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Importância da complementação recursal em três situações específicas

O objetivo deste ensaior é enfrentar três situações práticas muito importantes e que estão interligadas em decorrência de um mesmo instituto: aditamento / complementação recursal.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Atualizado às 13:47

Em diversas oportunidades forenses há a necessidade de novo peticionamento em recurso já interposto, atendendo ao princípio da complementariedade recursal. As consequências para a falta dessa providência por parte do recorrente, pode gerar desde a simples preclusão até mesmo o não conhecimento do recurso.

Evidente que o aditamento das razões não pode ser realizado nos casos de preclusão consumativa. Contudo, em caso de transformação, modificação ou não realização da reconsideração no juízo de certificação, a medida poderá ou deverá ser utilizada.

Com efeito, o primeiro aspecto a ser tratado refere-se à fungibilidade entre os embargos de declaração e o Agravo interno. Em sede interpretativa, antes do CPC/15, havia certa restrição à fungibilidade recursal, inclusive com precedentes no sentido de que apenas o interno seria oponível em face de decisão monocrática de Tribunal, sendo, portanto, incabíveis na espécie os Embargos Declaratórios e, como consequência, a decisão transitaria em julgado caso não fosse manejado o recurso correto ao colegiado .

O novo diploma processual, de toda sorte, prestigindo a boa-fé, a primazia de mérito, a cooperação e a fungibilidade recursal, tenta resolver os problemas práticos referentes a estes dois recursos. De início, consagra a ampliação da embargabilidade, permitindo o manejo de aclaratórios contra qualquer decisão judicial (art. 1.022, do CPC/15).

Além disso, a legislação processual também consagra expressamente a fungibilidade entre os Embargos e o Interno, com a necessária ressalva que de que o primeiro se trata de recurso integrativo; e o segundo, apelo visndo reforma ou anulação. A previsão do art. 1.024, §3º, do CPC/15, é clara nesse sentido: se de um lado é permitida a fungibilidade recursal, de outro, o embargante deve ser intimado para complementar suas razões.

No ponto, é possível afirmar que se trata de aditamento ou complementação das razões recursais, visando a apreciação dos anteriores Aclaratórios como Interno.

Logo, se acaso o Relator entenda que ao invés de integralizar a decisão, o interessadoembargante pretende a reforma ou invalidação do julgado, deve intimá-lo, atendendo à fungibilidade e cooperação, para a complementação das razões recursais. Um recurso é de devolutividade limitada (integrativo) e o outro é de ampla revisão (reforma/anulação).

Em uma só frase: a transformação não pode ser automática e serve para atender aos anseios do recorrente e, também, do próprio Órgão Julgador.

Este aproveitamento recursal é um ponto absolutamente positivo do CPC/15 e deve ser utilizado com a parcimônia, tendo em vista que, antes de transformar os Embargos em Agravo Interno, deve abrir prazo para a complementação das razões e do pedido recursal. No tema, vale citar o seguinte pronunciamento:

"Os embargos de declaração possuem nítida feição de agravo interno, razão pela qual determino a intimação da parte embargante para, no prazo de cinco dias, complementar as razões recursais, conforme previsão do §3º do art. 1.024 do Código de Processo Civil de 2015. Após, se apresentadas as razões, manifeste-se a parte contrária no prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do §2º do art. 1.021 do Código de Processo Civil de 2015" (EDcl no AREsp 1308701 - Rel. Min. Francisco Falcão - Dj de 1/09/2018).

Ora, se de um lado resta superado entendimento de que seriam incabíveis os Aclaratórios em face de decisão unipessoal, o seu recebimento como Interno não deve ser automático, em razão dos objetivos específicos de cada um desses recursos e da previsão expressa contida no §3º, do art. 1.024 do CPC.

Contudo, se for aberto o prazo para complementação das razões recursais e a parte se quedar inerte, o recurso não será conhecido. Importante citar dois julgados recentes do Superior Tribunal de Justiça, da 2ª Turma e da 2ª Seção, respectivamente:

"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONVERTIDOS EM AGRAVO INTERNO. INTIMAÇÃO PARA COMPLEMENTAR RAZÕES. ARTS. 1.021, § 1º, E 1.024, § 3º, DO CPC. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO CONHECIDO. 1. Recebidos os Embargos de Declaração como Agravo Interno, dele não se conhece quando a parte requerente, intimada a complementar as razões recursais, não se manifesta no prazo legal (arts. 1.021, § 1º, c/c art. 1.024, § 3º, do CPC/2015). Precedentes do STJ.2. Agravo interno não conhecido". AgInt no REsp 2007343 / BA - Rel. Min. Herman Benjamin - 2ª Turma - J. em 17.10.2022. Dje 04.11.2022.

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. RECEBIMENTO COMO AGRAVO INTERNO. COMPLEMENTAÇÃO DAS RAZÕES RECURSAIS. ART. 1.024, § 3º, DO CPC. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. 1. Acolhidos os embargos de declaração como agravo interno, não se conhece do recurso quando a parte, embora devidamente intimada nos termos do art. 1.024, § 3º, do CPC, deixa de complementar suas razões" (AgInt na Rcl 43784 / CE - Rel. Min. Nancy Andrighi - 2ª Seção - J. em 20/09/2022 - Dje  22/09/2022).

Como se pode perceber, em que pese essa transformação seja da própria natureza e fungibilidade entre os EDs e o Interno, a falta de complementação das razões recursos para o objetivo deste último apelo, gera como consequência o não conhecimento recursal.

E a recíproca seria possível? É possível o recebimento do Interno como Embargos de Declaração? Duas ressalvas devem ser feitas: i) o Agravo Interno permite o exercício do juízo de retratação pelo próprio Relator (art. 1.021, §2º, do CPC/15) o que, pelo menos em tese, pode atender ao interesse recursal do agravante; ii) não pode ocorrer o aproveitamento recursal se for interposto o Agravo após o prazo para manejo dos aclaratórios.

Aliás, em relação a este último aspecto, a falta de oposição do recurso integrativo não poderá ser sanada pela interposição, em prazo mais dilatado, do Interno, inclusive em razão de possuírem objetivos processuais absolutamente diferentes. A 3ª Turma do STJ entendeu que:

PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NO  AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. 1. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO NA DECISÃO AGRAVADA. RECURSO INADEQUADO. FUNGIBILIDADE. DESCABIMENTO. NÃO OBSERVÂNCIA DO PRAZO LEGAL.  2. OFENSA AO ART. 535. DO CPC/1973 NÃO OCORRÊNCIA. 3. RECONHECIMENTO PELO TRIBUNAL LOCAL DE AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO E INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS N. 5 E N. 7 DO STJ. 4. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Não é cabível agravo interno com a finalidade de sanar omissão da decisão agravada. Para tal desiderato, deve haver a oposição de embargos declaratórios. 2. É descabida a aplicação do princípio da fungibilidade recursal para o recebimento do agravo interno como embargos de declaração, uma vez que o presente apelo foi interposto quando esgotado o prazo para oposição dos aclaratórios. Precedente: AgInt no AREsp 1.357.016/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 19/2/2019. 3. Não ficou configurada a violação do art. 535 do CPC/1973, uma vez que o Tribunal de origem se manifestou de forma fundamentada sobre todas as questões necessárias para o deslinde da controvérsia. O mero inconformismo da parte com o julgamento contrário à sua pretensão não caracteriza falta de prestação jurisdicional. 4. Modificar o entendimento do Tribunal local no sentido de que não foi comprovado que os atrasos do repasse deram ensejo a danos indenizáveis, fossem eles morais ou materiais, demanda vedado reexame de matéria fático-probatória e interpretação de cláusulas contratuais (Súmulas n. 5 e 7, ambas do STJ). 5. Agravo interno desprovido" (AgInt nos EDcl no AREsp 937037 / PR - Rel. Marco Auréllio Bellizze - 3ª Turma - J. em 11/11/2020 - DJe DJe 16/11/2020) .

Logo, é possível concluir, em relação ao primeiro aspecto objeto deste ensaio, que a fungibilidade é apenas de mão única (embargos de declaração para agravo interno) quer pelos objetivos específicos, quer pelo prazo diferenciado, devendo a parte interessada adotar a providência ligada à complementação recursal, sob pena de não conhecimento do interno.

A segunda hipótese aqui tratada advém da própria literalidade do art. 1.024, §4º, do CPC/15, a saber: embargos de declaração com atribuição de efeito modificativo e alcance de capítulo decidido anteriormente e já objeto de recorribilidade.

Este dispositivo, de um lado, protege o direito da parte que já interpôs outro recurso, como nos casos de sucumbência recíproca e, de outro, permite o aditamento - a complementação recursal - nos exatos termos e limites daquilo que foi modificativo. Pode-se falar, por exemplo, em casos em que se admite a complementação de recursos de fundo, como apelação, especial ou extraordinário manejado por uma parte, restando pendente a apreciação dos aclaratórios opostos em face da mesma decisão.

Claro que a complementação aqui mencionada não se trata de novo recurso mas sim em somatória de fundamentos em relação ao capítulo decidido que foi atingido pela modificação. Apesar da existência de preclusão consumativa em relação ao recurso de fundo já interposto, tal fato não impede a complementação das razões recursais limitada ao que foi atingido pelos embargos acolhidos com efeitos modificativos.

Aliás, além da questão da possibilidade de complementação, o §5º deste mesmo art. 1.024, do CPC/15 fulminou o antigo Enunciado 418, da Súmula da Jurisprudência dominante do STJ. Logo, se o resultado dos EDs modificarem a decisão, possível é a complementação; se a decisão embargada for mantida, não é necessária qualquer ratificação recursal por parte daquele que já interpôs a apelação, o especial ou o extraordinário. O recurso de fundo, portanto, tem processamento regular sem a necessidade de qualquer ratificação.

A terceira e derradeira situação a ser aqui tratada refere-se à interpretação a ser feita diante da redação dos arts. 1.040, II e 1041, do CPC (juízo de conformação após a publicação do acórdão paradigma decorrente de precedente qualificado e o retorno para o reexame do processo).

Conforme entendimento da Corte da Cidadania, a determinação de retorno dos autos à Corte de origem, para a retratação ou conformação não possui carga decisória e, portanto, é irrecorrível, exceto em caso de erro patente.

Vale citar passagem da Ementa do Acórdão da 1ª Turma, com indicação de vários outros julgados no mesmo sentido:

"O ato judicial que determina o sobrestamento e o retorno dos autos à Corte de origem, a fim de que lá seja exercido o competente juízo de retratação/conformação (arts. 1.040 e 1.041 do CPC/2015), não possui carga decisória; por isso, trata-se de provimento irrecorrível. Precedentes: STJ - AgInt nos EDcl nos EREsp 1.126.385/MG, Rel. Ministro Og Fernandes, Primeira Seção, DJe 20/9/2017; AgInt no AREsp 818.292/PE, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 22/5/2017; AgRg no AREsp 105.377/SP, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 29/5/2015; e RCDESP no REsp 1.342.031/MA, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 25/10/2012; STF - RE 630.719 AgR-segundo-AgR-AgR, Relator Min. Alexandre de Moraes, Primeira Turma, julgado em 17/11/2017, DJe-270 DIVULG 27/11/2017 PUBLIC 28/11/2017. É certo, porém, que ficam a salvo dessa diretriz situações reveladoras de erro ou equívoco patentes, o que não se verifica no caso ora decidido" (AgInt na PET no REsp  1742082 - CE - Rel. Min. Sérgio Kukina - J. em 30.11.2020.

A questão, contudo, a ser enfrentada está relacionada à providência cabível após a decisão do órgão fracionário com a manutenção do entendimento anterior (sem qualquer retratação/conformação), restando pendente o processamento do recurso anteriormente interposto. Qual a conduta a ser adotada pelo interessado?

Pela própria redação do art. 1.041, a divergência autoriza a remessa do recurso ao tribunal superior competente, nos termos do art. 1.036, §1º, do CPC. Contudo, se no novo julgamento pelo órgão fracionário estiverem presentes novos fundamentos (agregados ao julgamento anterior), será possível o aditamento do especial ou extraordinário já interposto.

No caso em questão, não é cabível novo recurso de fundo, mas apenas a complementação das razões em razão dos fundamentos que foram agregados. No tema, vale citar passagem do voto do Exmo Min. Paulo de Tarso Sanseverino - Relator do Acórdão da 3ª Turma do STJ (REsp 1946242/RJ - J. em 14.12.2021 - Dje 16.12.2021) em caso concreto onde o órgão julgador local optou por manter o acórdão recorrido, agregando outro fundamento e fazendo distinção em relação ao Tema 990/STJ:

"Deveras, em razão do princípio da independência da magistratura, os julgadores não ficam vinculados aos fundamentos anteriormente declinados no acórdão recorrido, nada obstando a que novos fundamentos sejam agregados na fase do art. 1.040, inciso II, do CPC/2015, como ocorreu no caso em tela.

Novos fundamentos exigem nova impugnação, à luz do conhecido princípio da dialeticidade recursal.

Para atender a essa exigência processual de nova impugnação, torna-se necessário admitir que o recorrente complemente as razões recursais, com o fim exclusivo de impugnar os novos fundamentos agregados ao acórdão recorrido".

Este caso é bem interessante, tendo em vista que, como a parte já interpôs o recurso de fundo (especial), poderá aditar ou complementar as razões em caso de manutenção da decisão com novos fundamentos agregados. O STJ, portanto, em caso de admissão recursal pela Corte local (art. 1.030, do CPC), irá apreciar as razões dos recursos e aquelas outras que foram complementadas.

Estas observações relacionadas à complementação recursal são muito importantes para a prática forense.

José Henrique Mouta

VIP José Henrique Mouta

Mestre e Doutor (UFPA), com estágio em pós-doutoramento pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Professor do IDP (DF) e Cesupa (PA). Procurador do Estado do Pará e advogado.

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