos da Ministra Nancy Andrighi do Superior Tribunal de Justiça, sempre pautados nas garantias constitucionais. Os textos da jurista em questão são base de novas teses e artigos jurídicos e graças a esse movimento, muitos entendimentos têm mudado.

Um deles concerne à necessidade de cumulação de ritos em alguns casos e desde que fique claro que não está havendo prejuízo ao devedor. O entendimento em questão baseia-se no princípio do melhor interesse dos menores e obviamente no princípio da humanidade e dignidade humana a se sobrepor sobre quaisquer outros.

Resta evidente que o alimentante tem o dever de manutenção da subsistência do alimentado por quem é responsável, de modo a garantir-lhe os direitos fundamentais à vida e à dignidade.

A tese em questão observa ainda os princípios da economia e da celeridade processual no sentido de autorizar a cumulação dos ritos de prisão e de penhora na fase de execução de alimentos.

Vejam que o Ministro Luís Felipe Salomão da Quarta Turma, no julgamento REsp 1.930.593/MG deixou claro que 'é cabível a cumulação das técnicas executivas da coerção pessoal (prisão) e da coerção patrimonial (penhora) no âmbito do mesmo processo executivo de alimentos, desde que não haja prejuízo ao devedor (a ser devidamente comprovado) nem ocorra nenhum tumulto processual no caso em concreto (a ser avaliado pelo magistrado)'.

A ideia é adequar o pedido à necessidade de um Judiciário efetivo e célere que efetivamente ampare os hipossuficientes, resguardando ainda ao devedor o direito de provar um prejuízo efetivo na mencionada cumulação.

A Ministra Nancy Andrighi da Terceira Turma, quando do julgamento do REsp n. 2.004.516/RO,  esclareceu que 'Embora seja lícita, razoável e justificada a opção do legislador pela necessidade de unidade procedimental na hipótese de cumulação de execuções de título extrajudicial, uma vez que se trata de relação jurídico-processual nova, autônoma e que se inaugura por petição inicial, não há que se falar, na hipótese, em inauguração de uma nova relação jurídico-processual, pois o cumprimento de sentença é apenas uma fase procedimental do processo de conhecimento, de modo que o controle acerca da compatibilidade procedimental, incluída aí a formulação de pretensões cumuladas de que poderão resultar execuções igualmente cumuladas, é realizado por ocasião do recebimento da petição inicial, observado o art. 327, §§ 1º a 3º, do CPC/15'.

Ora, se é possível existir no mesmo processo e conjuntamente, o cumprimento de sentença com obrigações de diferentes naturezas e espécies, ainda que existam técnicas executivas diferenciadas para cada espécie de obrigação e que impliquem em adaptações procedimentais decorrentes de suas respectivas implementações, com muito mais razão deve ser admissível o cumprimento de sentença que contenha obrigação da mesma natureza e espécie no mesmo processo, como na hipótese em que se pretenda a cobrança de alimentos pretéritos e atuais.

Se é admissível no mesmo processo exigir obrigações diversas com técnicas diferentes, porque justamente onde o ordenamento menciona a aplicação do princípio do melhor interesse do menor, a cumulação não pode ocorrer?

Por que justo quando o direito do hipossuficiente deve ser tutelado haveria empecilhos? Ora, por que um cumprimento de sentença baseado na obrigação de entrega de materiais de construção tem mais recursos processuais do que um cumprimento de sentença para obrigar alguém a pagar a pensão atrasada a uma criança?

Veja que o próprio Superior Tribunal ao afirmar ser cabível a cumulação das técnicas executivas da coerção pessoal (prisão) e da coerção patrimonial (penhora) no âmbito do mesmo processo executivo de alimentos EM ALGUMAS SITUAÇÕES ESPECÍFICAS, desde que não haja prejuízo ao devedor (a ser devidamente comprovado) nem ocorra nenhum tumulto processual no caso em concreto (a ser avaliado pelo magistrado) já propõe a solução para evitar que o princípio da menor onerosidade ao devedor seja respeitado ao deixar clara a necessidade do credor especificar em tópico próprio a sua pretensão ritual em relação aos pedidos com a previsão das diferentes consequências de acordo com as diferentes prestações.

Ainda existe quem resista a inovações processualmente humanitárias, mas certamente a reiteração de decisões como as acima mencionadas e tantas outras no mesmo sentido é inevitável no caminho da mudança.

Janaina Mathias Guilherme

VIP Janaina Mathias Guilherme

Advogada formada pela Universidade de Uberaba, especialista em Direito Civil e Processual Civil e em Direito Processual Penal pela Universidade Federal de Goiás, sócia da banca Janaina Mathias Guilherme Assessoria e Consultoria Jurídica.

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