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A defesa da Constituição e da Democracia

Gustavo Machado e Martonio Mont'Alverne Barreto Lima

A integridade moral do país foi violentada, exposta a todos os cantos do mundo. O Estado Democrático de Direito foi ultrajado.

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Atualizado às 17:40

Quando da promulgação da atual Constituição Federal, não poderia ser mais atuais e felizes as palavras do Presidente daquela Assembleia Nacional Constituinte, o Deputado Ulysses Guimarães: "A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito. Rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério. Quando após tantos anos de lutas e sacrifícios promulgamos o Estatuto do Homem da Liberdade e da Democracia bradamos por imposição de sua honra. Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo".

Transcorridos mais de 34 de vigência da Constituição da República de 1988 que restaurou a normalidade democrática no Brasil, após longos anos de ditadura militar, vivenciamos estarrecidos no dia 08 de janeiro de 2023, cenas de vandalismo e aberto terrorismo praticados no Distrito Federal. O mais destacado é somos obrigados a constatar omissão de autoridades das forças de segurança nacionais e do Distrito Federal. Os atos criminosos e golpistas se organizaram durante toda a semana após o início de novo mandato presidencial, eram de amplo conhecimento sua preparação e seu caráter golpista. Quem pede intervenção federal militar e não aceita o resultado democrático de eleições limpas e segura só pode receber a qualificação de golpista. Exatamente porque não aceita a legalidade civilizatória da democracia.

Atos criminosos e golpistas, sim, que atentaram não apenas contra os prédios do Palácio do Planalto, do Supremo Tribunal Federal e do Congresso Nacional. Para além da invasão e depredação à integridade física das sedes dos Poderes Constituídos, diversos bens tombados que compõem o patrimônio público, o patrimônio histórico-cultural do Brasil foram destruídos, danificados e saqueados. Se os danos materiais são ainda incalculáveis, os danos e prejuízos imateriais são inestimáveis. Perde-se, ou melhor, despoja-se uma grande uma parte da alma do Estado Brasileiro.

Mas não é só. A integridade moral do país foi violentada, exposta a todos os cantos do mundo. O Estado Democrático de Direito foi ultrajado. Gravíssima afronta à dignidade da Nação Brasileira. Um dia para que não se esqueça e para que não se subestime forças políticas que não se submetem à democracia. As lições que a história nos mostra servem de advertência para todos, e trazem a convicção de que a necessidade de uma democracia que defenda a si própria é uma tarefa de todos nós. Por esta razão, não há como deixar de aplicar o devido processo legal e as penalidades legais previstas contra os perpetradores, planejadores, apoiadores do que ocorreu em Brasília em 8 de janeiro de 2022.

Por tais razões, enxergamos na criação de instituições de defesa da democracia mais que uma tarefa bem-vinda: é necessária. O constitucionalismo brasileiro atual se debate com tema que desafia a quase todas as democracias mundiais, isto é, sobre o que é liberdade de manifestação de pensamento e o que é incitação ao crime. Este último não se acha protegido pela primeira. Desde a Resolução 23.714, de 20 de outubro de 2022, do Tribunal Superior Eleitoral, está vedada "a divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de votação, apuração e totalização de votos". Já temos sinalizações de que não há como conviverem desinformação e mentiras com democracia. Ao contrário: aquelas são as autoras da morte desta. Quando uma sociedade assiste ao assalto contra sua democracia sem qualquer resistência institucional, o caminho está pavimentado para a destruição da mesma democracia. São estas lições que tiramos do século XX e de suas tragédias que bem se demonstraram em duas guerras mundiais. Não se trata somente de destruição da democracia política, com igualdade de todos prante a lei e processos decisórios de ampla participação. O que se extingue também é a democracia econômica, que confere dignidade material às sociedades, com graus de menor desigualdade entre cidadãos e cidadãs. É forçoso e urgente, então, que as instituições e autoridades públicas atuem, de forma incisiva e enérgica nas searas civil, administrativa, política e penal, contra todos os envolvidos, quer através de atos comissivos ou omissivos e de qualquer ordem tenham contribuído para a busca fracassada de fim à democracia brasileira. O futuro do Brasil dependerá, e muito, do que será feito no presente em relação ao passado no dia 08 de janeiro de 2023.

Finalizamos este pequeno escrito com a Nota de Repúdio da Associação Nacional dos Procuradores Municipais, lembrando sempre de Ulysses Guimarães:

"A Associação Nacional dos Procuradores Municipais - ANPM, entidade que representa as Procuradoras e Procuradores Municipais, com mais de 20 mil profissionais em todo o país e composta por mais de 94 associações locais e regionais, vem repudiar a criminosa invasão e depredação dos prédios públicos sedes dos Poderes Constituídos - Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário - perpetradas no dia de hoje, 08 de janeiro de 2023, em Brasília.

Tais condutas, muito longe de configurarem liberdade de expressão e de manifestação, constituem-se atos golpistas, porquanto atentam contra valores democráticos e a própria República Federativa do Brasil, e terroristas, vez que fazem uso da violência e da covardia.

Urgente e imprescindível que todas as pessoas envolvidas, quer através de atos comissivos ou omissivos, sejam exemplarmente responsabilizadas, sob pena de corrosão irreversível da ordem institucional".

Gustavo Machado

Gustavo Machado

Procurador do Município de Recife. Presidente da Associação Nacional dos Procuradores Municipais (2021-2023). Conselheiro do Instituto dos Advogados de Pernambuco - IAP (2020-2022 e 2022-2024).

Martonio Mont'Alverne Barreto Lima

Martonio Mont'Alverne Barreto Lima

Procurador do Município de Fortaleza. Professor Titular da Universidade de Fortaleza. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros - IAB. Presidente da Associação dos Procuradores da Administração Centralizada de Fortaleza.

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