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Julgamento da Convenção 158 da OIT pelo STF: poucas repercussões práticas nas rescisões de contratos de trabalho

Há grande expectativa de que, caso julgada procedente a ADIn 1625, seus efeitos sejam modulados pelo STF, isto é, atingindo apenas futuras demissões, mas preservando as rescisões de relações de emprego já ocorridas de 1996 até os dias de hoje.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

Atualizado em 25 de janeiro de 2023 11:19

Recentemente, o tema da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 1625 voltou ao noticiário. Seu julgamento foi interrompido, mais uma vez, no final do ano passado, perante o Supremo Tribunal Federal (STF)1.

A controvérsia diz respeito à validade e aplicabilidade no Brasil da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que estabelece regras para a demissão de empregados, exigindo a comprovação de sua motivação, amparada em critérios disciplinares, técnicos ou estruturais2.

Em 1996, o então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso editou o decreto 2.100 denunciando a vigência da Convenção 158 no ordenamento jurídico brasileiro, que havia sido aprovada pelo Congresso Nacional. Diante disso, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) ajuizaram a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1625) em face do referido Decreto.

Na ação, em trâmite no Supremo Tribunal Federal, será julgada a validade da denúncia feita unilateralmente pelo então presidente, decidindo se tal ato estaria condicionado ao referendo do Congresso Nacional, adquirindo eficácia só a partir de então. Até o momento já foram proferidos oito votos no julgamento da ADIn 1625, com três diferentes vertentes.

Entendendo pela procedência parcial, há os votos do relator da matéria, ministro Maurício Corrêa, e do o ministro Carlos Ayres Britto. Eles defendem que, assim como o Congresso Nacional ratifica os tratados internacionais, deve também ser ele o responsável por eventual afastamento da convenção. Portanto, a eficácia do decreto de denúncia dependeria de referendo do Congresso. Em sentido semelhante, entendendo pela procedência integral da ação de inconstitucionalidade, e consequente nulidade da denúncia presidencial unilateral, são os votos dos ministros Joaquim Barbosa, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski.

De outro lado, com voto pela improcedência da ação de inconstitucionalidade, de modo a manter, portanto, a denúncia da Convenção 158, posicionaram-se os ministros Nelson Jobim, Teori Zavascki e Dias Toffoli. Em vista da atual situação, percebe-se uma tendência de formação de maioria de votos no sentido da procedência da ação, com o restabelecimento da validade da convenção.

Há grande expectativa de que, caso julgada procedente a ADIn 1625, seus efeitos sejam modulados pelo STF, isto é, atingindo apenas futuras demissões, mas preservando as rescisões de relações de emprego já ocorridas de 1996 até os dias de hoje. No entanto, a decisão quanto a uma possível modulação ainda é incerta.

Em que pese a tese atualmente majoritária no julgamento seja no sentido da procedência de ação, restituindo-se assim a aplicabilidade da Convenção 158 da OIT, não se vislumbra, entretanto, razão para grande preocupação por parte dos empregadores, pois os efeitos práticos de tal decisão tendem a ser limitados.

Em primeiro lugar, é importante lembrar que a Convenção 158 da OIT, ainda que reconhecida válida pelo STF, não será autoaplicável às relações de trabalho, ou seja, para que produza efeitos práticos, será necessário que haja uma regulamentação específica desta norma, a ser incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro. Assim, para efetiva aplicação da referida convenção às demissões nas relações de trabalho, na hipótese em que o julgamento do STF conclua pela procedência da ação (ADI 1625), será imprescindível que haja efetiva e posterior regulamentação da norma pelo Congresso Nacional.

Ademais, ainda que tal regulamentação seja concretizada pelo Congresso Nacional, cabe recordar que a Constituição Federal já dispõe de norma específica que disciplina as demissões, estipulando que a rescisão do contrato de trabalho depende tão somente da quitação da multa de 40% sobre o FGTS, vide regra do art. 10, I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT)3, de maneira que a norma prevista no ADCT da Constituição prevaleceria em detrimento de uma possível regulamentação da Convenção 158, que seria incorporada ao ordenamento legal brasileiro com hierarquia inferior à mencionada regra constitucional. Cabe esclarecer que o afastamento do art. 10, I, do ADCT dependeria da aprovação de uma lei Complementar que venha a regulamentar expressamente o direito fundamental à proteção contra a despedida arbitrária, abrindo caminho para a superação da regra constitucional transitória.

Tudo isto considerado, podemos entender, de forma tranquilizadora para empregadores que, ainda que a ADIn 1625 venha a ser julgada procedente pelo STF, e por conseguinte, ainda que seja restabelecida a vigência da Convenção 158 da OIT, tal julgamento, por si só, deverá ter poucas repercussões práticas nas rescisões de contratos de trabalho no Brasil, enquanto não houver regulamentação expressa do tema pelo Congresso Nacional, por meio de lei Complementar.

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Recentemente, com a mudança no regimento do STF, os pedidos de vista dos ministros deverão respeitar o limite de 90 dias e, com isso, há expectativa de que se tenha julgamentos mais rápidos, de modo geral.

2 O artigo 4º da Convenção n. 158 da OIT prescreve: "Um trabalhador não deverá ser despedido sem que exista um motivo válido de despedimento relacionado com a aptidão ou com o comportamento do trabalhador, ou baseado nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço".

3 ADCT, Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição: I - fica limitada a proteção nele referida ao aumento, para quatro vezes, da porcentagem prevista no art. 6º, "caput" e § 1º, da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966 ; (...)

4 O Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento de que os tratados  que versem sobre direitos fundamentais que tenham sido ratificados sem observância do rito previsto no artigo 5º, § 3º, da CF tem status supralegal, porém não constitucional, de tal forma que devem ceder espaço em favor de normas de estatura constitucional quando em eventual conflito com estas.

Pedro Capanema Lundgren

Pedro Capanema Lundgren

Sócio do escritório Capanema e Belmonte Advogados e consultor jurídico da FIRJAN.

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