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A falácia da advocacia predatória

Crefisa acusa advogados de violar seus bancos de dados.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Atualizado às 13:54

Vivemos um período estranho, onde leis não são cumpridas e, infelizmente, a conduta do cliente, muitas vezes é transportada, indevidamente, à pessoa do seu Advogado.

Tivemos, recentemente, em Brasília, o caso do Dr. Cristiano Zanin, agredido verbalmente no toalete do aeroporto, em razão da pessoa, o ofensor, não gostar da posição político-ideológica de seu cliente.

Francamente, isso é inaceitável, mais ainda quando vemos Advogados aplaudirem violações de prerrogativas de acordo com a posição ideológica dos clientes dos Colegas cujas prerrogativas são violadas.

Enfim, a Advocacia, infelizmente, não é uma classe unida e poderíamos escrever um livro de umas 1.000 páginas dando exemplos concretos disso. Ficará para outro momento.

Pois bem, vamos ao tema deste artigo. Algumas instituições financeiras que chegam a cobrar - inacreditáveis - 1.500% ao ano em empréstimos bancários têm acusado os Advogados dos demandantes de praticar Advocacia predatória, isto é, de criar situações de ética e legalidade discutíveis para amealhar enorme número de processos.

Sim, de fato, alguns Advogados têm centenas de processos

Por vezes, o Poder Judiciário tem reconhecido essa bobagem, mais que isso, diria que este comportamento do Banco em questão é criminoso.

Estamos falando da Crefisa, ok, apenas para contextualizar.

Supostamente, esses advogados estariam usando de ardis ilegais/invadindo os bancos de dado da Crefisa para conseguir estes números, supostamente, inacreditável, de clientes.

Data máxima vênia àqueles que têm entendimento em contrário, este argumento não para em pé.

Explicamos: é totalmente viável a um Advogado que demonstre expertise/autoridade em um (ou mais) nicho específico do Direito conseguir auferir em seu escritório centenas, quiçá milhares, de ações sobre estes temas em específico.

Alguém já ouviu falar em industrialização dos processos de trabalho? Obviamente que se o Advogado cuidar dos seus casos de forma artesanal, como fazemos em nosso escritório, onde o mesmo profissional atende o cliente, elabora as teses e cuida de todo o andamento processual, tornar-se-ia impossível atingir grande número de demandas.

À guisa de exemplo, em nosso escritório temos bastante expertise em ações contra Instituições Financeiras e demandas contra Big Techs (contas bloqueadas/suspensas em Instagram, Twitter, Facebook, Google, etc).

Em 25 anos de atuação em Direito Bancário já defendemos algo como 2.500 processos. Já na questão da Liberdade de Expressão na Internet, tema que tornou-se relevante no Judiciário nos últimos 3 anos, são algo como 40 processos.

Com efeito, o número de pessoas que nos procura é muito maior, mas por opção profissional nossa, a Advocacia que realizamos é artesanal e não temos tempo de atender a todos que nos procuram.

Contudo, há Advogados que optaram por aplicar o fordismo em seus escritórios, isto é, seccionar os processos de produção. Ora, quando se faz isso, por vezes pode se perder em qualidade, em atenção a detalhes, mas, indiscutivelmente aumenta-se exponencialmente a capacidade de atendimento a novos clientes.

Conhecemos escritórios em que 15 advogados conseguem atender, com relativa tranquilidade, mais de 20.000 processos.

Obviamente que é - humanamente - impossível para um Advogado defender 1333 processos se ele tiver que cumprir todas as etapas deste processo. Mas estamos falando de escritórios onde há profissionais para montar as iniciais, outro para os recursos em segunda instância, outros para recursos para Tribunais Superiores, outro para negociar acordos, e por aí vai. Já vimos escritórios onde há Advogados cuja única função é a elaboração de MLE's. 

Uma produção industrializada somada a uma boa divulgação em Redes Sociais permite a um profissional, tranquilamente, ter mais de 10.000 processos numa mesma área, contra uma mesma empresa.

Por outra, se quiséssemos poderíamos ter não 40, mas 4000 processos contra o Google, bastaria o investimento para contratar mais 4 ou 5 profissionais e ampliação do escritório, o que hoje sequer é necessário devido ao teletrabalho.

Aliás, as mais famosas e renomadas Bancas de Advocacia do país fazem isso e ninguém em sã consciência se propõe a dizer que Pinheiro Neto, Demarest Almeida, dentre outros, praticam "advocacia predatória" por terem centenas de clientes empresas que atuam em dados nichos de atuação.

Na verdade, a montanha de processos que sofre a CREFISA não se dá por conta de uma falaciosa, mentirosa, fantasiosa Advocacia predatória; mas sim porque estamos falando de uma empresa que comete, de forma reiterada, inúmeros ilícitos gravíssimos, cobrando juros que fariam o pior dos agiotas corar de vergonha.

Ora, quem comete muitos ilícitos, necessariamente, têm muitos processos. Terceira lei de Newton aplicada à Advocacia: "para toda ação, existe uma reação igual em sentido oposto".

O que nos surpreende é que existam Colegas dispostos a assinar pedidos levianos desta natureza contra outros Colegas e Juízes que caiam neste engodo. Com efeito, Direito se faz com fatos e provas. Para você acusar alguém de ter cometido uma fraude gravíssima como esta, necessária a existência de provas muito, mas muito, contundentes do que se está alegar.

No esteio do que aqui escrevemos, felizmente, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no julgamento do Recurso de Apelação número 1007042-69.2021.8.26.0189 considerou, reformando a sentença de primeiro grau, inexistente a Advocacia Predatória:

"No caso em testilha, as características da ação não permitem reconhecer a ocorrência de uso abusivo do Poder Judiciário por parte do advogado ou daquele que ele representa, porquanto não se verifica irregularidade na procuração outorgada (fls. 15 e 517), da qual constou poderes específicos para ajuizar a demanda em questão, a petição inicial foi individualizada e instruída com documentos pessoais da autora bem como o contrato revisando (fls. 16/22 e 23/27) e, consta do termo de tentativa de conciliação de fls. 390/391 que a autora, na ocasião, estava acompanhada de sua patrona. De rigor, pois, afastar a extinção anômala do feito e, nos termos do art. 1.013, § 3°, inc. I, do CPC, passar ao exame do meritum causae"

Como dissemos, a acusação lançada pela CREFISA contra diversos Advogados são gravíssimas e esperamos que estes Colegas adotem as medidas legais, penais e cíveis correspondentes. Desnecessário falar que temos aí um caso, muito grave, de dano moral in re ipsa, que deve ser urgentemente analisado pelo Poder Judiciário em demandas individuais a serem propostas.

Paulo Antonio Papini

VIP Paulo Antonio Papini

Advogado em São Paulo. Mestre e Doutorando pela Universidade Autónoma de Lisboa. Pós-graduado em Processo Civil. Especialista em Direito Imobiliário. Professor na ESA/UNIARARAS e ESD-Campinas.

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