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Reforma trabalhista: revogar o que não foi revogado?

A reforma trabalhista criou um sistema engenhoso no qual a negociação coletiva é prestigiada em relação a 15 direitos. Ao mesmo tempo, a lei 13.467/2017 manteve esses direitos intactos na CLT para os que não desejam negociar.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Atualizado às 14:32

Durante a campanha eleitoral de 2022 muito se falou em revogar a reforma trabalhista como um todo ou parte dela. Poucos se deram conta que a lei 13.467/17 criou um sistema engenhoso de liberdade com proteções. Explico.

No art. 611-A da referida lei, há quinze direitos que podem ser negociados entre empresas e sindicatos laborais, dentre outros, e o que vier a ser negociado é prestigiado em relação à CLT. Por sua vez, no art. 611-B há trinta direitos que taxativamente não podem ser negociados de forma alguma, na maioria, constitucionais.

Por exemplo, para os que negociam uma redução do horário de almoço de 60 minutos para 30 minutos com o fim de os empregados saírem mais cedo diariamente, o negociado prevalece sobre os 60 minutos legislados (CLT). Mas, se as partes não quiserem negociar, os 60 minutos da CLT estão integralmente garantidos. Ou seja, as partes têm liberdade para negociar e têm também as proteções (da lei) garantidas quando não querem negociar. Esse é um sistema que dá liberdade com proteções.

Vejam o exemplo da França. A jornada legal de trabalho naquele país é de 35 horas semanais. Mas, se as partes quiserem fazer 40 horas por semana, podem negociar o valor das horas extras e outros detalhes. Isso prevalece sobre a lei. Mas, se não quiserem negociar, a lei garante as 35 horas. Sistemas como esses são a base da "flexiseguridade" que existe em vários países avançados.

Por isso, não dá para entender os que desejam revogar regras que não foram revogadas pela reforma trabalhista brasileira. Da mesma maneira, é incompreensível a crítica sobre a redução de direitos dos trabalhadores. Na verdade, a reforma trabalhista criou inúmeros novos direitos para a melhor proteção dos trabalhadores. Por exemplo, a empresa contratante de serviços terceirizados é responsável pela proteção da saúde e segurança dos empregados da empresa contratada. Além disso, tem de garantir aos empregados da empresa contratada o livre acesso aos seus restaurantes, ambulatórios e transporte próprio (art. 2º). Essas proteções não existiam na CLT antes da reforma trabalhista.

Outro caso. A reforma trabalhista deu liberdade para os empregados adentrarem, permanecerem ou saírem do recinto das empresas quando isso é do seu interesse como no caso de intempéries que necessitam proteção, tempo de descanso ou lazer, horas de estudo, atividades religiosas ou de relacionamento social (art. 4º, § 2º).

Na mesma linha, a reforma trabalhista deu liberdade para o próprio empregado acertar com a empresa os créditos que tem acumulado na forma de horas trabalhadas. Em outras palavras, a administração do banco de horas pode ser feita diretamente entre empregado e empregador (dentro de certo limite), a menos que, por negociação coletiva, as partes estipulem outra regra (art. 59, § 5º e § 6º).

O art. 59-A da lei 13.467/17 dá aos empregados a liberdade de negociar jornadas de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso, a menos que as empresas e os sindicatos tenham atrelado essa decisão aos termos dos acordos ou convenções coletivas.

O capítulo II-A da lei 13.467/17 abriu um enorme campo de trabalho que é exercido à distância e com base em recursos da telemática. A regulação do teletrabalho foi simplesmente salvadora de milhões de empregos durante a pandemia de covid-19 e assim continua - recurso que não fazia parte da CLT até então.

Da mesma forma, a lei 13.467/17 abriu oportunidades de trabalho de forma intermitente e com todas as proteções trabalhistas e previdenciárias (arts. 442-B e 443), o que até então era praticado de modo informal e sem nenhuma proteção.

Durante a campanha eleitoral de 2022, vários candidatos prometeram aos eleitores a equiparação de salários e benefícios entre homem e mulher que exercem as mesmas funções, o que já estava regulado pelo art. 461 da lei 13.467/17 e assegurado pela Constituição de 1988 (art. 7º, Inciso 30). A referida promessa refletiu pura demagogia ou total ignorância da reforma trabalhista e da Carta Magna.

Outro problema que veio a ser sanado pela reforma trabalhista diz respeito à situação muito comum em que o trabalhador não deseja mais continuar como empregado e o empregador não tem recursos para dispensá-lo. O art. 484-A solucionou essa situação ao prever a possibilidade de empregado e empregador negociarem as bases do desligamento. Novamente, se as partes não quiserem, vale o que está na lei.

Para os empregados que ganham mais de duas vezes o teto da Previdência Social, a reforma trabalhista oferece a alterativa da arbitragem como método expedito de resolução de conflitos (art. 507-A). Outra vez, se as partes não quiserem, prevalece o caminho da Justiça do Trabalho.

Enfim, a lista de liberdades com garantia e proteções é muito longa e vai muito além dos exemplos aqui apresentados. Numa palavra. Não vejo motivo de querer revogar o que foi mantido e com uma boa margem de proteção e liberdade.

As críticas indicadas escondem uma preocupação dos dirigentes sindicais que diz respeito à revogação da obrigatoriedade de arrecadação da contribuição sindical (art. 578 e seguintes) e à decisão do Supremo Tribunal Federal segundo a qual qualquer tipo de contribuição só pode ser exigido dos empregados que são filiados aos sindicatos.

A exigência de autorização prévia, expressa e por escrito dos empregados para que a cobrança obrigatória da referida contribuição trouxe como consequência a redução dos recursos das entidades sindicais laborais e patronais.

Entretanto, nesses cinco anos de reforma trabalhista as entidades sindicais começaram a explorar com sucesso outras modalidades de contribuição, fazendo-as constar dos acordos e convenções coletivas. Um trabalho recente mostrou que, para vários sindicatos laborais, as contribuições arrecadadas superam o valor da antiga contribuição sindical obrigatória (Hélio Zylberstajn, "Avaliação da reforma trabalhista", São Paulo: Informações FIPE, Temas de economia aplicada, 2022). Dados como esse não podem faltar nas mesas de discussão sobre a contribuição sindical que, com certeza, requererá uma mudança no art. 8º da Constituição de 1988. 

Em suma, os que pretendem modificar a reforma trabalhista terão de encontrar outros argumentos além da costumeira crítica vazia segundo a qual a lei 13.467/17 prejudicou os trabalhadores, os empregos e a economia do país.

José Pastore

VIP José Pastore

Consultor em relações do trabalho do CAESP - Conselho Arbitral do Estado de São Paulo.

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